18/02/2016
Por NG/SECOM/VIJ
"O instituto da adoção e as telenovelas" é o tema do mais recente artigo de Walter Gomes de Sousa, supervisor da Seção de Colocação em Família Substituta da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal.
Nele, Walter discorre sobre a importância de se ampliar e melhorar a divulgação das regras, normas e princípios estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente para a adoção legal no Brasil, uma vez que as telenovelas veiculam, na maioria das vezes, informações equivocadas ou parciais, que podem levar o telespectador a interpretá-las negativamente.
O supervisor ressalta que a criança não pode ser retratada como objeto de consumo para atender desejos e suprir necessidades de possíveis interessados em adotá-la, como vem sendo apresentado inapropriadamente em alguns programas televisivos, e sim como como um autêntico sujeito de direitos que merece proteção e garantias legais.
“Informar para conscientizar, conscientizar para fazer certo e fazer certo para tornar uma criança feliz”. Esse é o lema para tornar o instituto da adoção melhor conhecido e compreendido, conclui Gomes.
O INSTITUTO DA ADOÇÃO E AS TELENOVELAS
Walter Gomes de Sousa
Supervisor da Seção de Colocação em Família Substituta da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal
Os brasileiros se acostumaram a assistir com interesse e alta fidelidade às diversas novelas exibidas pelas principais emissoras do País. Inegavelmente, algumas novelas se celebrizaram por tramas e temáticas profundamente tocantes e inquietantes. Os teóricos da comunicação não se cansam de pontuar a respeito do quanto de magnetismo as telenovelas exercem sobre o espectador e como elas são capazes de ditar modismos, condutas, conceitos e preconceitos, valores e antivalores. As novelas carregam a magia de imiscuir-se no imaginário das pessoas e levá-las às mais diversificadas fantasias e reflexões. Alguns temas específicos, como a adoção, retratados em enredos eletrizantes e ao mesmo tempo complexos, acabam sendo percebidos e interpretados negativamente pelo espectador por estarem sustentados em informações equivocadas ou parciais.
O instituto da adoção, que é juridicamente revestido de enorme relevância e peculiaridade, não vem sendo apresentado de forma apropriada, à luz da legislação vigente, em vários programas televisivos de entretenimento. O que se constata em alguns desses scripts televisivos é a tentativa de promover uma modalidade de adoção estritamente mercadológica na qual a criança é retratada como um objeto de consumo que atenderá a desejos e suprirá necessidades de pretensos interessados e não como um autêntico sujeito de direitos que merece proteção e garantias legais.
A título de exemplo, cito a exibição recente do capítulo de uma novela em que determinada personagem que passara pela trágica experiência de perder dois filhos em um acidente automobilístico vislumbra na adoção a melhor forma de superar o trauma, a dor e o luto. À certa altura, ela apresenta para seu marido, em um tablet, fotos de possíveis crianças aptas para adoção e declara que gostaria de acolher duas delas com a mesma idade das que eles perderam e que tal experiência os faria superar todo o sofrimento. Ora, do ponto de vista psicossocial forense, essa situação evidencia a histórica tendência entre alguns postulantes de tentar reduzir a criança a ser adotada a um mero instrumento de resolução de problemas ou dificuldades particulares. São adultos necessitados e carentes que desejam se valer do elevado instituto da adoção para a superação de seus complexos dramas e intrincados enredos de vida. Nessa perspectiva adultocêntrica, as necessidades e os sofrimentos de crianças abandonadas e vitimizadas pela ruptura de vínculos são ignorados ou relegados a um plano de indiferença. Isso vai na contramão do que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente no seu artigo 43, que expressamente sustenta que a adoção só será deferida pela autoridade judiciária se for fundada em legítimas razões e oferecer reais benefícios ao adotando. Ou seja, a adoção é um instituto juridicamente projetado para prioritariamente favorecer a criança e, secundariamente, atender o adulto. Qualquer tentativa de inversão dessa lógica resultará em possíveis riscos emocionais e sociais para a criança.
Evidentemente que o fato de alguém passar por uma perda parental não é óbice a eventual pleito adotivo. O que se recomenda primeiramente é que o interessado vivencie plenamente o luto e o elabore de forma adequada e não procure no instituto da adoção uma
maneira de promover substituições parentais. As pessoas especiais que marcam nossas vidas são singulares e únicas e, na hipótese de elas virem a partir, não devem ser substituídas, devem sim ser transformadas em ternas, saudáveis e significativas lembranças. Quando isso acontece, é possível que uma adoção seja almejada e a criança a ser transformada em filho seja vista não como um simples objeto de reposição mas como um sujeito social com identidade própria, sentimentos e necessidades específicas e uma história de vida que deve ser respeitada e acolhida incondicionalmente com base no afeto.
