Advogada especializada em adoção fala do movimento #emdefesadetodasasfamilias, contra o Estatuto da Família
No fim da entrevista, a advogada Silvana do Monte Moreira diz: “Acaba de chegar para conversar comigo uma mulher que adotou cinco crianças, quatro delas negras e pardas, e uma branca. A mais nova tinha 7 anos, e a mais velha, 12. E três são irmãos. E ela já tinha seis filhos biológicos.” Um caso raro, já que a maioria quer crianças brancas recém-nascidas. Mas Silvana é acostumada a desafios. Mãe de duas moças — uma biológica, Carol, outra adotiva, Gabi —, é uma das criadoras do #emdefesadetodasasfamilias, que tem feito barulho, com postagens semanais no Twitter e no Facebook de fotos de famílias — quaisquer que sejam elas. A campanha, que inclui petição online, luta contra a aprovação do Estatuto da Família, recém-desarquivado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha. O estatuto restringe família ao núcleo formado por um homem e uma mulher, e seus descendentes. Aos 54 anos, Silvana é uma das maiores autoridades no tema — é presidente da comissão de adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), diretora da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad) e integrante da Comissão Judiciária Estadual de Adoção Internacional do Tribunal de Justiça.
REVISTA O GLOBO: Por que combater o Estatuto da Família?
SILVANA DO MONTE MOREIRA: Ele é tão discriminatório e absurdo que exclui famílias formadas por parentes por afinidade, como tia e sobrinha ou avó e neto. E também desconsidera as famílias adotivas e mesmo as reconstituídas, onde há carinho, afeto e cuidado pelo enteado. Essas famílias vão perder a proteção do Estado? Minha filha adotiva é jurídica e afetivamente filha, mas não por descendência. Vamos viver à margem da lei? Não podemos ter um modelo familiar estanque. O estatuto também proíbe a adoção de crianças por casais homoafetivos. Para protestar e pressionar criamos o movimento, com twittaço e facebookaço. Acontece toda terça, até 31 de março, às 13h. Podemos ser chamados de chatos e inconvenientes, mas nunca de omissos.
Por que há tanta demora para se adotar uma criança?
Por causa da inoperância do Estado. Faltam psicólogos e assistentes sociais. E é preciso localizar os pais biológicos para dar direito de defesa. Mas o que pela lei deveria demorar até 120 dias, dura um, dois, três anos. Busca-se a todo custo parentes que já demonstraram não ter interesse em acolher a criança. Enquanto espera pela reinserção ou pela destituição familiar, a criança envelhece. Ela que tinha 3 anos e poderia ser facilmente adotada ficou com 5 e você não quer mais. A infância e a adolescência são rápidas e não voltam. Há 26 mil pessoas habilitadas a adotar, 40 mil crianças acolhidas nos abrigos e apenas cerca de 5 mil disponibilizadas para adoção. E existe o fantasma da devolução. São devolvidas ao abrigo porque são crianças. Sobem na mesa, na hora do jantar, dizem: “Pai, quero fazer cocô.” Esses adultos é que não estavam preparados para serem pais. Os problemas que tive com minha filha biológica eu tive com a adotiva. Se não podia devolver uma para a barriga não podia entregar a outra para a Justiça.
Você consegue muitas adoções de crianças fora do padrão...
A maioria dos habilitados no Cadastro Nacional de Adoção quer menina, branca, saudável, até 3 anos. Buscamos interessados em outro perfil: crianças mais velhas, com patologias, grupos de irmãos. Conseguimos que adotassem menino de 12 anos, criança sem um braço, cadeirante. Muito estrangeiro também adota criança sem pretendentes no Brasil, e para eles cor e sexo é o que menos importa. Já conseguimos que adotassem crianças com HIV, retardo mental, criança queimada ou sem um rim. Tiramos essas crianças da invisibilidade.
Este é um dos papéis dos Grupos de Apoio à Adoção, não?
Sim. E todo mês levamos aos abrigos pessoas habilitadas a adotar. Mostramos a elas as crianças reais. Você pode pensar que só tem capacidade de amar uma criança branca e saudável, e acabar se apaixonando por uma negra com problema de saúde. Achamos um casal para adotar uma criança negra e cega, de 2 meses. Está em guarda provisória com eles. Após um laudo médico, descobriram agora, dois meses depois, que além de cega ela é surda e tem calcificação no cérebro. Provavelmente vai ter retardo mental e problemas motores sérios. Perguntei: “O laudo modifica a decisão de vocês?” Resposta: “Não, doutora, a gente só agradece a Deus por ela estar conosco.”
