23/02/2018
A filha de Josiele dos Santos sofreu um desmame abrupto com
menos de 2 anos de idade. Sem o colo da mãe há quase quatro meses, a criança
precisou reconhecer na avó os laços maternos. Josiele foi levada para a
penitenciária feminina do Distrito Federal (Colmeia) em 8 de novembro de 2017 e
não conseguiu se despedir da menina. Na carceragem, recebeu a confirmação de
que carregava em seu ventre um outro bebê.
Detida provisoriamente pelo crime de tráfico de drogas, a
jovem, de 20 anos, aguarda uma audiência de continuação prevista para ocorrer
na próxima sexta-feira (2). Na audição, Ministério Público, testemunhas e
defesa serão ouvidos e, após as alegações finais, a sentença será definida.
Nesta semana, ela soube, por meio de uma colega, da decisão
do Supremo Tribunal Federal (STF) que concedeu prisão domiciliar a presas
gestantes sem condenação ou a mães de crianças com até 12 anos. Com a decisão
do Supremo, os tribunais terão 60 dias, após a publicação da decisão, para
implementar a medida, que valerá também para mães que tiverem crianças com
deficiência.
À família, Josiele contou que, agora, está esperançosa para
sair e, finalmente, voltar a ver a filha e fazer o enxoval da que está por vir.
"A Josi já perdeu muito tempo sem ver o crescimento da
filha. Nem chegou a ver a filha começar a andar", disse Iraci dos Santos,
mãe da jovem. Ela recebeu a reportagem do G1 em casa na última quinta-feira
(22).
Mulheres gestantes presas no DF
Idade da detenta | Tempo de prisão | Regime |
21 | 1 mês | Provisório |
20 | 4 meses | Provisório |
20 | 3 meses | Provisório |
25 | 4 meses | Semiaberto |
31 | 5 meses | Fechado |
21 | 1 mês | Provisório |
36 | 6 meses | Semiaberto |
24 | 3 anos e 2 meses | Fechado |
34 | 1 mês | Provisório |
Oito gestantes além de Josiele estão detidas na Colmeia, e
mais dez lactantes – em período de amamentação. De todas, oito estão presas preventivamente,
à espera de julgamento. Elas ficam em alas separadas e exclusivas.
Por lei, todas as mulheres nessas condições – grávidas e com
filhos de até 12 anos incompletos – têm direito de solicitar prisão domiciliar
à Justiça, estejam sob regime fechado, semiaberto ou provisório. A medida
garante a elas um período maior de cuidado e relacionamento com os filhos.
Quando a domiciliar não é concedida, os bebês podem ficar na
Colmeia até os seis meses, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Distrito
Federal. Depois disso, eles são encaminhados a familiares que desejem assumir a
criação.
“Se a interna não tiver parentes, caso raro de acontecer, a
Vara da Infância designa um abrigo", informou a pasta ao G1.
Prisão de Josiele
Iraci – que, desde a prisão da filha, tem se desdobrado para
cuidar da criança, para garantir o sustento, ao lado do marido, das nove
pessoas que moram no local e ainda lutar pela liberdade de Josiele – afirmou
que “precisou pedir ajuda a Deus para não entrar em depressão”. O benefício do
Bolsa Família que recebia foi suspenso em outubro de 2017.
“Esta pequena aqui chorava o dia todo. Não dormia e ficou
arredia. Têm sido dias difíceis e achei que perderia o emprego, porque também
não conseguia dormir.”
Asmática, Josiele precisa do medicamento "Aerolin"
para conseguir respirar. Desde o início deste ano, o presídio deixou de
fornecer o remédio e a família passou a ter que desembolsar, mensalmente, cerca
de R$ 30 pelo fármaco.
Eles também tiveram de pagar R$ 80 para que a jovem pudesse
fazer uma ecografia. Questionada, a Secretaria de Saúde disse que o medicamento
está em falta na rede pública e que a compra do produto está em andamento, mas
não se posicionou sobre o exame.
'Minha filha não tinha nada'
No relato de Iraci, Josiele foi detida com apenas R$ 7 no
bolso. Não havia drogas com ela no momento da apreensão, mas diz que a filha
convivia com pessoas “que seguiam caminhos errados”.
