Renato Simões era deputado estadual pelo PT quando as denúncias contra a Justiça de Jundiaí ganharam repercussão nacional. Ele levou os casos à CPI do Judiciário que o Senado realizava na ocasião. Ele lembra que de 484 processos analisados, 204 tiveram como resultado 204 adoções internacionais. Em Guarulhos, naquela mesma época ocorreram 1.252 casos de crianças apreendidas pela Justiça. Apenas cinco foram para o exterior. Hoje, a primeira parte da entrevista com o ex-deputado.
Depois dos fatos, fui deputado federal. Também fui secretário nacional de Participação Social, no governo Dilma. Hoje sou membro do diretório nacional do PT.
O senhor presidiu a CPI do Judiciário e criou a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo. Na época, como avaliava este caso?
Criei e presidi a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa. Nesta condição, levei os casos de Jundiaí à CPI do Judiciário, à época funcionando no Senado Federal. A repercussão nacional se deu pelo grande número de adoções e pela rapidez industrial com que o processo de adoção era aberto e concluído, atropelando prazos e o espírito do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.
O senhor se lembra de números? Acredita que houve um exagero de adoções? Mais: houve um exagero em relação às adoções por estrangeiros?
De um total de 484 processos de adoção que analisamos em Jundiaí, 204 eram internacionais. Para efeito de comparação, em Guarulhos, de um total de 1.252 casos, apenas cinco crianças foram entregues em adoção a famílias do exterior. Esse é sempre o último caso, fracassadas as tentativas de mantê-las na família original ou expandida, e depois em famílias nacionais, que se submetem a um longo e necessário processo. No caso de Jundiaí, os prazos eram sumários, crianças eram retiradas por “comissários de menores” de suas mães ainda no leito do parto e o arbítrio era a regra.
A comissão chegou a ouvir as mães que tiveram os filhos retirados? Quantas? Como foram estes depoimentos?
Sim, ouvimos as mães em Jundiaí, na Assembleia Legislativa em audiências. Muitas deram depoimentos à imprensa local e nacional, a órgãos nacionais e internacionais de defesa dos direitos da criança e do adolescente. Eram depoimentos sempre tocantes e chocantes, pois a desinformação de todas facilitou o processo irregular de adoção na maioria dos casos. Poucos foram os casos em que houve a possibilidade legal de reversão, e tentamos proteger ao máximo a identidade das famílias e principalmente das crianças, como manda o ECA.
Qual a impressão que os deputados tiveram?
Na minha avaliação, o juiz Beethoven e a promotoria da infância se articularam internacionalmente na sua cruzada por adoções para famílias estrangeiras. Não questiono a intenção, mas ficou claro para a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia e para a CPI do Judiciário que os procedimentos eram irregulares e abusivos. A existência, mesmo depois do ECA, de “comissários de menores” agindo até armados nos bairros e hospitais, retirando sob argumentos preconceituosos filhos e filhas de famílias pobres de suas mães, e o rapidíssimo processo de entrega às famílias estrangeiras, configuraram no meu entendimento ilegalidade e ilegitimidade para a ação da Vara da Infância e da Juventude de Jundiaí neste período.
Ouviram o dr. Beethoven e a promotora de menores, dra. Inês Makowisk? O que acharam?
Na Comissão de Direitos Humanos não foram ouvidos. Não tínhamos poderes de CPI para convocá-los. Responderam perante a imprensa e aos órgãos corregedores do próprio judiciário. Para mim, é muito grave o vínculo que estabeleceram com entidades internacionais, em particular na Itália, para a adoção de crianças pobres e retiradas de suas famílias. A propaganda no exterior prometia celeridade e confidencialidade para famílias que eram selecionadas por critérios totalmente estranhos à legislação brasileira. Nunca ficou claro como eram usados os recursos arrecadados dessas famílias e de ONGs internacionais para esse tipo de trabalho em Jundiaí.
A Justiça em Jundiaí sempre afirmou que as crianças retiradas dos pais eram maltratadas. Isto é verdade?
Muitas crianças foram retiradas de suas famílias sem qualquer inquérito ou investigação formal sobre violência. Ainda que maus tratos possam ter sido identificados, isso não significa que o caminho da adoção internacional a toque de caixa seja o caminho adequado. Pelo menos para a lei brasileira, o ECA, não é. Preconceito e criminalização da pobreza não são justificativas para a perda de pátrio poder e adoção internacional. Houve relatos de mães que foram impedidas de amamentar na maternidade seus filhos recém-nascidos por ordens de assistentes sociais que apoiavam a ação dos “comissários de menores”. A escala industrial que verificamos envolvia, portanto, “comissários de menores” nos bairros pobres, assistentes sociais nos hospitais, agenciadores internacionais de famílias interessadas e a Vara da Infância de Jundiaí, o elo entre todos esses agentes.
Também ouviram órgãos ligados aos direitos da Criança e Adolescente com sede em Jundiaí?
Sim, houve grande participação da comunidade local, solidária com as mães. A Pastoral do Menor, outros grupos religiosos da Diocese de Jundiaí, movimentos pela criação do cargo de conselheiros tutelares (até então, não havia conselho tutelar na cidade), advogados da cidade e entidades não-governamentais. O caso só chegou ao parlamento pela mobilização dessas mães e da comunidade local.
O que a CPI concluiu?
O relatório da CPI, de autoria do senador Ramez Tebet, já falecido, acatou as denúncias e responsabilizou o juiz e a promotora pelos fatos levados ao seu conhecimento. O Tribunal de Justiça foi considerado omisso, porque vários questionamentos sobre essa prática já haviam sido levados ao seu conhecimento sem providências.
Original disponível em: http://www.jundiagora.com.br/adocoes-internacionais/
Reproduzido por: Lucas H.
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