A ADOÇÃO INTERNACIONAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
1.Introdução
A família incontestavelmente compreende um dos principais baluartes da
sociedade moderna. Nas palavras de Washington de Barros Monteiro, “todo
homem, ao nascer, torna-se membro integrante de uma entidade natural e
social, o organismo familiar” [1]. Destarte, verifica-se a enorme
relevância do estudo das instituições familiares, assim como do seu
regramento perante a ordem jurídica nacional.
É cediço na Doutrina e
Jurisprudência Pátria que existe uma diversidade de institutos
familiares. Dessa forma, a “hegemonia” do casamento como figura familiar
nuclear já não existe perante o ordenamento brasileiro. A própria
Constituição Federal de 1988 assevera no seu artigo 226 as entidades que
merecem especial proteção, dentre as quais, observa-se o casamento, a
união estável e a chamada família monoparental.
Ademais, é possível
enquadrar outras figuras dentre os institutos de Direito Familiar,
originados como consequência direta das rápidas mudanças sociais. Assim,
é possível averiguar a formação da família primordialmente pautada em
preceitos de afinidade, chamadas comumente pela doutrina de famílias
sócio-afetivas. Dentre estas, por exemplo, figura a família anaparental,
a qual possui como basilar o elemento afetividade, que se caracteriza
pela inexistência da figura dos pais, ou seja, constitui-se basicamente
pela convivência entre parentes do vínculo da colateralidade ou pessoas –
mesmo que não parentes e sem conotação sexual - dentro de uma mesma
estruturação com identidade de propósitos, que é o animus de constituir
família [2].
Igualmente, ainda em termos constitucionais, mister é
apontar umas das principais inovações da Carta de Outubro de 1988 para a
sociedade brasileira, qual seja, o tratamento absolutamente isonômico
entre filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção. Tal
preceito é consagrado no artigo 227, § 6º da Lei maior, rompendo-se
assim o paradigma estatuído pela codificação civil anterior (em especial
o Código Civil de 1916), que estabelecia distinções entre filhos
legítimos e “ilegítimos”. Outra inovação foi a instauração de um
tratamento diferenciado à adoção (em especial, pelo disposto no artigo
227, § 5º da Constituição).
Esta última instituição deixou de ser
olhada com reservas e prevenções, perdendo o condão de unicamente
constituir forma de transmissão de nome e patrimônio em famílias mais
abastadas. Sob a égide da Carta Política Brasileira de 1988, a adoção
passou a atribuir ao adotando a condição de filho, sem qualquer
diferença com filhos naturais (ou consanguíneos). Passou a adoção a
constituir papel de inegável importância, formando um dos institutos de
maior caráter humanitário e filantrópico.
Existindo como uma
entidade norteada pelo princípio do melhor interesse da criança, a
adoção internacional é permitida pelo Direito Brasileiro, através do
Estatuto da Criança e do Adolescente, além do Decreto 3.087, que
ratificou a “Convenção Relativa à Proteção e Cooperação Internacional em
Matéria de Adoção Internacional” aprovada em Haia, em 29 de maio de
1993.
O presente trabalho busca analisar os requisitos e o
procedimento adequado para a efetivação da Adoção Internacional
realizada segundo a legislação do Brasil. Urge salientar que a adoção
por pessoa estrangeira, residente ou domiciliada fora do país, ainda
gera controvérsias perante a doutrina jurídica pátria. Destarte, outro
objetivo será a análise dos pontos polêmicos acerca da matéria, que
inexoravelmente deve sempre ser pautada em aspecto moral, espiritual,
afetivos e social para com as crianças e adolescentes a serem adotados
[3].
Por fim, relembre-se que a Adoção é tema de direito de família,
sendo assim, constitui um dos ramos do direito mais voltados para o
aspecto humano, pois cuida da relação pessoal de cada indivíduo na seara
que lhe é mais íntima, os sentimentos. Dessa forma, tanto os interesses
afetivos dos adotandos quanto adotantes devem ser levados em
consideração.
2.Algumas Considerações acerca da Adoção
Durante a
evolução da comunidade mundial através dos anos observou-se uma
crescente necessidade humana de acolher no convívio interno indivíduos
estranhos ao seio familiar. Dessa forma, concebe-se que a Adoção surge
primeiramente como uma medida de garantia à continuidade da Família,
principalmente no caso de pessoas que não tinham filhos consanguíneos
[4].
Séculos atrás, mesmo em codificações mais antigas, como o
código de Hamurabi, já havia notícia da utilização da Adoção entre os
povos. Posteriormente, o Direito Romano destacou-se, pois disciplinou e
ordenou sistematicamente o instituto. À exemplo, no antigo ordenamento
romano verificava-se duas formas de adoção: a adoptio e ad rogatio. A
primeira, sumariamente, significava a adoção de pessoa plenamente capaz,
muita vezes, até mesmo um “pai de família”, o pater família. Já a Ad
rogatio, sendo uma forma mais antiga,exigia formas mais burocráticas
para a concessão da adoção, devendo ser formalizadas pelos pontífices.
Em suma, a Ad rogação representava um ato de Direito Público, em que o
magistrado atuava diretamente.
Importa salientar que as disposições
do Instituto da Adoção criadas pelos romanos serviram de base para a
colocação da entidade em diversas codificações civis mais modernas. O
próprio Código Civil de 1916 disciplinou a adoção baseando-se nos
princípios romanos, como instituição destinada a proporcionar a
perpetuação da família, dando aos casais estéreis oportunidade de terem
filhos.
