05 NOV 2016
Neide Martins poderia ser uma mulher como tantas outras, não fosse algumas peculiaridades que surgiram após uma escolha feita por ela, de livre e espontânea vontade.
Há alguns anos, trabalhando no ramo de Turismo, Neide recebia muitas ligações de instituições carentes que pediam doações. Interessada em trabalhos voluntários, começou a ajudar com pequenas quantias em dinheiro, em especial a Casa da vó Benedita, em Santos.
“Como sempre, no final da ligação, os responsáveis faziam o convite para ir conhecer o lugar, até que um dia eu resolvi ir”, conta ela.
Quando chegou, notou o quanto a ONG (Organização Não Governamental) carecia de ajuda, não só financeira, mas de voluntários que auxiliassem nos trabalhos. A Casa da Vó Benedita funciona como um abrigo que acolhe crianças vítimas de maus tratos.
“Passei a contribuir em eventos beneficentes, bazares, atividades deste tipo. Com o tempo, comecei a ter contato com as crianças que chegam à instituição. Daí nasceu a vontade de adotar”, recorda.
O marido, com dois filhos frutos de uma relação anterior, apenas ouvia os ensejos da esposa, sem compartilhar do mesmo desejo. “Até que eu o convenci a conhecer os trabalhos da Casa e aí ele foi tocado pelo que viu”, afirma ela.
O casal decidiu se cadastrar para o processo de adoção. Após quatro anos de espera, um menino com poucos meses de vida e sua irmã, com três anos, ganharam uma família.
Vida Nova. Depois de quatro meses de adoção, Neide percebeu que o bebê, na época com 10 meses, fazia movimentos estranhos com o pescoço, sobressaltos da cabeça para frente.
“Pareciam espasmos. Aquilo me preocupou. A partir dali, iniciamos uma longa saga em consultórios médicos, de suspeitas até o diagnóstico”.
O bebê foi diagnosticado com epilepsia e aos dois anos e oito meses, com Síndrome de West. A doença é uma forma grave de epilepsia em crianças. 90% dos casos começam em bebês menores de 12 meses e o pico ocorre entre quatro e seis meses de idade.
“Ele vai perdendo neurônios a cada crise que tem. No início, cheguei a registrar 80 em um dia só. É uma doença degenerativa. Aos poucos, o movimento dos membros diminui e a fala também. Ele já não pronuncia mais todas as palavras que aprendeu”, explica.
Canabidiol
Uma das substâncias que fazem parte do tratamento é a Canabidiol, encontrada na planta cannabis sativa, da qual se origina a maconha. Até o início do ano passado, o medicamento fazia parte da lista de substâncias proibidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo o órgão, era necessária uma investigação mais profunda.
Até que estudos científicos mostraram que o elemento não traz dependência e tem utilidade médica para tratar diversas doenças, entre elas, neurológicas.
Mesmo com a liberação desde 2015, é preciso importar a medicação, que continua controlada pela Agência.
“Pagamos uma taxa alta para a Anvisa por um medicamento que já é caro. Estou tentando a gratuidade através da Justiça. Também faço parte de uma ONG que luta para descriminalizar a visão preconceituosa que algumas pessoas tem sobre o tratamento”, esclarece.
Neurocirurgiões e psiquiatras possuem autorização do Conselho Federal de Medicina para prescrever remédios à base de canabidiol para portadores de epilepsias cujos tratamentos convencionais não surtiram efeito.
Família
Com a mudança completa na rotina, Neide explica que o apoio da família é crucial.
“No meu caso, meu marido está comigo e principalmente com as crianças. Ouvi opiniões terríveis a respeito da adoção de um filho com problemas. Amigos diziam que não poderíamos mais viajar. Eu acredito que isso é questão de valores. O que vale mais, assumir a situação ou se desfazer dela e viver viajando?”, questiona.
Luta
Depois que os médicos acertaram a medicação, as crises diminuíram, porém uma nova luta começou: encontrar uma escola. “Respondiam que meu filho não era o perfil da unidade. As escolas estão preparadas para o Autismo, Síndrome de Down, mas não para doenças raras.Por mais que sejam incomuns, estas síndromes existem e se existem merecem atenção”, justifica.
Ela reclama que muitos médicos defendem que crianças nestas situações não podem ir para a escola. Para Neide, isso pesa ainda mais no diagnóstico, já que elas deixam de interagir e os pais acabam fechando-se em seus lares. “O meu filho tem direito à escola”, encerra.
Atualmente, o filho de Neide estuda na Escola de Educação Especial 30 de Julho, em Santos.
Projeto. A experiência da adoção dos dois filhos e o conhecimento de pessoas inseridas no mesmo mundo que ela, levaram Neide a ter uma nova concepção da vida.
Através da amiga e fotógrafa Flavia Krol, Neide conheceu o Projeto Revelar, onde o intuito é fotografar crianças especiais em momentos de distração e diversão.
Neide decidiu organizar em parceria com Flavia, uma edição em Santos.
O objetivo é reunir famílias que tenham filhos com necessidades especiais, independente da doença. Ela explica que muitos pais não gostam de sair para evitar olhares desrespeitosos - já que o comportamento dessas crianças geralmente é diferente das outras.
Outro enfoque será a segregação. “O ser humano tem o costume de segregar. No mundo especial não é diferente. Você vê grupos separados por doenças como autismo, down, paralisia cerebral e isso atrapalha o convívio de quem já quase não interage. A minha bandeira hoje é: qualquer patologia”, esclarece ela.
O encontro será realizado neste domingo, no Emissário Submarino, das 14h às 17h e é gratuito.
Original disponível em: http://www.diariodolitoral.com.br/cotidiano/encontro-quer-reunir-criancas-com-necessidades-especiais/91511/
Reproduzido por: Lucas H.
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