13/02/2018
É possível dizer que a adoção existe em um país que sequer
consegue contabilizar as crianças e os adolescentes encarcerados em abrigos? Lá
entram bebês e são despejados quando completam a maioridade, sem que ninguém
tenha acesso a elas. Em que o Cadastro Nacional da Adoção não funciona e os
candidatos a adotarem aguardam cerca de uma década, sem que lhes seja dada a
chance de conhecer quem está apto à adoção?
Cerca de 100 mil crianças invisíveis sem que as milhares de
pessoas há anos cadastradas à adoção tenham acesso a elas
MARIA BERENICE DIAS
Advogada Vice-presidente nacional do IBDFAM
Foi este o motivo que levou o IBDFAM — Instituto Brasileiro
de Justiça — a apresentar o Estatuto da Adoção - PLS 39/2017, elaborado por
juízes, promotores e advogados que atuam em Varas da Infância e da Juventude.
Seu propósito é atender ao comando constitucional que garante a crianças e
adolescentes o direito à convivência familiar. É indispensável estancar as
chamadas "adoções diretas" – entrega de crianças, sem a participação
do poder público; retirar do Poder Judiciário o encargo de caçar parentes com quem
a criança não tem vínculo de afinidade e afetividade. É urgente garantir acesso dos grupos de apoio
à adoção e dos candidatos aptos a adotar às casas de abrigamento. É a única
forma de dar a grupos de irmãos, adolescentes, a crianças doentes ou deficientes
a chance de serem adotados.
As críticas dos órgãos de proteção à infância foram
imediatas, sem que fosse apresentada qualquer sugestão ou emenda.
No entanto, se nada for feito, continuará tudo igual: cerca
de 100 mil crianças invisíveis, esquecidas em abrigos, sem que as milhares de
pessoas há anos cadastradas à adoção tenham acesso a elas. Aliás, são estas
dificuldades que levam mães a entregar os filhos a quem os queira, pois seu
desejo é que eles sejam adotados, e não que fiquem abrigados.
Claramente, a responsabilidade deste caos é do próprio
Estado, que acaba criando um verdadeiro ciclo do abandono. Crianças estão
crescendo sem que lhes seja garantido o direito a um lar. Quem quer adotá-las
desiste, cansa de esperar, e acaba fazendo uso da reprodução assistida.
Conclusão: crianças sobram amontoadas nos abrigos.
Diante desta perversa realidade, é possível dizer que a
adoção existe?
Original disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/opiniao/noticia/2018/02/maria-berenice-dias-adocao-nao-existe-cjdlw0g6o019p01n3kzkrgxjf.html
Reproduzido por: Lucas H.
Nenhum comentário:
Postar um comentário