03/02/2018
Mais da metade das crianças que vivem em casas de
acolhimento no Distrito Federal estão na faixa etária com o menor índice de
aceitação pelas famílias que pretendem adotar. Atualmente, 63% dos meninos e
meninas aptos à adoção têm 12 anos ou mais. Por outro lado, nenhuma das 523
famílias cadastradas na lista de espera até quarta-feira (31) havia manifestado
desejo de ser pai ou mãe de uma criança com mais de 10 anos.
Os dados são da Vara da Infância e da Juventude (VIJ) de
Brasília e revelam a dificuldade para modificar o perfil da adoção. As chamadas
adoções tardias – de adolescentes e pré-adolescentes – correspondem, em média,
a 1,5% do total.
No ano passado, 90% das famílias que efetivaram o processo
no DF escolheram quem ainda não tinha completado 12 anos. De acordo com o
supervisor de adoção da VIJ Walter Gomes, em 2018, o cenário se mantém.
Criança ideal
O perfil desejado como criança ideal corresponde à menor
parcela das que estão aptas para a adoção nas casas de acolhimento do Brasil.
São recém-nascidas (até 1 ano), brancas ou "morenas claras",
saudáveis e sem irmãos
Ao contrário, o que predomina entre os destituídos do poder
familiar, ou seja, que não possuem mais vínculos com a família de origem, são
pré-adolescentes (10 a 12 anos) e adolescentes (13 a 18 anos incompletos).
"Estes dois grupos formam hoje a maioria de
disponibilizados em território nacional", diz Gomes. Ele explica que em
Brasília não é diferente.
Atualmente, a Vara da Infância tem apenas duas crianças
disponíveis na faixa etária mais procurada. Uma delas está sendo apresentada a
uma família e a outra tem "graves problemas de saúde", diz o
supervisor.
O número total, no entanto, é muito maior: são 114 crianças
e jovens a espera de uma família. Mas a maior parte deles, 70%, têm entre 10 e
18 anos.
Adoção tardia
A psicóloga e presidente do Grupo de Apoio à Adoção
Aconchego, Soraya Pereira, explica que idealizar o filho adotivo é um equívoco.
"Acredita-se que terá mais controle [da criação] se puder cuidar desde o
início, mas não se tem essa garantia", disse ao G1.
"Por mais que você escolha, a criança que vem é muito
mais que aparência."
Sentimento de rejeição
Uma vez que a criança completa 10 anos, cada aniversário faz
diminuir as chances de adoção, explica o supervisor de adoção da Vara da
Infância do DF, Walter Gomes.
"Temos adolescentes de 15 anos institucionalizados há
dez."
Segundo Gomes, é muito comum que essas crianças cresçam nas
casas de acolhimento. Mas ao completarem 18 anos elas precisam deixar o
sistema, enquanto assistem às crianças mais novas serem acolhidas. Esses jovens
acabam por desenvolver sentimentos de rejeição, diz ele.
Para Soraya, o tempo de espera faz com que os
pré-adolescentes e adolescentes sintam-se cada vez mais inseguros. "Eles
passam a acreditar que a culpa de não ter uma família é deles", afirma a
presidente do Aconhego.
"Elas passam a acreditar que foram abandonadas porque
são más ou se sentem responsáveis pelo abandono."
Este quadro é produto de uma cultura seletiva de adoção que,
segundo os profissionais, precisa ser desconstruída. A legislação que
regulamenta o sistema no país permite que os interessados escolham o perfil da
criança.
"Na medida em que os sistema de Justiça faculta a
possibilidade de escolha das características, reforça essa cultura. Nós temos
que evoluir", afirma Gomes. Para ele, é preciso que o princípio norteador
do processo de adoção seja o amor incondicional.
"Modificar radicalmente esse 'perfil clássico', de
maneira que a família se habilite sem impor exigências com relação ao perfil.
Esse é o cenário ideal."
Qual o motivo das famílias?
