Um dia nublado, frio,
chuvoso. Dizem que cariocas não gostam de dias nublados, não sei a razão, talvez
a falta de sol deprima alguns... sabe-se lá quais razões os músicos e os poetas
usam para inspiração.
Tratando de inspiração a
cada dia verifico que menos diálogos e conversas ocorrem. Passei uma hora
aguardando minha filha na recepção da academia. O local é frequentado por jovens,
em sua maioria. Nas 5 mesas espalhadas em frente a lanchonete de comida saudável,
pessoas estavam sentadas, cada uma delas, com um telefone na mão. Eram vários:
um panda, um verde, um prata, um preto, um marrom, pelo que lembro. Ninguém
conversava com ninguém. Um rapaz jovem, com no máximo 21 anos, teclava e ria
muito, as vezes balançava a cabeça e gargalhava. A mocinha de roupa de
ginástica parecia preocupada ao teclar. Um rapaz, um pouco mais velho, em frente
a uma enorme TV de tela plana onde passava um jogo de tênis sequer erguia a
cabeça de tão fixado em suas mensagens. Nem um diálogo, nem um levantar de
cabeça.
Eu deixara meu telefone em
casa, caso contrário nada garantiria que não estivesse no mesmo movimento que
os demais, sabe-se lá...
Minha filha chega depois desse
breve momento de pensamentos sobre a humanidade robotizada e de total falta de
relações interpessoais, pensei que preciso de mais contatos físicos, de pessoas
reais, de olho no olho.
Não se trata de crítica
social, mas esse mundo informatizado me leva a crer que buscamos fazer
revolução nas redes sociais, sem nos expor de forma alguma. Mais uma elucubração
como qualquer outra, talvez o frio e o tempo cinza também estejam me afetando
de alguma forma. Será que já sou carioca?
Aproveito para dar uma
olhada no whatsup: 24 mensagens dos mais variados grupos, desde meus colegas de
colégio até assuntos jurídicos relevantes.
Continua na tentativa de
escrever algo que faça sentido, penso, repenso e decido que hoje vamos tratar
de algo também nublado: a busca de crianças sírias e russas por brasileiros.
Por que seria algo nublado
ou nebuloso? Simplesmente porque aqui no Brasil temos mais de 40 mil crianças
acolhidas, desse total cerca de 5 mil já disponibilizadas à adoção.
Uma adoção internacional,
além de tudo, tem custos bastante elevados. A adoção nacional é totalmente
isenta de custas e os únicos valores envolvidos serão relativos a contratação
de advogado particular, caso o adotante opte por não utilizar a defensoria
pública ou não possa utilizá-la por não ser hipossuficiente. Nada,
absolutamente nada será cobrado em termos de custas, perícias, recursos, etc.
As crianças Sírias estão
vindo com seus pais e não estão sendo exportadas para adoção. O acolhimento de
refugiados é um ato humanitário e não vi, até o momento, qualquer movimento do
Governo Federal quanto a possibilidade de adoção de eventuais crianças que
tenham se perdido de seus pais, ou que sejam órfãs.
A Síria não é signatária da
Convenção de Haia o que impossibilita a adoção de crianças sírias por cidadãos
brasileiros residentes no Brasil.
Idem com relação à Rússia
que, de igual forma, não é signatária da Convenção de Haia.
Sendo a intenção ajudar
basta procurar uma das entidades que prestam ajuda humanitária, ou, ainda,
entidades que estão recepcionando os refugiados.
Se a intenção é adotar
porque não começar visitando as entidades de acolhimento institucional no
Brasil? São milhares espalhadas pelo Brasil inteiro. Nessas instituições vocês
encontrarão órfãos reais: órfãos de carinho, de cuidado, de amor, de educação,
de saúde, órfãos do Estado. Na maioria são órfãos de pais vivos levados à
orfandade pelo crack, álcool, drogas licitas e ilícitas, dentre outras centenas
de razões.
Não estou a falar de
pobreza, jamais! Mas traço o paralelo entre aquela mãe solteira no ponto de
ônibus segurando no colo o filho de 3 anos que, devidamente uniformizado, será
levado à creche do município. Do outro lado da calçada uma mãe, também
solteira, alienada pelo crack, enquanto seu filho, de também 3 anos, cheio de
caries, com um short rasgado, totalmente sujo, come restos de comida. Qual é
esse paralelo? Como traçá-lo? São duas mulheres advindas da mesma comunidade,
podem ser até irmãs, que trilharam caminhos absolutamente dispares.
Demonizar a pobreza não é o
caso vez que o Brasil, comprovadamente, tirou grande parte de sua população da
linha da miséria. Não sei, não tenho a fórmula para desvendar, qual o mistério
entre manter-se integro e entregar-se ao roubo, ao furto, às drogas, à
prostituição, ao tráfico. A linha é tênue e quase imperceptível e pode estar
situada em nível do caráter que cada um carrega.
Mas, voltemos às crianças.
Adoção não se processa por pena, caridade ou porque quem adota tem alma nobre,
nada disso pode fundamentar uma adoção. A adoção, de fato, se consubstancia a
dar uma família a uma criança e com ela formar uma família, ou seja, via de mão
dupla.
A adoção baseia-se no amor
dado e recebido. Talvez o recebimento demore, mas, ao chegar, será pleno.
Nós temos o nosso próprio êxodo
no Brasil. Os brasileiros do norte e nordeste migram para o Sudeste criando
viúvas e filhos sem pai e sem mãe. São milhares de crianças sem referência
familiar, na maioria das vezes sem sequer o próprio registro de nascimento.
Temos, também, os milhares
de órfãos das drogas, das ruas, da mendicância com os quais não nos incomodarmos
- até porque não os vemos dado ao manto social da invisibilidade -. Essas
crianças que fazem malabarismos nos sinais ou vendem doces nas ruas são,
literalmente, invisíveis. Você, sim, você: já pensou em adotar algum deles?
Nossa guerra é tão trágica
quanto às internacionais. Nossas crianças são, diariamente, vitimas de balas
perdidas e não vejo movimentos sociais para que tal situação finde.
Então, vamos aproveitar esse
dia nublado para repensar os nossos conceitos? A Síria é aqui.
Silvana do Monte Moreira
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