Vamos participar, pois, é na nossa omissão que atrocidades acontecem.
Arquivado no final do ano de 2014 o Projeto de Lei nº 6.583/2013, denominado Estatuto da Família, voltou à tramitação por iniciativa do Deputado Federal, Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB/RJ).
O Estatuto da Família, no formato atual do Projeto de Lei, prevê muito corretamente em seu artigo 1º o seguinte: “Esta Lei institui o Estatuto da Família e dispõe sobre os direitos da família, e as diretrizes das políticas públicas voltadas para valorização e apoiamento à entidade familiar”.
Ou seja, atendendo ao preceito constitucional de proteção à família, impõe ao Poder Público o estabelecimento de diretrizes e ações tendentes à valorização e apoio à entidade familiar.
Todavia, anacronicamente, fugindo completamente da realidade social atual, prevê em seu artigo 2º que: “Para os fins desta Lei, define-se entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
Assim, no caso de aprovação do PL na sua versão atual, apenas e tão somente será entendida como família, logo objeto de especial proteção do Estado, a entidade familiar formada por um casal composto por um homem e uma mulher, excluindo-se sem qualquer justificativa os casais constituídos por dois homens ou duas mulheres. Excluindo ainda da definição de família as famílias adotivas, ao empregar o termo “descendentes” que se refere abertamente unicamente à parentalidade biológica.
Na justificativa apresentada ao projeto, apenas consta a afirmação de que se pugna a ideia do “fortalecimento dos laços familiares a partir da união conjugal entre homem e mulher, ao estabelecer o conceito de família”, sem que se apresentassem quaisquer justificativas concretas, embasadas em dados sociais e jurídicos, para a exclusão intencional das formações familiares resultantes das uniões homoafetivas.
Se a Carta Magna garante que somos “todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (CF – art. 5º, “caput”), se “homens e mulheres são iguais em direitos” (CF – art. 5º, I) e se “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” (CF – art. 5º, X), o art. 2º do PL nº 6.583/13 é flagrantemente inconstitucional por vedar o reconhecimento como entidade familiar à união homoafetiva.
Toda pessoa, como se vê, deve ter sua dignidade humana respeitada pelo Estado, o que obrigatoriamente passa pelo respeito e proteção jurídica de sua entidade familiar como FAMÍLIA.
A limitação restritiva do conceito de entidade familiar contido neste artigo do PL sob comento contraria decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 4277) e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº 132), reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo. As ações foram ajuizadas na Corte, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. A decisão foi pautada no princípio constitucional da dignidade humana, no pluralismo familiar e na não-discriminação, como acima suficientemente apontado.
A inconstitucional exclusão da formação familiar homoafetiva do conceito de entidade familiar previsto no PL resultará na inviabilização da adoção de crianças e adolescentes por pares homoafetivos como casais, obrigando seus membros a voltar ao retrógrado expediente de habilitarem-se e adotarem seus filhos como solteiros, privando o adotando do direito de ser juridicamente reconhecido como filho de ambos os pais com os reflexos dai decorrentes no campo previdenciário e sucessório.
A ANGAAD – Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção e o IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, através de suas comissões nacionais de Adoção e da Diversidade Sexual, entendem que o projeto não pode ser aprovado sem a reformulação do conceito de entidade familiar contido no seu artigo 2º.
Sugere-se que a redação seja alterada para:
Art. 2º Para os fins desta Lei, define-se entidade familiar como o núcleo social formado por duas ou mais pessoas unidas por laços sanguíneos ou afetivos, originados pelo casamento, união estável ou afinidade.
Tão pequena alteração dará constitucionalidade ao projeto e atenderá à realidade social atual que reconhece como legítimas as múltiplas formas de composição familiar, respeitada a laicidade do Estado.
Para que se garanta que motivações dissociadas da realidade tendam à criação de leis inconstitucionais, retrógradas e discriminatórias, a participação de todos os segmentos da sociedade é de suma importância nesta discussão para que o conceito de família seja considerado na sua multiplicidade de configurações e evolução ao longo do tempo e modificações sociais.
O Estatuto da Família, como atualmente formatado seu art. 2º, aniquilará inúmeras configurações familiares que serão amputadas e desconsideradas, deslegitimando experiências de afeto, cuidado e solidariedade. As famílias forjadas pelos laços do afeto, sejam homoafetivas, monoparentais e heteroafetivas passarão a viver à margem da lei.
As signatárias lutam pelos princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia, pela multiplicidade das configurações familiares como uma realidade irrenunciável e incontroversa, sendo seu reconhecimento imprescindível.
Cabe à sociedade civil e ao Estado Democrático de Direito avançar na promoção e garantia de direitos a todos os cidadãos independentemente de sexo, gênero, raça, religião ou orientação afetiva, enfrentando diferenças, preconceitos e desigualdades.
ANGAAD – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE GRUPOS DE APOIO À ADOÇÃO
Comissão Nacional de Adoção e
Comissão da Diversidade Sexual do
IBDFAM – INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA
https://secure.avaaz.org/po/petition/Presidencia_Republica_Senado_Federal_Camara_Deputados_CCJ_CDHM_e_MJust_A_alteracao_da_redacao_inconstitucional_do_art_2_/?pv=22
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