“Sei que a Josi foi presa por tráfico, mas a pegaram com
nada. Levaram a sogra dela, que é traficante, mas a minha filha não tinha
nada.”
Segundo Iraci, meses antes da internação, a casa de Josiele
pegou fogo. No incêndio, ela só conseguiu resgatar a filha. Todos os bens
materiais foram queimados. Para pagar o aluguel de uma quitinete e quitar as
contas, Josiele começou a acompanhar a mãe no serviço.
“Tinha colocado ela para trabalhar comigo e, justamente, no
dia em que não encontrou alguém para cuidar da criança, aconteceu isso. Se ela
estava traficando foi por desespero. E, por mais que uma pessoa tenha errado,
quem nunca errou? Só Deus para julgar.”
No processo da jovem, consta que “embora não tenha sido
apreendida grande quantidade de drogas, as autuadas [Josiele e a sogra] já
estavam sendo monitoradas há bastante tempo, eis que estariam realizando
tráfico de drogas em suas residências”. No documento, no entanto, não há
indicação sobre a quantia encontrada pela polícia.
Desde que a filha foi encaminhada à Colmeia, Iraci só
conseguiu autorização para visitá-la na semana passada. Comovida com a
história, a assistente social Luana Souza resolveu interceder pela família e
agendou uma visita institucional ao presídio. No encontro, a criança não quis
se aproximar da mãe.
“Foi uma cena muito forte e marcante. A filha da Josi nem
quis ir para o colo dela. Ela sofreu um desmame abrupto”, lembra Luana, que
acompanha a jovem desde a adolescência.
“A Josi é ré primária e não foi pega em flagrante. São
muitas falhas. A Justiça ainda é muito papel. Falta essa relação além do papel,
falta olhar para o sujeito, para a menina negra, pobre e da periferia”, disse a
assistente social.
Mães e filhos na prisão
Para a presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-DF,
Cristina Tubino, um dos problemas relacionados a esta questão, e que motivou o
habeas corpus do STF desta terça-feira (20), é a falta de estrutura dos
presídios brasileiros para abrigar mães e filhos com segurança e saúde.
"Ao mesmo tempo em que a legislação permite que a mãe
presa fique com o filho no estabelecimento prisional, a lei prevê que deve
haver condições para isso", explicou. "Aqui no DF, a realidade é
ainda muito melhor. A Colmeia tem conseguido dar uma condição muito melhor para
as presas."
Segundo a Secretaria de Segurança, o presídio conta com um
berçário e uma equipe médica formada por "pediatras, ginecologistas,
enfermeiros, dentistas, psicólogos e assistentes sociais" que, inclusive,
fazem o pré-natal das detentas gestantes. Estes profissionais trabalham 40
horas semanais no sistema.
Mulheres em período de amamentação presas no DF
Idade da detenta | Tempo de prisão | Regime | Idade do bebê |
23 | 7 meses | Provisório | 2 semanas |
25 | 7 meses | Fechado | 3 semanas |
21 | 11 meses | Semiaberto | 6 meses |
34 | 9 meses | Fechado | 8 meses |
33 | 9 meses | Fechado | 3 meses |
33 | 2 meses | Semiaberto | 2 meses |
29 | 7 meses | Fechado | 5 meses |
38 | 6 meses | Provisório | 2 semanas |
29 | 1 mês | Provisório | 4 meses |
22 | 4 anos e 4 meses | Fechado | 3 semanas |
O que diz a Secretaria de Segurança?
As gestantes são acompanhadas por uma equipe de atenção
básica da Secretaria de Saúde, lotada na penitenciária. Caso seja necessário
algum exame ou atendimento mais complexo, os profissionais encaminham a
custodiada para o sistema de referência da rede pública de saúde do Distrito
Federal.
Da mesma forma, as lactantes também recebem um tratamento
humanizado dentro da unidade prisional. Todas elas recebem atendimento psicológico
e alimentação balanceada prescrita por médicos.
Brasil
No país, 373 mulheres grávidas e 249 em período de
amamentação estão detidas em presídios, segundo levantamento do Conselho
Nacional de Justiça. Os dados correspondem a 2017.
Original disponível em: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/ser-mae-na-colmeia-detenta-gravida-e-com-filha-de-1-ano-aguarda-sentenca-ha-4-meses.ghtml
Reproduzido por: Lucas H.
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