1 de Fevereiro, 2016
Diana Martins Correia
O que constitui ainda uma resistência à promulgação da lei da adoção de crianças por casais do mesmo sexo é o heterossexismo prevalente, o preconceito sexual e a homofobia.
Conjuntamente com o diploma que previa novas regras relativas à interrupção voluntária da gravidez, Cavaco Silva brindou-nos, em pleno fim de mandato, com a não promulgação da lei da adoção por casais do mesmo sexo, argumentando que “o superior interesse da criança deve prevalecer sobre todos os demais, designadamente o dos próprios adotantes” e que “está, ainda, por demonstrar em que medida as soluções normativas agora aprovadas promovem o bem-estar da criança e se orientam em função do seu interesse”. As revisões de literatura relativa a múltiplos estudos levados a cabo ao longo dos últimos 30 anos a par, um pouco por todo o mundo, dos pareceres positivos de Sociedades e Academias de Pediatria, Psiquiatria e Psicologia, não terão sido suficientes para pôr em evidência que um tal argumentário não faz mais qualquer sentido e não pode, por essa razão, ser usado na perpetuação de conceitos e estereótipos frágeis ancorados numa visão de família que há já algum tempo deixou de ser o que era.
Mas, passemos à análise dos dados disponíveis. Inúmeros estudos têm posto em evidência, ao longo dos anos, de forma sistemática e consistente, que não existem diferenças entre pais homossexuais e heterossexuais, quanto à saúde emocional, competências parentais e atitudes em relação ao exercício da parentalidade. Com efeito, tais pesquisas têm revelado que: ambientes domésticos prestados por pais do mesmo sexo apoiam e permitem o crescimento psicossocial normal das crianças, assim como o fazem os pais heterossexuais; existem mais semelhanças, do que diferenças, no estilos e atitudes parentais por parte de uns e de outros. Por via disso, é cada vez mais consensual que a orientação sexual dos pais é bem menos relevante do que a qualidade das relações familiares, a essência das interações diárias e do relacionamento que os pais têm entre si, já que o desenvolvimento harmonioso das crianças é mais influenciado pela natureza das relações e interações dentro da unidade familiar, do que propriamente pela forma estrutural particular que esta possa assumir.
Por outro lado, não existem estudos que validem a existência de riscos ou desvantagens para as crianças que crescem no seio de famílias de pais homossexuais comparativamente a crianças educadas por pais heterossexuais, tanto no que respeita ao seu desenvolvimento psicosocial, como à sua própria orientação sexual, questão tantas vezes levantada. Os filhos de casais do mesmo sexo apresentam níveis de funcionamento emocional, cognitivo, social e sexual semelhantes aos das crianças filhas de pais heterossexuais.
Perante o exposto, parece-nos que o que constitui ainda uma resistência à promulgação da lei da adoção de crianças por casais do mesmo sexo, ao direito de tais crianças poderem ter um lar reconhecido como tal e poderem ser amadas e educadas na plenitude das suas necessidades de estabilidade, independentemente de quem as acolha, é o heterossexismo prevalente, o preconceito sexual e a homofobia. Os problemas associados às famílias “não convencionais” não emanam, de um modo geral, do seio da sua própria existência, mas de forças externas e adversas. São, sobretudo, os preconceitos e a estigmatização que levam à provocação, à intimidação e constrangimento das crianças sobre a orientação sexual dos seus pais e sobre a sua configuração familiar.
Enquanto sociedade, prestamos um melhor serviço aos filhos de casais do mesmo sexo (e até aos nossos próprios filhos) eliminando, mediante a publicação de um quadro normativo adequado, atitudes prejudiciais e preconceituosas dirigidas a essas crianças e suas famílias. Foi disso que se tratou quando a mencionada lei foi aprovada na Assembleia da República, tendo sido incompreensivelmente barrada pelo Presidente da República. Corroborando da preocupação de Cavaco Silva, é chegado o momento de, de facto, e de uma vez por todas, se pensar no superior interesse das crianças.
REFERÊNCIAS:
Ellen C. Perrin, Benjamin S. Siegel and the Committee on Psychosocial Aspects of Child and Family Health, Technical Report: Promoting the Well-Being of Children Whose Parents Are Gay or Lesbian, American Academy of Pediatrics, Pediatrics 2013.
Charlotte J. Patterson, Children of Lesbian and Gay Parents, Association for Psychological Science, Volume 15—Number 5 (241-244), 2006.
Stacey, Judith and Biblarz, Timothy, (How) Does The Sexual Orientation Of Parents Matter?, American Sociological Review, Vol. 66, No. 2, April 2001.
Original disponível em: http://www.esquerda.net/opiniao/adocao-por-casais-do-mesmo-sexo-ver-se-nos-entendemos/41004
Reproduzido por: Lucas H.