O que se observa na realidade, pelo Código Beviláqua, é um
tratamento da adoção mais voltada ou até mesmo, mais preocupada com o
fato dos pais não poderem conceber filhos naturalmente. Tanto é assim
que, durante muitas décadas, a adoção era vista com muitas restrições e
na maioria das vezes constituía ato que deveria ocorrer apenas em
situações excepcionais (quase sempre no caso de pessoas estéreis ou com
idade avançada e que não pudessem procriar pelos meios naturais).
Ademais, durante a vigência do Código Civil de 1916, ocorriam
corriqueiras situações de discriminação entre filhos adotados e filhos
naturais (já que aqueles não eram considerados totalmente integrados no
âmbito familiar). Outro ponto discriminante era a legitimidade
sucessória, concedida apenas aos chamados “filhos legítimos” (situação
que apenas se modificou com o advento da Constituição da República de
1988).
Em decorrência das alterações sociais, a entidade da adoção
sofreu mudanças, passando a desempenhar papel de inegável importância,
transformando-se numa instituição altamente humanitária e buscando,
sobretudo, garantir a integração de menores a novos lares. Sob essa
perspectiva, em 1957, entra em vigor a lei 3.133, que trouxe como
principal inovação a permissão de adoção por pessoas de 30 anos de
idade, tivessem ou não prole natural. Mudou-se o enfoque: “O legislador
não teve em mente remediar a esterilidade, mas sim facilitar as adoções,
possibilitando que um maior número de pessoas, sendo adotado,
experimentasse melhoria em sua condição moral e material [5]”.
Observa-se que, sem sombra de dúvidas, os dois principais panoramas para
o atual tratamento da Adoção encontram-se estatuídos pela Constituição
Federal de 1988 e, em seguida, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
(lei 8.069 de 1990). A Carta Constitucional, como já mencionado, no
art. 227, § 6º, proclama que “os filhos, havidos ou não da relação do
casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações,
proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”
Pelo dispositivo constitucional destacado, retira-se um dos princípios
nucleares do Direito de Família contemporâneo. Assim, o princípio da
Igualdade de Filiação, ou o também chamado, Princípio da Vedação de
Discriminação entre os filhos consegue de sobremaneira alavancar o e, de
certa forma, revolucionar o tratamento da figura da Adoção no Brasil.
Indiscutivelmente, o filho adotado, partir de então, integra plenamente
o seio familiar, havendo uma “dissolução” dos laços de parentesco entre
a pessoa adotada e sua antiga família.
O ECA (ou Estatuto da
Criança e do Adolescente) traz em seu bojo, como novidade à época, a
possibilidade de adoção sempre plena aos menores de 18 anos ( o que
atualmente é a regra, mesmo para adoção de pessoas maiores).
Recentemente, a lei 12.010, do ano de 2009 (chamada de Lei Nacional da
Adoção) instituiu algumas alterações no Estatuto da Criança e do
Adolescente. O próprio Código Civil (atual, Código Civil de 2002), foi
alterado pela referida lei 12.010/09, passando a reger exclusivamente a
adoção dos maiores de 18 anos (art.1.619). Importa destacar que o
Estatuto da Criança e do Adolescente é utilizado como legislação
supletiva, no que concerne ao regramento da adoção de capazes, além de
reger o procedimento de adoção de menores.
3.Procedimento e Requisitos Gerais para Adoção
Pelos referidos diplomas legais, em regra, qualquer pessoa possui
legitimidade para adotar outro indivíduo. A lei 12.010/09 estabeleceu a
idade mínima de 18 anos para ser adotante, como um reflexo da
necessidade da capacidade civil plena para o ato da adoção.
Inicialmente, a pessoa interessada em adotar necessita passar por uma
etapa de Habilitação. Tal fase compreende um procedimento administrativo
que se inicia com a inscrição do interessado em adotar, sendo
posteriormente submetido ao período de preparação psicossocial e
jurídica, cuja orientação será ministrada pela equipe vinculada ao juízo
da infância e juventude [6].
O futuro adotante necessariamente, por
meio de petição, precisa preencher alguns requisitos. A Peça Exordial,
necessariamente, precisa identificar os dados familiares do requerente,
além de apresentar qualificação completa, com os devidos documentos.
Ademais, há a necessidade de anexação de cópias de certidão de
nascimento, de casamento, ou certidões de União Estável.
Considerando que, indiscutivelmente o magistrado e o poder público, em
geral, devem velar pelo melhor interesse da criança e do adolescente, o
Requerente da Adoção precisa instruir sua petição com comprovantes de
Renda, de Residência, além de atestados de sanidade física e mental, bem
como os antecedentes criminais (ou cíveis).
O Ministério Público
deverá se manifestar acerca do pedido de habilitação pra a adoção, com o
fim de elaborar quesitos necessários ao estudo psicossocial do futuro
adotante, bem como requerer audiência para oitiva do requerente e
testemunhas e documentos que refutar necessários.
O pretendente
deverá participar de programa oferecido pela justiça, com apoio técnico
dos responsáveis pela execução da política municipal de convivência
familiar. Tal programa, além de preparar psicologicamente o interessado,
dará ênfase na orientação e estimulação para a adoção: inter-racial, de
crianças “maiores” (expressão da lei que se refere aos que não possuem
tenra idade) e adolescentes, do menor portador de deficiência, do que
possui necessidades específicas de saúde ou, ainda, do grupo de irmãos.
É imprescindível que durante o período de preparação, haja o contato do
pretendente com crianças e adolescentes sob acolhimento familiar ou
institucional, para serem adotados. Tal procedimento busca a formação de
vínculo afetivo entre o requerente e pessoas menores, visando um maior
preparo e conscientização para a futura paternidade ou maternidade.
Após a etapa da Habilitação e havendo o deferimento judicial do pedido o
interessado será inscrito no cadastro próprio de interessados à adoção
(de acordo com o artigo 50, do ECA). É de se lembrar que pelo Estatuto
da Criança e Adolescente, o requerente, já habilitado para adoção,
deverá aguardar sua convocação, que observará a ordem cronológica da
habilitação, bem como a disponibilidade de crianças e adolescentes à
adoção.
