12/10/2017
A infância e a adolescência são períodos de extrema importância para a formação da identidade pessoal. É nessas fases que se formam a personalidade e outros aspectos que podem impactar para o resto da vida. No Dia das Crianças, celebrado nesta quinta-feira (12), o G1 conversou com pessoas que, tão cedo na vida, passaram por momentos difíceis e se agarram a oportunidades de recomeçar a vida.
A infância e a adolescência são períodos de extrema importância para a formação da identidade pessoal. É nessas fases que se formam a personalidade e outros aspectos que podem impactar para o resto da vida. No Dia das Crianças, celebrado nesta quinta-feira (12), o G1 conversou com pessoas que, tão cedo na vida, passaram por momentos difíceis e se agarram a oportunidades de recomeçar a vida.
Para o psicólogo clínico e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Darlindo Ferreira, a família ocupa posição central na formação pessoal. Apesar disso, na contemporaneidade, esse papel não necessariamente precisa ser reproduzido pelo modelo de família nuclear.
“O que toda pessoa precisa é de alguém com quem contar. Não importa se é um abrigo, um amigo ou o que seja. Família é em quem podemos confiar. Vivemos numa crise de confiança, de solidariedade, em que impera o medo. As crianças precisam de alguém que seja porto e mar, que seja segurança, mas também possibilidade de expansão”, disse Darlindo.
Ainda segundo Darlindo, impactos nas primeiras fases da vida não necessariamente definem o caráter ou a forma como as pessoas guiam seus princípios. “A vida é uma sucessão de eventos e possibilidades, não são fatos isolados que determinam quem somos e quem vamos ser. É uma junção de eventos internos e externos e não existe ‘cálculo’ para este aspecto”, explica.
Primeira chance na vida
As chuvas que atingiram dezenas de municípios em Pernambuco, principalmente Barreiros, na Mata Sul, deixaram um saldo enchentes e destruição, em 2010, além de 20 mortos. Um deles, pai de Henrique*, à época com nove anos de idade. O jovem carrega na história de vida o desaparecimento da mãe, a morte da avó, com quem morava após a morte do pai e a separação da irmã, um ano mais velha, de quem não ouve falar desde os 13 anos de idade, e uma internação na Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase).
Apesar dos percalços, cedo na vida, Henrique procura levar a vida quebrando os estigmas da condição social a ele imposta, atualmente cursando o segundo ano do ensino médio e um dos jovens aprendizes em um órgão público do estado. Aos 17 anos, o garoto é um dos nove meninos em situação de vulnerabilidade social que moram na Casa de Acolhida Novos Rumos, na Tamarineira, instituição mantida pela prefeitura, localizada na Zona Norte do Recife.
“Eu considero não como uma segunda chance na vida, mas como uma primeira, porque eu nunca tive uma oportunidade. Eu gosto de exatas, sempre estudei e pretendo cursar algum curso de informática, quando terminar os estudos”, disse.
Após a morte da avó, Henrique passou a morar em uma casa de acolhimento em Igarassu, no Grande Recife, de onde foi encaminhado de volta a Barreiros - lá, ele pulou o muro da instituição de acolhida. "Eu e minha irmã não aguentávamos mais morar em abrigo, aí eu disse 'vai um para um lado, outro para o outro'. Fugimos, fiz minha trela, mas os policiais me pegaram. Fui para a Funase de Jaboatão [no Grande Recife] e fiquei lá dois anos e meio", recordou.
A oportunidade de ter uma base familiar lhe foi tomada muito cedo, mas, segundo Henrique, a convivência na casa de acolhida, onde mora desde abril deste ano, é a mais tranquila que já teve. "Sou bastante caseiro. Não gosto de sair à noite, prefiro ficar no celular. No meu aniversário, tive festa no estágio e aqui na casa", afirma.
Psicóloga e coordenadora da casa Novos Rumos, Geysa Bezerra afirma que, na instituição, o principal objetivo é fortalecer o jovem enquanto cidadão. “Existe um descarte muito frequente das pessoas. Ele não é menor infrator. Ele é um menino, acima de tudo. Esta casa não é diferente da minha casa, mas a rua te ensina a ser forte, senão você morre, como acontece todos os dias. Além disso, o preconceito é a palavra de ordem nesses casos, até de quem trabalha na política de assistência”, explica.
Luta pela vida
Mensalmente, o Grupo de Ajuda à Criança Carente com Câncer Pernambuco (GAC) atende cerca de 800 pessoas, entre crianças e adolescentes pacientes do Centro de Onco-hematologia Pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, em Santo Amaro, na região central do Recife. Em 20 anos, o local atendeu cerca de 20 mil pessoas. Uma delas é a pequena Sara, de quatro anos. A garota foi diagnosticada com leucemia com apenas um ano e seis meses de idade e, na terça-feira (10), recebeu o resultado da última consulta oncológica. Estava curada.
Um presente de Dia das Crianças não só para ela, mas para a mãe, a autônoma Lays Gonçalves. "Ela passou por um período de quase um ano de internamento, fazendo exames de sangue semanalmente. Ela até hoje não entende o significado de tudo o que passou, por ser tão pequena, mas eu e meu esposo experienciamos um baque. Tenho um filho mais velho, hoje com cinco anos, que sentia muito minha falta e dela. Graças a Deus, hoje ela está bem. Quer até ser médica", brinca.
Da mesma forma, a estudante Larissa Souza, hoje com 19 anos, que aprendeu cedo o que é lutar e desde o início da adolescência tem o câncer como uma das temáticas principais da vida. Bailarina desde a infância, a jovem ensaiava todos os dias e, constantemente, sofria com constantes dores no joelho.