Impõe salientar ainda que as equipes técnicas da área de adoção que assessoram os magistrados atuantes na área da infância e juventude de todo o Brasil não adotam qualquer metodologia de apresentação de crianças cadastradas que se assemelhe a exibição de uma espécie de “book fotográfico” com centenas de rostinhos infantis que estão aguardando serem “escolhidos” por alguém. Chancelar isso equivaleria a concordar com a abjeta tentativa de reduzir crianças privadas do afeto e da convivência familiar a um simples objeto estético passível de ser “escolhido” e “adquirido” à semelhança de um bem de consumo exposto sobre a prateleira de uma loja ou de um supermercado. Seria perpetrar uma inaceitável violência à dignidade e à intimidade de verdadeiros sujeitos de direitos em complexa e delicada fase de desenvolvimento biopsicossocial e que carregam a dor e o trauma de terem sido abandonados por suas famílias biológicas. Nessa mesma direção, o artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente é taxativo ao afirmar que o direito que a criança e o adolescente têm ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Diante de equívocos e impropriedades flagrantemente atentatórios à elevada natureza do instituto da adoção, reforça-se a necessidade de maior e melhor divulgação das regras, normas e princípios que o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece para o norteamento jurídico e psicossocial do trabalho envolvendo a adoção legal no Brasil. Destaque-se a preparação e habilitação de pretendentes, o cadastramento e apresentação de crianças e adolescentes para a adoção e a aproximação gradativa entre esses dois grupos mediada pelo Sistema de Justiça através dos estágios de convivência conduzidos pela equipe interprofissional que assessora diretamente a autoridade judiciária.
Impende salientar que não é apenas o adulto que é consultado a respeito da adoção de uma determinada criança, mas esta também será adequadamente ouvida e sua opinião devidamente considerada a respeito do eventual processo de adoção. O Estatuto da Criança e do Adolescente reserva um papel ativo para o adotando ao sinalizar em seu artigo 28, §1º, que, “sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada”. A criança deve ter o seu protagonismo reconhecido e é imperativo oportunizar-lhe um espaço institucional para sua livre manifestação.
Para quem trabalha diretamente com a temática adoção no dia a dia, o lema de inspiração para tornar esse instituto melhor conhecido e compreendido é o seguinte: “Informar para conscientizar, conscientizar para fazer certo e fazer certo para tornar uma criança feliz”.
Original disponível em: http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2016/fevereiro/supervisor-da-vij-df-fala-sobre-o-tema-adocao-nas-telenovelas-em-novo-artigo
Reproduzido por: Lucas H.
Por NG/SECOM/VIJ
"O instituto da adoção e as telenovelas" é o tema do mais recente artigo de Walter Gomes de Sousa, supervisor da Seção de Colocação em Família Substituta da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal.
Nele, Walter discorre sobre a importância de se ampliar e melhorar a divulgação das regras, normas e princípios estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente para a adoção legal no Brasil, uma vez que as telenovelas veiculam, na maioria das vezes, informações equivocadas ou parciais, que podem levar o telespectador a interpretá-las negativamente.
O supervisor ressalta que a criança não pode ser retratada como objeto de consumo para atender desejos e suprir necessidades de possíveis interessados em adotá-la, como vem sendo apresentado inapropriadamente em alguns programas televisivos, e sim como como um autêntico sujeito de direitos que merece proteção e garantias legais.
“Informar para conscientizar, conscientizar para fazer certo e fazer certo para tornar uma criança feliz”. Esse é o lema para tornar o instituto da adoção melhor conhecido e compreendido, conclui Gomes.
O INSTITUTO DA ADOÇÃO E AS TELENOVELAS
Walter Gomes de Sousa
Supervisor da Seção de Colocação em Família Substituta da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal
Os brasileiros se acostumaram a assistir com interesse e alta fidelidade às diversas novelas exibidas pelas principais emissoras do País. Inegavelmente, algumas novelas se celebrizaram por tramas e temáticas profundamente tocantes e inquietantes. Os teóricos da comunicação não se cansam de pontuar a respeito do quanto de magnetismo as telenovelas exercem sobre o espectador e como elas são capazes de ditar modismos, condutas, conceitos e preconceitos, valores e antivalores. As novelas carregam a magia de imiscuir-se no imaginário das pessoas e levá-las às mais diversificadas fantasias e reflexões. Alguns temas específicos, como a adoção, retratados em enredos eletrizantes e ao mesmo tempo complexos, acabam sendo percebidos e interpretados negativamente pelo espectador por estarem sustentados em informações equivocadas ou parciais.
O instituto da adoção, que é juridicamente revestido de enorme relevância e peculiaridade, não vem sendo apresentado de forma apropriada, à luz da legislação vigente, em vários programas televisivos de entretenimento. O que se constata em alguns desses scripts televisivos é a tentativa de promover uma modalidade de adoção estritamente mercadológica na qual a criança é retratada como um objeto de consumo que atenderá a desejos e suprirá necessidades de pretensos interessados e não como um autêntico sujeito de direitos que merece proteção e garantias legais.