Em alguns situações, dispõe o artigo 50, § 13 do ECA, o juiz
poderá abster-se de observar a ordem cronológica das habilitações, em
respeito ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente,
deferindo-se a adoção em prol de pessoa domiciliada no Brasil e que não
esteja previamente habilitada.
Segundo o mencionado dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente:
“Art. 50, § 13 . Somente poderá ser deferida adoção em favor de
candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos
desta Lei quando:
I - se tratar de pedido de adoção unilateral;
II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade;
III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de
criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de
tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e
afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das
situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei.”
Destarte,
verifica-se, principalmente no inciso II do supracitado dispositivo, que
a Adoção, no que couber, deve sempre observar e garantir melhores
benefícios aos menores. O referido inciso busca evitar futuros traumas
para a criança ou adolescente que provisoriamente já se encontra sob a
tutela ou guarda de algum parente. Ademais, nesse sentido cumpre
destacar o contido no artigo 39, §1º da lei 8.069: “a adoção é medida
excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando
esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família
natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei”.
Nesse ensejo, observa-se um esforço do legislador em tentar ao máximo
assegurar a manutenção do incapaz no seio da família natural. Assim,
conclui-se que a dispensa de prévia habilitação do parente que deseja
adotar pessoa que já sob sua tutela ou guarda demonstra uma
compatibilização do artigo 50, § 13º com o artigo 39, §1ºdo ECA.
Ademais, cumpre registrar que a Lei Brasileira veda a algumas pessoas a
adoção. Primeiramente, reitere-se o princípio do melhor interesse para a
criança e adolescente, o que, por si só, já se mostra como uma espécie
de limitador para a legitimação a adoção. Dessa forma, é inviável a
adoção realizada por pessoa menor de 18 anos, ou que, de qualquer outra
forma não tenha a plena capacidade para os atos da vida civil.
Outrossim, questões éticas, religiosas e também biológicas vedam a
adoção em algumas situações. A título de exemplo, o artigo 44 do ECA
prevê que não estão legitimados a adotar seus pupilos e curatelados os
tutores e curadores enquanto não prestarem “contas de sua administração”
e saldarem o alcance, se houver. Este dispositivo nitidamente procura
coibir a apropriação indevida de patrimônio da pessoa do adotando por
parte do seu representante legal (seja um curador ou mesmo um tutor)
através da adoção.
Verifica-se também que a adoção por quem já é pai
ou mãe mostra-se como um ato jurídico impossível e sem objeto, posto
que um dos efeitos da adoção é justamente a extinção do poder familiar
original, o que não ocorreria caso um indivíduo requerente já fosse o
pai do adotando.
Outra situação, entretanto ocorre se um dos
genitores não houver reconhecido a paternidade (ou maternidade) do
filho, tendo em vista que o instituto da adoção possui diferenças em
relação ao reconhecimento da paternidade. Dessa forma, a melhor doutrina
reconhece a possibilidade do filho se negar a aceitar a adoção e
pleitear o reconhecimento judicial da paternidade (o que obviamente só
poderia ocorrer se o filho já fosse maior ou se fosse devidamente
assistido ou representado). [7]
Uma série de outras restrições são
verificadas perante o ordenamento brasileiro, como por exemplo, a
necessidade de diferença mínima de 16 anos entre a pessoa do adotante e a
do adotando. Tal requisito procura adequar-se a natureza de ficto iuris
da filiaçãoconstituída pela Adoção. Em outras palavras, a figura da
adoção procura recriar com a maior completude possível a relação entre
pais e filhos, sendo assim, é mister que haja um mínimo de respeito do
filho perante a figura paterna e materna. A diferença de 16 anos busca
também evitar a situação esdrúxula da adoção por uma pessoa mais nova
que o adotando (por óbvio, a filiação advinda dos laços naturais não
permite tal situação, dessa forma, a adoção também não deve conceber-se
dessa maneira).
Para finalizar esse breve relato dos requisitos para
a adoção é imperioso que se aponte duas outras restrições: a adoção
entre cônjuges ( o que por critérios morais é vedado no ordenamento
brasileiro), além da necessidade do consentimento do adotando, quando
este for maior ou contar com idade superior a 12 anos de idade (nos
moldes do artigo 28, § 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente).
Numa tentativa de sistematizar o procedimento para a adoção, a lei
12.010 acabou por colocar o ECA como protagonista na disciplina da
adoção, seja a adoção de crianças e adolescentes, seja a de maiores de
idade. Ambas as espécies de procedimento adotivo precisam de provimento
judicial, em virtude nas alterações no Código Civil (em destaque a nova
redação do artigo 1.619). Ademais, a competência para apreciar pedido de
adoção de menores é das Varas da Infância e da Juventude, enquanto que a
adoção do maior de 18 anos capaz ocorre perante a Vara de Família.