“Meu tipo de câncer era um linfoma, um tumor, mas todos os médicos pensavam que a dor vinha da dança. Era insuportável. Certa vez, um médico pediu uma biópsia e diagnosticou uma bactéria no osso, mas o tratamento só amenizou as dores e cheguei a perder os movimentos das pernas. Fiz outro exame, que acusou o câncer, que já havia apresentado metástase com vários nódulos no corpo. As chances de cura eram pequenas”, afirma Larissa.
Segundo ela, apesar de todo o peso da doença, o câncer foi um dos aspectos que a fortaleceram. O tratamento foi iniciado no início de 2014 e, em setembro de 2015, após dez meses internada, jovem recebeu alta, com o diagnóstico de cura, unido à aprovação no vestibular em Educação Física na Universidade de Pernambuco, que gerencia o hospital em que Larissa estava internada.
“Falei com o diretor da minha escola, porque não queria parar os estudos. Ele criou um grupo de WhatsApp com os professores e, diariamente, eles me passavam o conteúdo das aulas. Tive que fazer todas as provas do terceiro ano do ensino médio em três meses, por isso, quando recebi alta, fiquei ‘internada’ em casa estudando. Me inscrevi no Enem no hospital mesmo, ainda em tratamento, e passei na faculdade que sempre quis”, comemora.
O histórico de câncer na família de Larissa não é novo: o avô e uma tia da jovem faleceram em decorrência da doença.
“Como passei muito tempo sem saber o que tinha, tendo muitas dores, quando descobri, pelo menos sabia que teria um tratamento. Sempre tem alguém que vai dizer que você não vai conseguir, que seu caso é muito difícil e você vai dormir sem saber se vai acordar no outro dia, para dormir de novo. É um processo de superar não só a doença, mas as sequelas. Superar as minhas expectativas e as dos outros”, diz.
No terceiro período do curso, Larissa desenvolve um trabalho voluntário no GAC, vinculado à faculdade, que leva brincadeiras e ludicidade às crianças em tratamento.
Amor incondicional
O Cadastro Nacional de Adoção (CNA) acumula, atualmente, cerca de 7,2 mil crianças aptas para adoção no Brasil e cerca de 38 mil famílias cadastradas. A proporção é de que, para cada criança em busca de uma família, há 5,27 pessoas interessadas em adotar. Em Pernambuco, há 216 jovens esperando um lar. O processo de adoção leva, em média, um ano. Apesar disso, muitos deles permanecem em abrigos por anos ou, até mesmo, chegam à maioridade na instituição e precisam procurar outro lugar para morar.
Ainda segundo o CNA, o perfil mais procurado é bebês brancos e sem irmãos. A maioria rejeita a chamada ‘adoção tardia’, de crianças maiores de três anos, e por isso, há mais lares disponíveis que crianças para ocupá-los. Para Ana Izabel Ferreira e Lourival Brando, ambos funcionários públicos, o mês de outubro é um dos mais celebrados na família, por ser quando o casal celebra o aniversário de adoção dos filhos Eduardo, Elis e Sávio.
“Somos casados há 20 anos e, depois de tentar engravidar naturalmente, sem conseguir, fizemos a opção da adoção. A princípio seria uma criança até dois anos, mas há quatro anos o ‘trio elétrico’ chegou para suplementar nossa família. Saímos do zero ao três, de uma única vez”, recorda Ana Izabel.
Na época, Eduardo, Elis e Sávio tinham três, dois e um ano, respectivamente. Os irmãos haviam sido destituídos da família biológica e moravam em um abrigo, em Goiana, na Mata Norte do estado. Para Ana, o fato de serem irmãos facilitou a adaptação das crianças à nova família.
“Eles são muito unidos e Eduardo, no abrigo, tomava conta de Elis, carregava o carrinho com ela. Eles sempre tiveram uns aos outros e, por isso, nós é que tivemos o ‘choque’ maior, porque de uma hora para a outra chegaram três e a criança te testa no começo. Se é difícil pra quem é adulto, imagine para uma criança”, disse.
Pai das crianças, Lourival explica que existe um tabu acerca da adoção como tema. Ele conta que, além da comunidade, o preconceito também é presente dentro da família, e que, para quebrar o estigma, o casal opta por acompanhamento psicológico tanto para os pais quanto para as crianças. Segundo ele, adoção é um tema bastante falado na família, para 'fortalecer a base' construída pelos três irmãos ao longo da infância.
“Queremos que eles não tenham vergonha de dizer que foram adotados. Quando disse que ia adotar crianças mais velhas que o padrão, meu irmão, por exemplo, disse que era louco. A mesma coisa para um casal homoafetivo, por exemplo. A criança se adapta fácil, mas nós, adultos, é que criamos os preconceitos e acabamos por passá-los a diante. Quem quer adotar deve ser para ser pai e mãe, não para preencher algum vazio”, disse.
“Antes de entrar na fila, nos preparamos, passamos a frequentar grupos de adoção que oferecem esse apoio, para ajudar a família a se sentir segura. Eles, com dois anos de idade, têm muito mais história que eu, aos 45 anos, e o acompanhamento é necessário para qualquer pessoa. Educar não é fácil, mas é uma troca. Ninguém fez caridade a ninguém", explica Lourival.
"Foi a última oportunidade deles terem uma família, mas também a nossa última oportunidade de ser pai e mãe”, completou.
*Nome fictício para preservar a identidade do jovem, respeitando o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Original disponível em: https://g1.globo.com/pernambuco/noticia/da-luta-pela-vida-a-conquista-de-um-lar-g1-conta-historias-de-criancas-que-tiveram-uma-segunda-chance.ghtml
Reproduzido por: Lucas H.
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