Diana Martins Correia
O que constitui ainda uma resistência à promulgação da lei da adoção de crianças por casais do mesmo sexo é o heterossexismo prevalente, o preconceito sexual e a homofobia.
Conjuntamente com o diploma que previa novas regras relativas à interrupção voluntária da gravidez, Cavaco Silva brindou-nos, em pleno fim de mandato, com a não promulgação da lei da adoção por casais do mesmo sexo, argumentando que “o superior interesse da criança deve prevalecer sobre todos os demais, designadamente o dos próprios adotantes” e que “está, ainda, por demonstrar em que medida as soluções normativas agora aprovadas promovem o bem-estar da criança e se orientam em função do seu interesse”. As revisões de literatura relativa a múltiplos estudos levados a cabo ao longo dos últimos 30 anos a par, um pouco por todo o mundo, dos pareceres positivos de Sociedades e Academias de Pediatria, Psiquiatria e Psicologia, não terão sido suficientes para pôr em evidência que um tal argumentário não faz mais qualquer sentido e não pode, por essa razão, ser usado na perpetuação de conceitos e estereótipos frágeis ancorados numa visão de família que há já algum tempo deixou de ser o que era.
Mas, passemos à análise dos dados disponíveis. Inúmeros estudos têm posto em evidência, ao longo dos anos, de forma sistemática e consistente, que não existem diferenças entre pais homossexuais e heterossexuais, quanto à saúde emocional, competências parentais e atitudes em relação ao exercício da parentalidade. Com efeito, tais pesquisas têm revelado que: ambientes domésticos prestados por pais do mesmo sexo apoiam e permitem o crescimento psicossocial normal das crianças, assim como o fazem os pais heterossexuais; existem mais semelhanças, do que diferenças, no estilos e atitudes parentais por parte de uns e de outros. Por via disso, é cada vez mais consensual que a orientação sexual dos pais é bem menos relevante do que a qualidade das relações familiares, a essência das interações diárias e do relacionamento que os pais têm entre si, já que o desenvolvimento harmonioso das crianças é mais influenciado pela natureza das relações e interações dentro da unidade familiar, do que propriamente pela forma estrutural particular que esta possa assumir.
Por outro lado, não existem estudos que validem a existência de riscos ou desvantagens para as crianças que crescem no seio de famílias de pais homossexuais comparativamente a crianças educadas por pais heterossexuais, tanto no que respeita ao seu desenvolvimento psicosocial, como à sua própria orientação sexual, questão tantas vezes levantada. Os filhos de casais do mesmo sexo apresentam níveis de funcionamento emocional, cognitivo, social e sexual semelhantes aos das crianças filhas de pais heterossexuais.
Perante o exposto, parece-nos que o que constitui ainda uma resistência à promulgação da lei da adoção de crianças por casais do mesmo sexo, ao direito de tais crianças poderem ter um lar reconhecido como tal e poderem ser amadas e educadas na plenitude das suas necessidades de estabilidade, independentemente de quem as acolha, é o heterossexismo prevalente, o preconceito sexual e a homofobia. Os problemas associados às famílias “não convencionais” não emanam, de um modo geral, do seio da sua própria existência, mas de forças externas e adversas. São, sobretudo, os preconceitos e a estigmatização que levam à provocação, à intimidação e constrangimento das crianças sobre a orientação sexual dos seus pais e sobre a sua configuração familiar.
Enquanto sociedade, prestamos um melhor serviço aos filhos de casais do mesmo sexo (e até aos nossos próprios filhos) eliminando, mediante a publicação de um quadro normativo adequado, atitudes prejudiciais e preconceituosas dirigidas a essas crianças e suas famílias. Foi disso que se tratou quando a mencionada lei foi aprovada na Assembleia da República, tendo sido incompreensivelmente barrada pelo Presidente da República. Corroborando da preocupação de Cavaco Silva, é chegado o momento de, de facto, e de uma vez por todas, se pensar no superior interesse das crianças.
REFERÊNCIAS:
Ellen C. Perrin, Benjamin S. Siegel and the Committee on Psychosocial Aspects of Child and Family Health, Technical Report: Promoting the Well-Being of Children Whose Parents Are Gay or Lesbian, American Academy of Pediatrics, Pediatrics 2013.
Charlotte J. Patterson, Children of Lesbian and Gay Parents, Association for Psychological Science, Volume 15—Number 5 (241-244), 2006.
Stacey, Judith and Biblarz, Timothy, (How) Does The Sexual Orientation Of Parents Matter?, American Sociological Review, Vol. 66, No. 2, April 2001.
Original disponível em: http://www.esquerda.net/opiniao/adocao-por-casais-do-mesmo-sexo-ver-se-nos-entendemos/41004
Reproduzido por: Lucas H.
Nenhum comentário:
Postar um comentário