segunda-feira, 13 de julho de 2015

25 anos do ECA: o que temos a comemorar?

ABRIGADOS PRECISAM DE MAIS ATENÇÃO
07.07.2015
Jessica Gustafson
Perfil das crianças desejadas por adotantes e falta de organização impactam o tempo de espera
Em maio deste ano, existiam em Porto Alegre 1.323 crianças e adolescentes acolhidos por instituições assistenciais, sendo 259 deles aptos para adoção, ou seja, que já poderiam estar vivendo com uma família substituta. O que faltava era bater os dados entre elas e os candidatos a pais. No País, existem hoje cerca de 33,5 mil interessados na lista do Cadastro Nacional de Adoção. Para dar uma dimensão da vivência nos abrigos e tentar entender a demora nos trâmites dos processos de adoção, o Jornal do Comércio inicia hoje uma série de quatro reportagens sobre o tema. Ao ouvir diversas pessoas que atuam e conhecem a área, fica claro que não existe uma só resposta. A complexidade e quantidade de variáveis que envolvem o tema são proporcionais ao bem central protegido, que é a vida e o futuro de uma criança.
A maior reclamação de quem se candidata a adotar é o tempo de espera. Cinara Vianna Dutra Braga, promotora de Justiça da Infância e Juventude de Porto Alegre, acredita que o tempo poderia ser reduzido consideravelmente se houvesse mais investimentos em pessoal e estrutura. Entre os menores que estão em abrigos, 590 aguardam a ação de destituição familiar, a maioria há bem mais que 120 dias, tempo preconizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
"É preciso que os técnicos do Judiciário procurem entre os casais habilitados aqueles que apresentem perfil para as crianças. Isso não está sendo feito. No ano passado, tínhamos 10 assistentes sociais e cinco psicólogos que atendiam a área de família, ato infracional, violência doméstica e adoção. Eles não dão conta de toda essa demanda", afirma a promotora.
A destituição do poder familiar é uma das etapas que antecedem o processo de adoção, que nem sempre é simples de ser realizada. Quando acontece alguma violência ou suspeita grave contra uma criança ou adolescente, ele é levado para o acolhimento. Os técnicos da casa, como assistentes sociais e psicólogos, fazem uma verificação da situação da família de origem. "A ideia é que a criança sempre volte para o seu núcleo familiar. Quando esta família não tem condições de ser tratada, o menor não pode retornar para o pai e a mãe ou para a extensão de familiares. Então, ela precisa ser inserida em uma família substituta. Assim, é feita a destituição", explica. É o Ministério Público (MP-RS) quem ajuíza a ação, que deve tramitar por apenas 120 dias, mas que muitas vezes dura anos. Cinara conta que primeiro é procurada a mãe. Se não for encontrada, será citada em edital. "O juiz só entrega a criança após a ação estar com trânsito em julgado. Precisamos, dentro das casas de acolhimento, de pessoas capacitadas para buscarem com celeridade o quadro das famílias", avalia. Outra melhoria necessária para a redução desse tempo seria a realização de um mutirão para instruir todas aquelas ações que já estão em tramitação. Também seriam necessários outro cartório e outro juiz.
Em 2014, forma feitas somente 40 adoções na Capital e, neste ano, até o mês de maio, apenas oito. A promotora ressalta que algumas das crianças entraram com menos de um mês no abrigo e foram inseridas em uma nova família três ou quatro anos depois. "A média de tempo das que foram adotadas, no ano passado, entre o acolhimento e a adoção, é de dois anos e seis meses. Neste ano, a média foi de um ano e nove meses, sendo que todos ingressaram bebês. Isso acontece por falta de estruturação do Judiciário. O que justifica 10 Varas da Fazenda Pública e um Juizado tratando desta matéria?", questiona.
No ano passado, o MP-RS fez um mutirão de fiscalização nos abrigos e encontrou 129 crianças fora do cadastro, mas em condições de estar nele. Conforme Cinara, essa é uma situação preocupante. Atualmente, elas já estão inseridas, mas ainda não houve um trabalho de procura de pessoas habilitadas.