Personalidade formada. Esta é a principal justificativa das
famílias que optam pelo "perfil clássico" de crianças ou que definem
o limite de idade até os 9 anos, segundo Walter Gomes. "Elas invocam a
limitação de habilidades e capacidades para conduzir a criação de crianças com
comportamentos constituídos."
"Eu diria que é um automatismo na cultura de adoção
nacional."
O medo, explica a presidente do Aconchego, também domina o
imaginário dessas famílias. "A adoção é carregada de muitos preconceitos,
como a origem socioeconômica, a possibilidade de a mãe biológica ser drogadita
e a ideia de que a criança já vem com a personalidade formada."
Segundo ela, é imprescindível que os pretendentes à adoção –
seja qual for o perfil de criança desejado – estejam seguros da decisão e
preparados para o desafio.
"No caso das crianças mais velhas, os pais precisam
estar confortáveis com o fato de não terem participado da vida do filho até
aquele momento."
Grupos de irmãos
A maioria das crianças com 12 anos ou mais que foram
adotadas tinham um irmão ou irmã mais novo no abrigo, segundo a Vara da
Infância. Esta ligação familiar, quando não representa mais um empecilho, acaba
facilitando a adoção de crianças mais velhas.
São as (poucas) famílias que desejam adotar mais de uma
criança que acabam acolhendo os jovens de 10 a 18 anos. No ano passado, a Vara
da Infância autorizou nove adoções de dois irmãos e quatro de três – destes,
oito tinham mais de 10 anos.
No entanto, Soraya afirma que este tipo de adoção merece
cuidado especial para que o acolhimento de uma criança com mais de 10 anos,
cujo irmão corresponde ao perfil desejado, não seja uma obrigação. "Isso
fica pesado pra criança, porque ela percebe que é satélite. O pretendente tem
que estar muito bem preparado."
"Não dá pra levar de brinde."
Número de adoções no DF por grupo de irmãos
Ano | 2017 | 2016 | 2015 | 2014 |
Dois | 9 | 9 | 8 | 8 |
Três | 4 | 1 | 1 | 6 |
Quatro | 0 | 0 | 0 | 4 |
Seis | 0 | 0 | 0 | 1 |
O número de interessados na adoção de irmãos ainda é
insuficiente para fazer aumentar a procura por jovens de 12 a 18 anos. Desde
2010, em quatro anos (2011, 2013, 2014 e 2015) nenhum jovem nesta faixa etária
trocou a casa de acolhimento no DF por um lar, mesmo quando houve adoção de
irmãos.
A lei preconiza que grupos de irmãos sejam adotados juntos.
Mas nem sempre isso é possível, garante o supervisor de adoção Walter Gomes.
Há, por exemplo, irmãos biológicos que se conheceram no abrigo, sem nunca terem
tido convívio familiar.
"Muitas vezes, temos sugerido o desmembramento como
forma de garantir a adoção dos irmãos [separadamente]."
Cor da pele
A cor da pele é outro fator que determina as chances de
adoção. No DF, o número de crianças negras que encontraram uma família nunca
superou o de brancas e de "morenas claras" – classificação definida
pela Vara da Infância.
Desde 2010, este índice só conseguiu ultrapassar uma vez o
da adoção de jovens de pele "morena escura" – 7 crianças negras e 6
"morenas escuras" receberam um lar em 2014. O máximo de adoções com
este perfil foi de 11, em 2016.
Em parte, a realidade se ampara na baixa quantidade de
negros disponíveis para adoção. Por outro lado, o alto índice de brancos
adotados justifica-se por preferência familiar. Isto porque a maioria das crianças
em casas de acolhimento da capital são "morenas claras" e
"morenas escuras".
Mesmo assim, o supervisor de adoção garante que a exigência
das famílias com relação à cor da pele vem caindo "de maneira
significativa".
"Vemos um aumento das famílias que não apresentam
preferências em relação à cor."
Original com gráficos disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunicação/noticias/Notícias/Julgados-sobre-adoção-à-brasileira-buscam-preservar-o-melhor-interesse-da-criança
Reproduzido por: Lucas H.
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