É
fundamental, que, apesar nas normas regulamentares e legislação
aplicável, o princípio do melhor interesse aos jovens deva sempre
nortear a atuação dos magistrados perante procedimentos de adoção; à
exemplo, colaciona-se a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça
do Brasil e posteriormente o julgado do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais:
GUARDA DE FILHO. Prevalência do interesse da criança. -
Criança com oito anos idade, que vive desde os primeiros meses de vida
sob a guarda do pai e na companhia da avó paterna, que lhe oferecem boas
condições materiais e afetivas, com estudo social favorável à
conservação dessa situação. - Ação de guarda definitiva promovida pelo
pai julgada procedente na sentença e na apelação, com reforma em grau de
embargos infringentes. - Recurso especial conhecido e provido para
restabelecer o acórdão proferido na apelação. (STJ , Relator: Ministro
RUY ROSADO DE AGUIAR, Data de Julgamento: 04/02/2003, T4 - QUARTA TURMA)
APELAÇÃO CÍVEL - ADOÇÃO - DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES PREVISTOS NO
ARTIGO 22 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - GENITORA - USO
REITERADO DE BEBIDAS ALCÓOLICAS - DIVERSOS ESTUDOS PSICOSSOCIAIS
REALIZADOS - CRIANÇA QUE JÁ SE ENCONTRA PLENAMENTE ADAPTADA AO CASAL
ADOTANDO - REGULARIZAÇÃO DE UMA SITUAÇÃO DE FATO - DEFERIMENTO DO
PEDIDO. Se as circunstâncias fáticas denotam que a genitora do menor
apresenta comportamento instável, preponderando o uso contumaz de
bebidas alcoólicas e o desinteresse em relação à situação vivenciada
pelo infante, somado ao vínculo de afetividade formado com a família
substituta, impõe-se a confirmação da decisão que destituiu o pátrio
poder da genitora e deferiu a adoção pelo casal apelado, tendo em vista o
,superior interesse da criança. (TJ-MG , Relator: ARMANDO FREIRE, Data
de Julgamento: 17/03/2009)
5. Princípios da Adoção Internacional
A Adoção em sua modalidade Internacional ganhou ares de popularidade,
principalmente no período posterior à Segunda Guerra Mundial. Fatores
como a cobertura midiática acerca de condições precárias de menores em
diversas localidades do globo, além da crescente complementação que a
normatização da adoção vem recebendo, contribuíram para o aumento
gradual do número de crianças adotadas internacionalmente.
Organizações influentes, como o Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNIFEC) contribuíram para o atual regramento do instituto adotivo no
âmbito internacional. Em razão disso, normas universais, consagradas
como verdadeiros princípios, atuam para garantir maior segurança e
transparência ao procedimento adotivo. Entretanto, é preciso que se
tenha em mente que tais normas principiológicas não devem servir como
óbice à própria efetivação do instituto.
Primeiramente, o princípio
basilar (em qualquer espécie de processo adotivo) a ser observado é o
famigerado Princípio do Melhor Interesse para a Criança e Adolescente.
Tal norma é salutar, tendo em mente que a razão de ser da instituição
adotiva é a garantia de bens essenciais à vida, educação, moradia, saúde
e dignidade dos menores.
Consigne-se que, tal princípio, por
diversas vezes acaba sendo esquecido no bojo dos burocráticos processos
adotivos. A rigidez da legislação aplicável, ademais, também acaba por
sobrepujar o princípio do melhor benefício para crianças e adolescentes.
Outrossim, outro princípio, que, diante de controvérsias doutrinárias e
jurisprudenciais, acaba por suprimir o próprio princípio do melhor
interesse dos menores é o conhecido Princípio da Subsidiariedade da
Adoção Internacional. Tal norma prevê que a adoção internacional é
prevista apenas quando não há disponível nenhuma família substituta ou
outro ambiente de cuidado no país de origem da criança.
Observa-se
que, o princípio da subsidiariedade (ou excepcionalidade) é a maior
barreira para que casais (ou pessoa individualmente considerada) consiga
adotar um filho em outro país, que não o seu. A burocracia dos trâmites
necessários à adoção nacional, por si só, já é uma grande “muralha”;
aliando tais dificuldades à excepcionalidade da adoção internacional,
fica quase impossível que uma criança, mesmo em situações precárias,
consiga um pai ou mãe estrangeiros (ou residente em país diverso do
seu).
No Brasil, por exemplo, os tribunais pátrios já consagram há
anos o caráter subsidiário da Adoção de Criança Nacional por pessoas não
residentes no País. À exemplo, observa-se o julgado do Superior
Tribunal de Justiça:
ADOÇÃO INTERNACIONAL. Cadastro central de
adotantes. Necessidade de sua consulta. Questão de fato não impugnada. -
A adoção por estrangeiros é medida excepcional que, além dos cuidados
próprios que merece, deve ser deferida somente depois de esgotados os
meios para a adoção por brasileiros. Existindo no Estado de São Paulo o
Cadastro Central de Adotantes, impõe-se ao Juiz consultá-lo antes de
deferir a adoção internacional. - Situação de fato da criança, que
persiste há mais de dois anos, a recomendar a manutenção do statu quo. -
Recurso não conhecido, por esta última razão. (STJ - REsp: 196406 SP
1998/0087704-5, Relator: Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Data de
Julgamento: 08/03/1999, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ
11.10.1999 p. 74 LEXSTJ vol. 126 p. 194 REVJMG vol. 150 p. 454 RSTJ vol.
129 p. 335)
Tal precedente virou um marco na jurisprudência
brasileira, servindo de parâmetro para diversos julgados do mesmo
Tribunal Superior, como o REsp 202295 SP, e também julgados de outros
tribunais brasileiros.
Ademais, o Princípio da Subsidiariedade da
Adoção Internacional comporta outros princípios, como o Princípio da
Nacionalidade e da Prioridade à manutenção da Criança no ambiente da
família natural. Como se vê, são normas que acabam relativizando (e
comprometendo) a regra de garantia da melhor condição à criança e
adolescente. Além disso, o princípio da Nacionalidade, ao prever que se
deva dar prioridade a colocação de menor no seio familiar residente no
próprio país de origem da criança ou adolescente possui ainda um cunho
xenofóbico.
Apesar de ser clara a intenção de se obstar práticas
como sequestro, tráfico, maus tratos e escravidão de menores, o
Princípio da Excepcionalidade (e seus subprincípios) acabam por
dificultar desnecessariamente a Adoção Internacional.
