sábado, 12 de setembro de 2015

A Síria é Aqui



Um dia nublado, frio, chuvoso. Dizem que cariocas não gostam de dias nublados, não sei a razão, talvez a falta de sol deprima alguns... sabe-se lá quais razões os músicos e os poetas usam para inspiração.
Tratando de inspiração a cada dia verifico que menos diálogos e conversas ocorrem. Passei uma hora aguardando minha filha na recepção da academia. O local é frequentado por jovens, em sua maioria. Nas 5 mesas espalhadas em frente a lanchonete de comida saudável, pessoas estavam sentadas, cada uma delas, com um telefone na mão. Eram vários: um panda, um verde, um prata, um preto, um marrom, pelo que lembro. Ninguém conversava com ninguém. Um rapaz jovem, com no máximo 21 anos, teclava e ria muito, as vezes balançava a cabeça e gargalhava. A mocinha de roupa de ginástica parecia preocupada ao teclar. Um rapaz, um pouco mais velho, em frente a uma enorme TV de tela plana onde passava um jogo de tênis sequer erguia a cabeça de tão fixado em suas mensagens. Nem um diálogo, nem um levantar de cabeça.
Eu deixara meu telefone em casa, caso contrário nada garantiria que não estivesse no mesmo movimento que os demais, sabe-se lá...
Minha filha chega depois desse breve momento de pensamentos sobre a humanidade robotizada e de total falta de relações interpessoais, pensei que preciso de mais contatos físicos, de pessoas reais, de olho no olho.
Não se trata de crítica social, mas esse mundo informatizado me leva a crer que buscamos fazer revolução nas redes sociais, sem nos expor de forma alguma. Mais uma elucubração como qualquer outra, talvez o frio e o tempo cinza também estejam me afetando de alguma forma. Será que já sou carioca?
Aproveito para dar uma olhada no whatsup: 24 mensagens dos mais variados grupos, desde meus colegas de colégio até assuntos jurídicos relevantes.
Continua na tentativa de escrever algo que faça sentido, penso, repenso e decido que hoje vamos tratar de algo também nublado: a busca de crianças sírias e russas por brasileiros.
Por que seria algo nublado ou nebuloso? Simplesmente porque aqui no Brasil temos mais de 40 mil crianças acolhidas, desse total cerca de 5 mil já disponibilizadas à adoção.
Uma adoção internacional, além de tudo, tem custos bastante elevados. A adoção nacional é totalmente isenta de custas e os únicos valores envolvidos serão relativos a contratação de advogado particular, caso o adotante opte por não utilizar a defensoria pública ou não possa utilizá-la por não ser hipossuficiente. Nada, absolutamente nada será cobrado em termos de custas, perícias, recursos, etc.
As crianças Sírias estão vindo com seus pais e não estão sendo exportadas para adoção. O acolhimento de refugiados é um ato humanitário e não vi, até o momento, qualquer movimento do Governo Federal quanto a possibilidade de adoção de eventuais crianças que tenham se perdido de seus pais, ou que sejam órfãs.
A Síria não é signatária da Convenção de Haia o que impossibilita a adoção de crianças sírias por cidadãos brasileiros residentes no Brasil.
Idem com relação à Rússia que, de igual forma, não é signatária da Convenção de Haia.
Sendo a intenção ajudar basta procurar uma das entidades que prestam ajuda humanitária, ou, ainda, entidades que estão recepcionando os refugiados.
Se a intenção é adotar porque não começar visitando as entidades de acolhimento institucional no Brasil? São milhares espalhadas pelo Brasil inteiro. Nessas instituições vocês encontrarão órfãos reais: órfãos de carinho, de cuidado, de amor, de educação, de saúde, órfãos do Estado. Na maioria são órfãos de pais vivos levados à orfandade pelo crack, álcool, drogas licitas e ilícitas, dentre outras centenas de razões.
Não estou a falar de pobreza, jamais! Mas traço o paralelo entre aquela mãe solteira no ponto de ônibus segurando no colo o filho de 3 anos que, devidamente uniformizado, será levado à creche do município. Do outro lado da calçada uma mãe, também solteira, alienada pelo crack, enquanto seu filho, de também 3 anos, cheio de caries, com um short rasgado, totalmente sujo, come restos de comida. Qual é esse paralelo? Como traçá-lo? São duas mulheres advindas da mesma comunidade, podem ser até irmãs, que trilharam caminhos absolutamente dispares.
Demonizar a pobreza não é o caso vez que o Brasil, comprovadamente, tirou grande parte de sua população da linha da miséria. Não sei, não tenho a fórmula para desvendar, qual o mistério entre manter-se integro e entregar-se ao roubo, ao furto, às drogas, à prostituição, ao tráfico. A linha é tênue e quase imperceptível e pode estar situada em nível do caráter que cada um carrega.
Mas, voltemos às crianças. Adoção não se processa por pena, caridade ou porque quem adota tem alma nobre, nada disso pode fundamentar uma adoção. A adoção, de fato, se consubstancia a dar uma família a uma criança e com ela formar uma família, ou seja, via de mão dupla.
A adoção baseia-se no amor dado e recebido. Talvez o recebimento demore, mas, ao chegar, será pleno.
Nós temos o nosso próprio êxodo no Brasil. Os brasileiros do norte e nordeste migram para o Sudeste criando viúvas e filhos sem pai e sem mãe. São milhares de crianças sem referência familiar, na maioria das vezes sem sequer o próprio registro de nascimento.
Temos, também, os milhares de órfãos das drogas, das ruas, da mendicância com os quais não nos incomodarmos - até porque não os vemos dado ao manto social da invisibilidade -. Essas crianças que fazem malabarismos nos sinais ou vendem doces nas ruas são, literalmente, invisíveis. Você, sim, você: já pensou em adotar algum deles?
Nossa guerra é tão trágica quanto às internacionais. Nossas crianças são, diariamente, vitimas de balas perdidas e não vejo movimentos sociais para que tal situação finde.
Então, vamos aproveitar esse dia nublado para repensar os nossos conceitos? A Síria é aqui.
Silvana do Monte Moreira

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