quarta-feira, 11 de outubro de 2017

“Meus 18 anos” mostra os desafios de jovens que atingem a maioridade e precisam deixar os abrigos onde vivem (Reprodução)


Mais do que um aniversário, completar 18 anos é um marco na vida de qualquer jovem. Mas o que seria uma data simbólica de autonomia e liberdade, é sinônimo de angústia, incerteza e medo para muitos deles. Especialmente os que precisam decidir o próprio destino, sem apoio familiar. Mais de 47 mil crianças e adolescentes vivem em algum tipo de entidade de acolhimento, lar transitório ou unidade de reinserção social. Apenas 7.805 estão no cadastro nacional de adoção, sendo 3.105 com idade igual ou acima de 13 anos, de acordo com os dados do Conselho Nacional de Justiça.

Com estreia no sábado, dia 14, às 20h30, na GloboNews, “Meus 18 anos” vai mostrar a realidade de jovens no Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo que, ao completarem a maioridade, são obrigados a deixar os abrigos onde vivem. O documentário tem direção e roteiro de Maíra Donnici, direção de fotografia de Pedro Machado e edição de Renata Baldi.

“Quanto mais velha é a criança que vive em abrigo, menor a esperança de ser adotada. Boa parcela sequer faz parte do cadastramento nacional de adoção. Elas estão sobrevivendo e descobrindo um mundo que pode ser bem diferente da realidade além dos muros de onde vivem.

partir da maioridade, elas têm que encarar uma nova vida para a qual podem não estar preparadas”, conta Maíra. No documentário, o juiz presidente da Coordenadoria de Articulação das Varas da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro, Sérgio Luiz Ribeiro de Souza, explica porque nem todas as crianças e adolescentes acolhidos estão aptos para a adoção: “Muitos nem chegarão a estar aptos porque, inicialmente, é feita uma tentativa de reintegração familiar. Seja com os genitores, seja com a família extensa. Quando isso é impossível, aí se passa para a destituição do poder familiar e uma eventual colocação em família substituta”. Processo que leva um tempo precioso.

Maíra reuniu depoimentos tocantes como o de Christoffer, de 17 anos, que mora em um abrigo em São Paulo. Um exemplo de como esses jovens vivem o momento de transição. “Eu me sinto como aqueles animais que estão em perigo. O pessoal pega, começa a cuidar, mas geralmente quer libertá-los para a vida selvagem. Cuidaram de mim e agora é hora de seguir o meu destino. A vida dos meus amigos é diferente da minha. Como eles moram com os pais, não têm preocupação de trabalhar logo, começar uma faculdade. Os pais dão apoio, carinho e amor. Comigo, com 18 anos, é totalmente diferente. Eu tenho que sair antes e já comecei a trabalhar, a pensar mais ou menos na profissão que quero”, diz.

Em Brasília, Raquel compartilha do mesmo sentimento de incerteza diante da perspectiva de abandonar a instituição, sua única referência de acolhimento. “Fazer 18 anos é um bicho. Quem tem tudo aqui, de repente vai sair, igual saiu de casa. É como se tivessem tirando tudo de você de novo. O nosso medo não é sair daqui. É enfrentar o mundo lá fora, porque praticamente não temos ninguém. A gente vai se virar sozinho. O medo é esse”, conta.

Além de ouvir os jovens nesta condição, o documentário traz a visão de psicólogos que trabalham na transição. “Ninguém aos 18 anos está totalmente preparado para uma vida autônoma. Existem poucas políticas no Brasil que atendam os jovens que saem do serviço de acolhimento. É preciso que eles sejam reconhecidos como um público como especifico, que precisa de projetos e ações. Eles conhecem pouco sobre si, suas habilidades, seus talentos. Esses meninos precisam ser mais acompanhados, ter adultos como referência, ajudando-os nos desafios do dia a dia fora do serviço de acolhimento”, pontua Mahyra Costivelli, psicóloga e coordenadora do Grupo Nós, Instituto Fazendo História.

O SOS Aldeias Infantis, de Brasília, também prepara adolescentes para uma vida autônoma e independente. Junto com redes parceiras e instituições qualificadoras, desenvolve programas para inseri-los no mercado de trabalho, mas os desafios vão além de conseguir um emprego. Muitos precisam abrir mão da proteção e do aparato prático que as instituições oferecem para criar uma relação com o dinheiro, o gerenciamento de recursos e todas as responsabilidades do mundo adulto. “Eu já estive na rua, sem ter o que comer. Hoje eu tenho tudo isso. Então eu penso que poderia estar muito pior. E olha onde eu estou, olha o que eu consegui conquistar. Eu falo: “cara, eu passei por tudo o que eu passei e sei que eu vou chegar em casa e vou ter comida, cama, roupa, então olha como eu sou vitorioso!”. Me sinto um guerreiro”, diz Victor, de 17 anos.

Para Maíra Donnici, os depoimentos são impressionantes, mas a sensação é de que nunca saberemos exatamente o que os jovens passaram: “Muitos deles estão há anos nessas entidades e criam um espécie de escudo protetor. Eles não querem parecer vulneráveis. Parecem ter medo de se envolver, para não se decepcionar como tantas vezes. Eles carregam um passado de negligência familiar e, muitas vezes, de maus tratos e abuso dos que deveriam protegê-los”.


Reproduzido por: Lucas H.

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