Por fim,
cumpre salientar que princípios constitucionais (assentados na Carta
Política Brasileira), como a dignidade da pessoa humana, isonomia,
proporcionalidade, direito à vida e liberdade entre os povos de diversas
nações, também devem atuar para instruir a criação de normas
pertinentes à adoção internacional, além de nortearem o procedimento e
as decisões judiciais relacionadas ao tema.
4.Adoção Internacional e o Procedimento na Ordem Brasileira
A adoção Internacional, assim como a adoção, compreende um ato jurídico
solene pelo qual uma pessoa, estranha a outra, é introduzida na família
do adotante criando-se a relação jurídica de filiação. O caráter
inerente à adoção Internacional reside na possibilidade de inserção de
um nacional no âmbito familiar de uma pessoa domiciliada fora do
território nacional do adotando.
Apesar das inúmeras polêmicas que
vagueiam o instituto, o Brasil, através do Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei 8.069 de 1990), alterado pela Lei Nacional da Adoção
(Lei 12.010/2009), possui regulamentação acerca da Adoção Internacional.
O Decreto 3.087/99 ratificou ainda a Convenção de Haia, que regulamenta
alguns pontos acerca do instituto.
Inicialmente, cabe ressaltar
que, por razões claras atinentes à soberania dos Estados, a legislação
Brasileira, mesmo ratificando a convenção de Haia, traz regramento
próprio acerca do procedimento a ser observado em relação à adoção de
criança ou adolescente residente no Brasil por parte de pessoa
estrangeira, já que, antes de qualquer coisa, o Interessado precisa
comprovar que encontra-se habilitado (segundo as leis de seu país) para
requerer a adoção de menor domiciliado no território brasileiro.
Pelo exposto, observa-se a natureza mista da Adoção Internacional, que
compreende um instituto regido pelo ordenamento jurídico de diferentes
Países. Assim, inevitavelmente o seu procedimento torna-se mais delicado
e, por diversas vezes, mais burocrático.
No que concerne ao
procedimento da adoção de criança (ou adolescente) brasileira, o
Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 31 estatui norma de
corriqueira discussão na jurisprudência e doutrina, qual seja:
“Art.
31 . A colocação em família substituta estrangeira constitui medida
excepcional, somente admissível na modalidade de adoção.”
A redação
do dispositivo sugere que a adoção deve ser deferida preferencialmente a
brasileiro, sendo excepcional a adoção por estrangeiros, consagrando-se
o chamado Princípio da Subsidiariedade ou Excepcionalidade da Adoção
Internacional. Nessa linha decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “A
adoção por estrangeiros é medida excepcional que, além dos cuidados
próprios que merece, deve ser deferida somente depois de esgotados os
meios para a adoção por brasileiros. Existindo no Estado de São Paulo o
Cadastro Central de Adotantes, impõe-se ao Juiz consultá-lo antes de
deferir a adoção internacional” [8].
Todavia, em alguns casos, vê-se
que é salutar a observância do melhor benefício a ser concedido ao
menor, mesmo em detrimento do fato da lei conceder preferência a casal
brasileiro [9].
Ademais, a preferência por adotante brasileiro foi
reiterada no art. 51, § 1º, II, do Estatuto da Criança e do Adolescente,
com a redação dada pela Lei 12.010/2009 (Lei Nacional de Adoção), que
estabelece:
“Art.51, § 1º. A adoção internacional de criança ou
adolescente brasileiro ou domiciliado no Brasil somente terá lugar
quando restar comprovado: ... II — que foram esgotadas todas as
possibilidades de colocação da criança ou adolescente em família
substituta brasileira, após consulta aos cadastros mencionados no art.
50 desta Lei”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê ainda o
estágio de convivência entre o adotando e o estrangeiro adotante de, no
mínimo, trinta dias, independentemente da idade da criança ou
adolescente (art. 46, § 3º, ECA). Insta verificar que, ao contrário da
Adoção Nacional, que em algumas hipóteses pode dispensar o período de
convivência, tal não ocorre na Adoção Internacional, já o convívio
prévio é sempre obrigatório.
Verificada, após estudo realizado pela
Autoridade Central Estadual, a compatibilidade da legislação estrangeira
com a nacional, além do preenchimento por parte dos postulantes dos
requisitos objetivos e subjetivos necessários ao seu deferimento, tanto à
luz do que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente como da
legislação do país de acolhida, será expedido laudo de habilitação à
adoção internacional, que terá validade por, no máximo, um ano (art. 52,
VII ,ECA, com a nova redação dada pela Lei 12.010).
O
supramencionado Decreto 3.087/99, ao ratificar a “Convenção Relativa à
Proteção e Cooperação Internacional em Matéria de Adoção Internacional”,
atribuiu ao Ministério da Justiça a figura de Autoridade Central
Federal Brasileira. Assim, tal órgão do poder executivo é quem coordena e
regulamenta as disposições pertinentes a matéria de Adoção
Internacional Perante a Ordem brasileira.
Tanto é assim que, a
Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, do Ministério da Justiça,
regulamentou o credenciamento das organizações que atuam em adoção
internacional no Estado Brasileiro, mediante a Portaria SDH n. 14, de 27
de julho de 2000.
O credenciamento das organizações é requisito
obrigatório para efetuar quaisquer procedimentos junto às Autoridades
Centrais dos Estados Federados e do Distrito Federal, sendo necessário
que: a) estejam devidamente credenciadas pela Autoridade Central de seu
país de origem; b) tenham solicitado ao Ministério da Justiça
autorização para funcionamento no Brasil, para fins de reconhecimento da
personalidade jurídica; c) estejam de posse do registro assecuratório
de caráter administrativo federal na órbita policial de investigação,
obtido junto ao Departamento de Polícia Federal; d) persigam unicamente
fins não lucrativos; e) sejam dirigidas e administradas por pessoas
qualificadas por sua integridade moral e por sua formação ou experiência
para atuar na área de adoção internacional [10].