A título de exemplo, cito a exibição recente do capítulo de uma novela em que determinada personagem que passara pela trágica experiência de perder dois filhos em um acidente automobilístico vislumbra na adoção a melhor forma de superar o trauma, a dor e o luto. À certa altura, ela apresenta para seu marido, em um tablet, fotos de possíveis crianças aptas para adoção e declara que gostaria de acolher duas delas com a mesma idade das que eles perderam e que tal experiência os faria superar todo o sofrimento. Ora, do ponto de vista psicossocial forense, essa situação evidencia a histórica tendência entre alguns postulantes de tentar reduzir a criança a ser adotada a um mero instrumento de resolução de problemas ou dificuldades particulares. São adultos necessitados e carentes que desejam se valer do elevado instituto da adoção para a superação de seus complexos dramas e intrincados enredos de vida. Nessa perspectiva adultocêntrica, as necessidades e os sofrimentos de crianças abandonadas e vitimizadas pela ruptura de vínculos são ignorados ou relegados a um plano de indiferença. Isso vai na contramão do que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente no seu artigo 43, que expressamente sustenta que a adoção só será deferida pela autoridade judiciária se for fundada em legítimas razões e oferecer reais benefícios ao adotando. Ou seja, a adoção é um instituto juridicamente projetado para prioritariamente favorecer a criança e, secundariamente, atender o adulto. Qualquer tentativa de inversão dessa lógica resultará em possíveis riscos emocionais e sociais para a criança.
Evidentemente que o fato de alguém passar por uma perda parental não é óbice a eventual pleito adotivo. O que se recomenda primeiramente é que o interessado vivencie plenamente o luto e o elabore de forma adequada e não procure no instituto da adoção uma
maneira de promover substituições parentais. As pessoas especiais que marcam nossas vidas são singulares e únicas e, na hipótese de elas virem a partir, não devem ser substituídas, devem sim ser transformadas em ternas, saudáveis e significativas lembranças. Quando isso acontece, é possível que uma adoção seja almejada e a criança a ser transformada em filho seja vista não como um simples objeto de reposição mas como um sujeito social com identidade própria, sentimentos e necessidades específicas e uma história de vida que deve ser respeitada e acolhida incondicionalmente com base no afeto.
Impõe salientar ainda que as equipes técnicas da área de adoção que assessoram os magistrados atuantes na área da infância e juventude de todo o Brasil não adotam qualquer metodologia de apresentação de crianças cadastradas que se assemelhe a exibição de uma espécie de “book fotográfico” com centenas de rostinhos infantis que estão aguardando serem “escolhidos” por alguém. Chancelar isso equivaleria a concordar com a abjeta tentativa de reduzir crianças privadas do afeto e da convivência familiar a um simples objeto estético passível de ser “escolhido” e “adquirido” à semelhança de um bem de consumo exposto sobre a prateleira de uma loja ou de um supermercado. Seria perpetrar uma inaceitável violência à dignidade e à intimidade de verdadeiros sujeitos de direitos em complexa e delicada fase de desenvolvimento biopsicossocial e que carregam a dor e o trauma de terem sido abandonados por suas famílias biológicas. Nessa mesma direção, o artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente é taxativo ao afirmar que o direito que a criança e o adolescente têm ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Diante de equívocos e impropriedades flagrantemente atentatórios à elevada natureza do instituto da adoção, reforça-se a necessidade de maior e melhor divulgação das regras, normas e princípios que o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece para o norteamento jurídico e psicossocial do trabalho envolvendo a adoção legal no Brasil. Destaque-se a preparação e habilitação de pretendentes, o cadastramento e apresentação de crianças e adolescentes para a adoção e a aproximação gradativa entre esses dois grupos mediada pelo Sistema de Justiça através dos estágios de convivência conduzidos pela equipe interprofissional que assessora diretamente a autoridade judiciária.
Impende salientar que não é apenas o adulto que é consultado a respeito da adoção de uma determinada criança, mas esta também será adequadamente ouvida e sua opinião devidamente considerada a respeito do eventual processo de adoção. O Estatuto da Criança e do Adolescente reserva um papel ativo para o adotando ao sinalizar em seu artigo 28, §1º, que, “sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada”. A criança deve ter o seu protagonismo reconhecido e é imperativo oportunizar-lhe um espaço institucional para sua livre manifestação.
Para quem trabalha diretamente com a temática adoção no dia a dia, o lema de inspiração para tornar esse instituto melhor conhecido e compreendido é o seguinte: “Informar para conscientizar, conscientizar para fazer certo e fazer certo para tornar uma criança feliz”.
Original disponível em: http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2016/fevereiro/supervisor-da-vij-df-fala-sobre-o-tema-adocao-nas-telenovelas-em-novo-artigo
Reproduzido por: Lucas H.
Nenhum comentário:
Postar um comentário