No fim da entrevista, a advogada Silvana do Monte Moreira diz: “Acaba de chegar para conversar comigo uma mulher que adotou cinco crianças, quatro delas negras e pardas, e uma branca. A mais nova tinha 7 anos, e a mais velha, 12. E três são irmãos. E ela já tinha seis filhos biológicos.” Um caso raro, já que a maioria quer crianças brancas recém-nascidas. Mas Silvana é acostumada a desafios. Mãe de duas moças — uma biológica, Carol, outra adotiva, Gabi —, é uma das criadoras do #emdefesadetodasasfamilias, que tem feito barulho, com postagens semanais no Twitter e no Facebook de fotos de famílias — quaisquer que sejam elas. A campanha, que inclui petição online, luta contra a aprovação do Estatuto da Família, recém-desarquivado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha. O estatuto restringe família ao núcleo formado por um homem e uma mulher, e seus descendentes. Aos 54 anos, Silvana é uma das maiores autoridades no tema — é presidente da comissão de adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), diretora da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad) e integrante da Comissão Judiciária Estadual de Adoção Internacional do Tribunal de Justiça.
REVISTA O GLOBO: Por que combater o Estatuto da Família?
SILVANA DO MONTE MOREIRA: Ele é tão discriminatório e absurdo que exclui famílias formadas por parentes por afinidade, como tia e sobrinha ou avó e neto. E também desconsidera as famílias adotivas e mesmo as reconstituídas, onde há carinho, afeto e cuidado pelo enteado. Essas famílias vão perder a proteção do Estado? Minha filha adotiva é jurídica e afetivamente filha, mas não por descendência. Vamos viver à margem da lei? Não podemos ter um modelo familiar estanque. O estatuto também proíbe a adoção de crianças por casais homoafetivos. Para protestar e pressionar criamos o movimento, com twittaço e facebookaço. Acontece toda terça, até 31 de março, às 13h. Podemos ser chamados de chatos e inconvenientes, mas nunca de omissos.
Por que há tanta demora para se adotar uma criança?
Por causa da inoperância do Estado. Faltam psicólogos e assistentes sociais. E é preciso localizar os pais biológicos para dar direito de defesa. Mas o que pela lei deveria demorar até 120 dias, dura um, dois, três anos. Busca-se a todo custo parentes que já demonstraram não ter interesse em acolher a criança. Enquanto espera pela reinserção ou pela destituição familiar, a criança envelhece. Ela que tinha 3 anos e poderia ser facilmente adotada ficou com 5 e você não quer mais. A infância e a adolescência são rápidas e não voltam. Há 26 mil pessoas habilitadas a adotar, 40 mil crianças acolhidas nos abrigos e apenas cerca de 5 mil disponibilizadas para adoção. E existe o fantasma da devolução. São devolvidas ao abrigo porque são crianças. Sobem na mesa, na hora do jantar, dizem: “Pai, quero fazer cocô.” Esses adultos é que não estavam preparados para serem pais. Os problemas que tive com minha filha biológica eu tive com a adotiva. Se não podia devolver uma para a barriga não podia entregar a outra para a Justiça.
Você consegue muitas adoções de crianças fora do padrão...
A maioria dos habilitados no Cadastro Nacional de Adoção quer menina, branca, saudável, até 3 anos. Buscamos interessados em outro perfil: crianças mais velhas, com patologias, grupos de irmãos. Conseguimos que adotassem menino de 12 anos, criança sem um braço, cadeirante. Muito estrangeiro também adota criança sem pretendentes no Brasil, e para eles cor e sexo é o que menos importa. Já conseguimos que adotassem crianças com HIV, retardo mental, criança queimada ou sem um rim. Tiramos essas crianças da invisibilidade.
Este é um dos papéis dos Grupos de Apoio à Adoção, não?
Sim. E todo mês levamos aos abrigos pessoas habilitadas a adotar. Mostramos a elas as crianças reais. Você pode pensar que só tem capacidade de amar uma criança branca e saudável, e acabar se apaixonando por uma negra com problema de saúde. Achamos um casal para adotar uma criança negra e cega, de 2 meses. Está em guarda provisória com eles. Após um laudo médico, descobriram agora, dois meses depois, que além de cega ela é surda e tem calcificação no cérebro. Provavelmente vai ter retardo mental e problemas motores sérios. Perguntei: “O laudo modifica a decisão de vocês?” Resposta: “Não, doutora, a gente só agradece a Deus por ela estar conosco.”
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/rio/dois-cafes-a-conta-com-silvana-monte-15590473#ixzz3UhUtVFBu
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