A Lei Nacional da
Adoção, dando nova redação à lei 8.069 (ECA), regulamenta os requisitos
necessários a atuação das Organizações, principalmente nos parágrafos do
artigo 52 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Cumpre salientar
que, inicialmente, os estrangeiros (e brasileiros residentes fora do
Brasil) interessados na adoção devem se submeter a procedimento de
habilitação no próprio país de acolhida. Sendo assim, primeiramente
devem apresentar o rol de documentos necessários a adoção no seu próprio
país. Posteriormente, a Autoridade Central do país estrangeiro emitirá
parecer, um relatório que contenha a descrição minuciosa da situação
sócio familiar do futuro adotante, que contenha dispositivo de
deferimento da Habilitação.
Tal relatório, de acordo com o artigo
52, I a III da Lei 8.069, deve ser imediatamente encaminhado à
Autoridade Central Estadual, com cópia para o Ministério da Justiça (a
Autoridade Central Federal Brasileira). O relatório será instruído com
toda a documentação necessária, incluindo estudo psicossocial elaborado
por equipe interprofissional habilitada e cópia autenticada da
legislação pertinente, acompanhada da respectiva prova de vigência. Para
uma maior efetividade e segurança na Adoção, a Autoridade Central
Estadual poderá fazer exigências e solicitar complementação sobre o
estudo psicossocial do postulante estrangeiro à adoção, já realizado no
país de acolhida (ECA, art.52, VI).
O já mencionado Inciso VII, do
mesmo artigo 52 da Lei 8.069 dispõe que: “verificada, após estudo
realizado pela Autoridade Central Estadual, a compatibilidade da
legislação estrangeira com a nacional, além do preenchimento por parte
dos postulantes à medida dos requisitos objetivos e subjetivos
necessários ao seu deferimento, tanto à luz do que dispõe esta Lei como
da legislação do país de acolhida, será expedido laudo de habilitação à
adoção internacional, que terá validade por, no máximo, 1 (um) ano”.
Mais uma vez observa-se o caráter híbrido do instituto da Adoção
Internacional, tendo em visto que é indispensável que o adotante
preencha os requisitos da lei nacional e estrangeira para concessão da
habilitação para adoção. Dessa forma, a pessoa estrangeira que deseja
adotar uma criança ou adolescente no Brasil também precisa possuir
capacidade plena dos direitos civis, idade mínima de 18 anos, diferença
de 16 anos da pessoa do adotando, ser indivíduo idôneo a adoção.
Além do mais, aplicam-se as mesmas restrições da modalidade de Adoção
ordinária a Adoção Internacional. Sendo assim, por exemplo, o adotante
não poderia adotar o seu irmão menor, que porventura fosse brasileiro. O
mesmo se diga dos avós em relação aos netos. Nesse caso, outros
institutos, como a guarda, poderiam ser pleiteados.
Por fim, prevê o
ECA que “de posse do laudo de habilitação, o interessado será
autorizado a formalizar pedido de adoção perante o Juízo da Infância e
da Juventude do local em que se encontra a criança ou adolescente,
conforme indicação efetuada pela Autoridade Central Estadual”(Art.52,
VIII). Destarte, verifica-se que, assim como aos Brasileiros, aos
estrangeiros é necessário o provimento judicial para que a adoção seja
concretizada. Assim como na Adoção Nacional, imperiosa é a participação
do Ministério Público durante o procedimento, já que o parquet deve
sempre velar pela defesa dos interesses dos menores.
Ressalte-se que
se a legislação do país de acolhida permitir admite-se que os pedidos
de habilitação à adoção internacional sejam intermediados por organismos
credenciados. Como dito anteriormente, tais Organizações deverão estar
devidamente regularizadas perante o Ministério da Justiça do Brasil.
Ademais, os organismos de intermediação na Adoção se sujeitarão à
fiscalização permanente do Brasil e do país de acolhida, devendo
entregar parecer geral anual das atividades realizadas, no qual constará
o relatório de acompanhamento das adoções internacionais.
Em
conformidade com o § 4º, V do artigo 52 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, A Entidades mediadoras da Adoção Internacional terão a
obrigação de enviar relatório pós-adotivo semestral para a Autoridade
Central Estadual, com cópia para a Autoridade Central Federal
Brasileira, pelo período mínimo de dois anos. O envio do relatório será
mantido até a juntada de cópia autenticada do registro civil,
estabelecendo a cidadania do país de acolhida para o adotado. É nítido
que o objetivo de tal dispositivo repousa na necessidade de salvaguarda
dos interesses e da segurança dos menores adotados, evitando-se
possíveis fraudes e abusos, como tráfico e escravidão de incapazes.
Por todo o exposto, é possível concluir que o procedimento para Adoção
Internacional de crianças brasileiras é incontestavelmente dificultado
pelas mazelas da legislação pátria. De outro lado, os atos diplomáticos,
em sua maioria, conseguem também dificultar a concessão da adoção.
Outrossim, a demora do Judiciário brasileiro em liberar as crianças para
adoção é deveras comprometedora. Para que o menor seja incorporado à
nova família adotiva, as autoridades judiciais precisam eliminar as
possibilidades de que um membro da família natural da criança possa
ficar com ela, o que, como já visto, é prioridade pela lei brasileira.