CERCA DE 70% DAS CRIANÇAS ACOLHIDAS RETORNAM PARA AS FAMÍLIAS
O perfil das crianças desejadas é a grande variável no tempo de espera pela adoção, de acordo com a assistente social Angelita Rebelo de Camargo, da Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado. De acordo com ela, o trabalho realizado pelo Judiciário é sempre no sentido do melhor interesse da criança, observando os seus vínculos importantes e minimizando novas perdas. A diretriz principal é sempre o retorno para a família de origem. Primeiro, é verificado o que levou ao acolhimento e o que poderia ser feito para superar o problema. Outros membros da família, como tios e avós, também são procurados. "Cerca de 70% das crianças acolhidas voltam para a família"-, garante.
Quando não existe possibilidade de retorno ao núcleo familiar, começa o trabalho de busca de pretendentes a adotar. Segundo Angelita, assim que o processo de destituição de um bebê é concluído, o que leva cerca de um ano, ele é adotado imediatamente. "Hoje, uma pessoa espera entre cinco e seis anos para adotar um bebê, porque é o perfil que 90% dos pretendentes desejam. Se eu tenho um pretendente que se habilita a adotar irmãos ou crianças mais velhas, com cinco ou seis anos, essa espera será de um ano ou até menos. Têm pessoas que se habilitam e, no mesmo momento, eu encontro crianças", explica.
Para a assistente social, existe um mito de que o Judiciário quer punir as pessoas que só querem bebês, quando na verdade esclarece aos candidatos que a espera pode ser longa. A questão da raça também é um critério, mas não é um impeditivo. A maior parte dos pretendentes quer crianças brancas, mas também existe um grande número de pessoas que é indiferente a sexo e raça. Assim, as crianças negras, maiores de cinco e seis anos, não deixam de ser adotadas. Os que permanecem em abrigos e estão aptos para adoção são, normalmente, os que têm idade superior aos oito anos. "Respeitamos o desejo do pretendente, mas damos ciência da demora. Nunca vamos forçar que eles aceitem um perfil para o qual não estão preparados", diz.
Angelita ressalta que, mesmo com essas dificuldades, o Rio Grande do Sul avançou muito em relação aos perfis, sendo que hoje é semelhante ao do restante do Brasil e dos pretendentes internacionais, de países que têm convênio com o País. "Como as características são as mesmas de outras nações e estados, as nossas crianças acabam não saindo daqui. A consulta segue um critério de território, a partir da comarca que a criança mora, iniciando pela cidade", relata.
O trabalho realizado vai muito além da vinculação entre as crianças e os pretendentes. Existem situações que envolvem muitos irmãos, por exemplo. A adoção conjunta é sempre priorizada, pois eles já possuem perdas que demoram para ser supridas e podem acabar nunca sendo. "Há problemas na adaptação da adoção quando se força a separação de irmãos. Ocorrem situações em que os irmãos são adotados por famílias distintas, mas os novos pais são estimulados a manter o vínculo entre eles. Este é um trabalho que exige muito dos técnicos, pois é necessário observar com cuidado se a adoção não se dará por impulso. Ou seja, o pretendente precisa estar maduro no seu desejo", explica.
Sobre as crianças que ficaram fora do cadastro, Angelita garante que elas não perderam a oportunidade de ser adotadas. "A consulta tinha sido feita, mas não o cadastro, pois não se localizou ninguém. Eram grupos de irmãos, adolescentes e crianças neurolesionadas. Foi um equívoco, a lei determina que sejam incluídas. Entretanto, não significou que eles perderam alguma chance de adoção. Existem os planos de cada abrigado, que são atualizados a cada seis meses", completa.
http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=201559

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