segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Adoção: maioria das crianças em abrigos no DF tem idade acima do pretendido pelos candidatos (Reprodução)

03/02/2018

Mais da metade das crianças que vivem em casas de acolhimento no Distrito Federal estão na faixa etária com o menor índice de aceitação pelas famílias que pretendem adotar. Atualmente, 63% dos meninos e meninas aptos à adoção têm 12 anos ou mais. Por outro lado, nenhuma das 523 famílias cadastradas na lista de espera até quarta-feira (31) havia manifestado desejo de ser pai ou mãe de uma criança com mais de 10 anos. 
Os dados são da Vara da Infância e da Juventude (VIJ) de Brasília e revelam a dificuldade para modificar o perfil da adoção. As chamadas adoções tardias – de adolescentes e pré-adolescentes – correspondem, em média, a 1,5% do total. 
No ano passado, 90% das famílias que efetivaram o processo no DF escolheram quem ainda não tinha completado 12 anos. De acordo com o supervisor de adoção da VIJ Walter Gomes, em 2018, o cenário se mantém.
Criança ideal
O perfil desejado como criança ideal corresponde à menor parcela das que estão aptas para a adoção nas casas de acolhimento do Brasil. São recém-nascidas (até 1 ano), brancas ou "morenas claras", saudáveis e sem irmãos
Ao contrário, o que predomina entre os destituídos do poder familiar, ou seja, que não possuem mais vínculos com a família de origem, são pré-adolescentes (10 a 12 anos) e adolescentes (13 a 18 anos incompletos).

"Estes dois grupos formam hoje a maioria de disponibilizados em território nacional", diz Gomes. Ele explica que em Brasília não é diferente. 
Atualmente, a Vara da Infância tem apenas duas crianças disponíveis na faixa etária mais procurada. Uma delas está sendo apresentada a uma família e a outra tem "graves problemas de saúde", diz o supervisor. 
O número total, no entanto, é muito maior: são 114 crianças e jovens a espera de uma família. Mas a maior parte deles, 70%, têm entre 10 e 18 anos.

Adoção tardia
A psicóloga e presidente do Grupo de Apoio à Adoção Aconchego, Soraya Pereira, explica que idealizar o filho adotivo é um equívoco. "Acredita-se que terá mais controle [da criação] se puder cuidar desde o início, mas não se tem essa garantia", disse ao G1. 
"Por mais que você escolha, a criança que vem é muito mais que aparência."
Sentimento de rejeição
Uma vez que a criança completa 10 anos, cada aniversário faz diminuir as chances de adoção, explica o supervisor de adoção da Vara da Infância do DF, Walter Gomes. 
"Temos adolescentes de 15 anos institucionalizados há dez."
Segundo Gomes, é muito comum que essas crianças cresçam nas casas de acolhimento. Mas ao completarem 18 anos elas precisam deixar o sistema, enquanto assistem às crianças mais novas serem acolhidas. Esses jovens acabam por desenvolver sentimentos de rejeição, diz ele. 
Para Soraya, o tempo de espera faz com que os pré-adolescentes e adolescentes sintam-se cada vez mais inseguros. "Eles passam a acreditar que a culpa de não ter uma família é deles", afirma a presidente do Aconhego. 
"Elas passam a acreditar que foram abandonadas porque são más ou se sentem responsáveis pelo abandono."
Este quadro é produto de uma cultura seletiva de adoção que, segundo os profissionais, precisa ser desconstruída. A legislação que regulamenta o sistema no país permite que os interessados escolham o perfil da criança. 
"Na medida em que os sistema de Justiça faculta a possibilidade de escolha das características, reforça essa cultura. Nós temos que evoluir", afirma Gomes. Para ele, é preciso que o princípio norteador do processo de adoção seja o amor incondicional. 
"Modificar radicalmente esse 'perfil clássico', de maneira que a família se habilite sem impor exigências com relação ao perfil. Esse é o cenário ideal."
Qual o motivo das famílias?
Personalidade formada. Esta é a principal justificativa das famílias que optam pelo "perfil clássico" de crianças ou que definem o limite de idade até os 9 anos, segundo Walter Gomes. "Elas invocam a limitação de habilidades e capacidades para conduzir a criação de crianças com comportamentos constituídos." 
"Eu diria que é um automatismo na cultura de adoção nacional."
O medo, explica a presidente do Aconchego, também domina o imaginário dessas famílias. "A adoção é carregada de muitos preconceitos, como a origem socioeconômica, a possibilidade de a mãe biológica ser drogadita e a ideia de que a criança já vem com a personalidade formada." 
Segundo ela, é imprescindível que os pretendentes à adoção – seja qual for o perfil de criança desejado – estejam seguros da decisão e preparados para o desafio. 
"No caso das crianças mais velhas, os pais precisam estar confortáveis com o fato de não terem participado da vida do filho até aquele momento."

Grupos de irmãos
A maioria das crianças com 12 anos ou mais que foram adotadas tinham um irmão ou irmã mais novo no abrigo, segundo a Vara da Infância. Esta ligação familiar, quando não representa mais um empecilho, acaba facilitando a adoção de crianças mais velhas. 
São as (poucas) famílias que desejam adotar mais de uma criança que acabam acolhendo os jovens de 10 a 18 anos. No ano passado, a Vara da Infância autorizou nove adoções de dois irmãos e quatro de três – destes, oito tinham mais de 10 anos. 
No entanto, Soraya afirma que este tipo de adoção merece cuidado especial para que o acolhimento de uma criança com mais de 10 anos, cujo irmão corresponde ao perfil desejado, não seja uma obrigação. "Isso fica pesado pra criança, porque ela percebe que é satélite. O pretendente tem que estar muito bem preparado."

"Não dá pra levar de brinde."
Número de adoções no DF por grupo de irmãos
Ano 2017 2016 2015 2014
Dois 9 9 8 8
Três 4 1 1 6
Quatro 0 0 0 4
Seis 0 0 0 1

O número de interessados na adoção de irmãos ainda é insuficiente para fazer aumentar a procura por jovens de 12 a 18 anos. Desde 2010, em quatro anos (2011, 2013, 2014 e 2015) nenhum jovem nesta faixa etária trocou a casa de acolhimento no DF por um lar, mesmo quando houve adoção de irmãos.
A lei preconiza que grupos de irmãos sejam adotados juntos. Mas nem sempre isso é possível, garante o supervisor de adoção Walter Gomes. Há, por exemplo, irmãos biológicos que se conheceram no abrigo, sem nunca terem tido convívio familiar.
"Muitas vezes, temos sugerido o desmembramento como forma de garantir a adoção dos irmãos [separadamente]."
Cor da pele
A cor da pele é outro fator que determina as chances de adoção. No DF, o número de crianças negras que encontraram uma família nunca superou o de brancas e de "morenas claras" – classificação definida pela Vara da Infância.
Desde 2010, este índice só conseguiu ultrapassar uma vez o da adoção de jovens de pele "morena escura" – 7 crianças negras e 6 "morenas escuras" receberam um lar em 2014. O máximo de adoções com este perfil foi de 11, em 2016.
Em parte, a realidade se ampara na baixa quantidade de negros disponíveis para adoção. Por outro lado, o alto índice de brancos adotados justifica-se por preferência familiar. Isto porque a maioria das crianças em casas de acolhimento da capital são "morenas claras" e "morenas escuras".
Mesmo assim, o supervisor de adoção garante que a exigência das famílias com relação à cor da pele vem caindo "de maneira significativa".
"Vemos um aumento das famílias que não apresentam preferências em relação à cor."


Reproduzido por: Lucas H.


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