Esperando pela chamada “destituição do poder familiar, muitos menores
passam mais tempo nos abrigos do que os dois anos máximos previstos em
princípio pela lei brasileira [11] ”. Pesquisas do Conselho Nacional de
Justiça também apontam que crianças com deficiências ou que tem irmãos –
devendo então ser adotadas com eles – acabam encontrando um caminho
mais rápido rumo à adoção por estrangeiros por, em geral, não se
encaixarem no perfil procurado por brasileiros. Entretanto, a adoção
desses menores também é difícil no exterior, em virtude da exaustiva
disciplina legal inaugurada pela Lei 12.010/09.
Em verdade, no
Brasil ainda existe um visível desestímulo a adoção Internacional,
criado pela conjunção de fatores jurídicos e culturais. Lamentavelmente,
o Ordenamento Brasileiro e a morosidade da Justiça possibilitam a
existência de uma esdrúxula preferência à manutenção de Menores em
estado de desamparo, em detrimento da viabilidade de colocação das
crianças ou adolescentes em novos lares, com familiares que
inegavelmente tenham o intuito de criar seus filhos com dignidade,
empregando os meios necessários (educação, amor, carinho, afeto) para o
regular desenvolvimento dos menores.
5.A Adoção Internacional e suas Controvérsias
Visivelmente, a Adoção, desde suas origens sempre foi tema das mais
diversas discussões. Teorias, ponderações, teses e argumentações existem
sobre as mais diversas modalidades de Adoção. No meio nacional,
recentemente discutiu-se a possibilidade de adoção por pessoa
homossexual, fato que já foi consolidado por algumas decisões de
Tribunais Pátrios. Percebe-se que a evolução da sociedade faz com que
certas controvérsias sejam aos poucos solucionadas e pacificadas pelo
Direito.
Ainda, na atualidade da doutrina e jurisprudência, não
apenas nacional, mas também estrangeira, permeia a polêmica da Adoção
Internacional. Inicialmente a problemática surge pelo caráter híbrido
inerente a tal instituto, afinal de contas, refere-se a aplicação da
legislação de dois ou mais países, além de tratar do destino de pessoas
subordinadas a diferentes soberanias.
As controvérsias gerais acerca
da adoção internacional, sem sombra de duvidas, recaem sobre a
importância da instituição adotiva como uma medida extrema de afeto,
dando oportunidade a crianças e adolescentes para que possam encontrar
na nova família uma vida com dignidade. Entretanto, críticas surgem com o
fundamento de que se deve evitar a colocação dos menores em possíveis
situações de risco, coibindo-se abusos.
Ademais, outros aludem ao
fato de que seria rigorosamente difícil a fiscalização e acompanhamento
das crianças residentes em países estrangeiros depois de adotadas.
Argumentam ainda com a insuficiente alegação de que é imperioso observar
a preferência pela Adoção Nacional Brasileira, tendo em vista que o
contrário representaria atentado direto à identidade do menor.
A
tese de que a Adoção Internacional representaria incentivo desmedido ao
tráfico de menores também não merece prosperar. Os requisitos
necessários á adoção nacional, na prática, se mostram como verdadeira
barreira a ser superada. Registre-se que o procedimento à adoção
internacional, somam-se os critérios para adoção nacional, o que, de
acordo com a melhor doutrina, acaba por, desproporcionalmente,
transformar o rito para a sua concessão numa verdadeira “via crúcis”.
Em verdade, a Adoção Internacional, pelo ordenamento brasileiro, ainda
clama por um regimento mais sólido e efetivamente aplicável. Dessa
forma, não se deve considerar argumentos que indiretamente (ou
diretamente) apoiam a xenofobia, visto que, mesmo em tal modalidade,
ainda é salutar a observância do princípio do melhor interesse para os
menores, consagrado na Constituição da República.
Maria Helena Diniz
majestosamente aponta a seguinte indagação: “será possível rotular o
amor de um pai ou de uma mãe como nacional ou estrangeiro?” [12] A
resposta parece (e merece) ser negativa. Aparentemente não existe óbice a
concessão de adoção a pessoa estrangeira que possua condições afetivas,
espirituais, morais e materiais para a criação adequada de uma criança
ou adolescente residente no Brasil, outrossim, deve-se sempre lembrar do
princípio da isonomia consagrado na Carta Maior Brasileira de 1988, em
especial no seu artigo 5º.
O que não se discute, é certo, é a
imprescindibilidade de uma objetiva e eficaz análise da real situação da
pessoa adotante residente em outro país, para que possa prover a
criação e os cuidados da criança brasileira.
Como anteriormente
destacado, a Lei Nacional da Adoção (lei 12.010/2009) acabou por criar
uma série de requisitos procedimentais à Adoção Internacional. Apesar de
imprescindíveis para garantia do melhor interesse das crianças e
adolescentes, além de servirem como proteção contra abusos, tráfico de
menores e fraudes, os pressupostos a Adoção por estrangeiro acabam por
mitigar e burocratizar exacerbadamente o Instituto.
Nessa esteira,
Maria Berenice Dias leciona que a regulamentação da Adoção Estrangeira
instituída pela Lei da Adoção foi tão exaustivamente disciplinada que se
criou uma série de entraves e exigências quase que inalcançáveis. Dessa
forma, ficou praticamente impossível a adoção de criança brasileira por
pessoa residente em outro país.
Aduz ainda a autora que “o laudo de
habilitação tem validade de, no máximo, um ano (ECA, art. 52, VII). E,
como só se dará a adoção internacional depois de esgotadas todas as
possibilidades de colocação em família substituta brasileira, após
consulta aos cadastros nacionais (ECA, art. 51, II), havendo a
preferência de brasileiros residentes no exterior (ECA, art. 51, § 2º),
parece que a intenção foi de vetá-la. Os labirintos que foram impostos
transformaram-se em barreira intransponível para que desafortunados
brasileiros tenham a chance de encontrar um futuro melhor fora do país
[13] ”.
Destarte, percebe-se que o próprio ordenamento brasileiro
interpõe muralhas discriminantes acerca do instituto da adoção
internacional, o que, aliado a cultura pátria, que ainda vê
genericamente a adoção com ares preconceituosos (possivelmente sendo
consequência dos resquícios dos valores católicos mais tradicionais),
acaba por comprometer a aplicação prática da entidade. Na realidade,
ainda falta uma visão plenamente afetiva, que atrele a figura da adoção
como um ato de amor e desvincule tal instituição dos preceitos que
norteiam os negócios jurídicos gerais.
É notável que “enquanto as
crianças e os adolescentes são sujeitos de direitos e possuidores da
condição política de prioridade absoluta, na prática, por não possuírem
consciência total em relação aos seus direitos, são confrontados com a
realidade do abandono e do esquecimento. Nesse espaço, a sociedade tem
sido apenas mera expectadora, com o Estado possuindo um verdadeiro
sistema desestruturado e fracassado [14]. Destarte, as barreiras legais à
Adoção Internacional criadas pela Lei de Adoção apresentam-se como
exemplos da falha das estruturas jurídicas do Brasil em relação à
matéria.
De acordo com o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), dados do
ano de 2010 afirmam que no Brasil existem 26.138 pretendentes aptos
para adotar, enquanto que 4.364 crianças e adolescentes estão
disponíveis, as razões são: destituição do convívio familiar, entrega
pelos seus próprios pais ou por serem órfãos.
Neste contexto, é
notável a necessidade de mudanças nas políticas públicas do Estado, na
conduta das instituições, das famílias e dos próprios cidadãos, como
meios que facilitem a "proteção especial" prevista constitucionalmente.
Normas jurídicas, como o famigerado princípio da necessidade de
prestação do melhor benefício aos menores, precisam de efetividade, por
parte do próprio ordenamento jurídico, dos poderes públicos e da
sociedade em geral. Portanto, antes de tudo, é salutar que haja uma
mudança cultural acerca da adoção (em especial, à adoção internacional)
para que se garanta a real oportunidade de colocação de crianças e
adolescentes desamparadas no seio de novas famílias, assegurando-se
assim, os direitos constitucionais dos menores.
6. Considerações Finais
Por tudo exposto no presente trabalho, verifica-se que a evolução das
entidades familiares (ao livrar-se das correntes exclusivas do
matrimônio) permitiu o surgimento de novos institutos, dentre estes, a
adoção. Sabe-se ainda que, na prática, as novas entidades familiares
ainda são vistas com discriminação e preconceito.
A Adoção, mesmo na
sua modalidade internacional, deve ser analisada primariamente como um
ato nobre, humanitário, deixando ao segundo plano as exigências
exacerbadas instituídas pela lei.
Concebe-se que, a melhor doutrina
reconheceu os méritos do advento da Lei Nacional da Adoção (lei
12.010/09), entretanto, tal diploma legal, ao inovar os regramentos
pertinentes à Adoção Internacional, acaba por criar muros quase que
instransponíveis para a concessão da adoção à pessoa estrangeira, mesmo
que esta demonstre possuir completas condições eficazes de garantir uma
vida digna à criança domiciliada no Brasil.
Nesse sentido, merecem
destaque as críticas feitas pela professora Maria Berenice Dias à
referida lei: “o fato é que a adoção transformou-se em medida
excepcional, a qual deve se recorrer apenas quando esgotados os recursos
de manutenção da criança e do adolescente na família natural ou extensa
(ECA 39, § 1º). Assim, a chamada lei da adoção não consegue alcançar os
seus propósitos. Em vez de agilizar a adoção, acaba por impor mais
entraves para sua concessão, tanto que onze vezes faz referência à
prioridade da família natural [15].
A ilustre autora ainda obtempera
que “para milhares de crianças e adolescentes que não têm um lar,
continuará sendo apenas um sonho o direito assegurado
constitucionalmente à convivência familiar”.
Em verdade, tratando-se
de pais nacionais ou estrangeiros, se estes puderem oferecer às
crianças a fundamental proteção à vida e dignidade, é absolutamente
irrelevante que determinadas formalidades e procedimentos
burocratizantes sejam seguidos com grande rigidez. A legislação do
Brasil, assim como a lei dos demais países, deve pautar-se em preceitos
condizentes com os reais benefícios para os menores. Ademais, ainda no
que concerne à Adoção Internacional, é indiscutível que os parâmetros
legais devem procurar coibir práticas abusivas, como o tráfico e o
comércio de crianças e adolescentes.
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[7] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, cit. P.376.
[8] REsp 196.406-SP, 4ª T., rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 9-3-1999
[9] RT, 757/300. V. ainda: “Adoção. Casal estrangeiro. Pretendida
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argumento da preferência dos nacionais. Inadmissibilidade, mormente se o
casal do exterior satisfez todos os requisitos exigidos em lei,
inclusive cumprindo satisfatoriamente o período de adaptação” (RT,
796/352).
[10] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Código Civil comentado.
Coordenação de Álvaro Villaça Azevedo. São Paulo: Atlas, 2003. v. XVI .
In: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro.
[11] Disponível em: < http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/03/130324_adocoes_abre_rg.shtml#page-top
[12] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - Vol. 5 - Direito de Família - 27ª Ed. 2012.
[13] DIAS, Maria Berenice. O lar que não chegou. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2252, 31 ago. 2009 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13412
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[14] PINHEIRO, Maian Silva; LIRA, Daniel Ferreira de; CARVALHO, Dimitre
Braga Soares de. Reflexões sobre o procedimento da adoção no Brasil:
por uma nova cultura de adoção. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n.
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[15] DIAS, Maria Berenice. O lar que não chegou. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2252, 31 ago. 2009.
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