30.01.2014
Redação Pais&Filhos
O vínculo com o filho adotivo é construído no dia a dia, assim como com o filho biológico
A “gravidez” de Juliana Ribeiro durou 4 anos. Isso mesmo, foi o tempo que ela ficou se preparando para receber a Lara, que chegou com 2 anos e 4 meses. A espera foi um teste difícil para Juliana, a prova de que realmente queria adotar. O “sim” da menina, quando questionada se queria ser sua filha, foi como o momento do parto. Ali começou o vínculo entre mãe e filha.
Há um período em que os pais se preparam para a chegada da criança, é a chamada “gravidez psíquica”, que os ajuda a transformarem o desejo de adotar em um ato de amor. Quando a criança chega, o vínculo não é automático. Assim como o vínculo com o filho biológico também não. Nos dois casos, é uma relação que se constrói. Aos poucos.
Quem fica grávida passa os 9 meses imaginando a carinha do bebê, o som do seu choro e a sua personalidade. E, quando o bebê chega, nunca corresponde exatamente ao que os pais tinham imaginado. Não à toa, nossa diretora de redação, Mônica Figueiredo, disse para a filha, Antonia, assim que a viu na sala de parto: “Muito prazer”.
Seja na maternidade ou no abrigo, o vínculo se concretiza com essa primeira apresentação. “Não existe diferença entre o vínculo materno biológico e o vínculo materno adotivo. Todas as crianças só se tornam filhos se, de fato, são acolhidas, consideradas, ou seja, adotadas”, diz Cintia Liana Reis de Silva, mãe de Flavia e psicóloga especializada em psicologia de família.
Suzana Barelli conta que, ao chegar ao abrigo com seu marido, Milton Gamez, e ver pela primeira vez a filha, Giovana, sentiu que ela era sua e que teria de conquistá-la. “Ela dormiu no meu colo e acordou minha filha. Foi um sentimento muito forte e intenso”. Com o segundo filho, também adotivo, o contato concretizou a percepção de ser a mãe dele. “O Igor me viu e quis vir no meu colo. Outro momento bem forte”.
Adotar um filho é um processo acompanhado de dúvidas e de preconceitos. Esse filho tem uma história anterior e isso pode amedrontar. “O processo emocional da adoção é o mesmo de acolher um filho biológico, mas também envolve aceitar que o filho já venha trazendo uma história precedente, da qual os pais adotivos não fizeram parte. É preciso respeitar”, diz Cintia.
A adoção não pode ser vista como uma alternativa de segunda linha só porque o casal não conseguiu ter filhos biológicos de nenhuma forma. É importante desejar plenamente a adoção, se preparar e reduzir as expectativas e exigências. Muitas vezes, os pais esperam naquela criança a solução de todos os seus problemas, inclusive entre o casal. Filho, adotivo ou não, não resolve nenhum problema. Pode até causar alguns. Ou seja: é filho, vem com o pacote completo, alegrias, tristezas, conflitos.
Receber uma criança é uma vitória e a realização de um desejo mútuo, já que a criança também quer ser acolhida. Aí, começa o processo de entender como será aquela família recém-formada, como os pais e os filhos vão reorganizar suas vidas para o equilíbrio daquele núcleo. “Não se trata de ensinar a criança ou adolescente a como viver ali, mas, sim, de estarem todos atentos para entender como vão se adaptar uns aos outros. Os aprendizados são de todos”, explica Maria Antonieta Pisano Motta, mãe de três filhos, psicóloga e psicanalista, coordenadora técnica do GAASP (Grupo de Apoio à Adoção de São Paulo). “E, como em qualquer família que se forma ou aumenta, o estabelecimento do vínculo é imprescindível. Sem o vínculo, nenhuma família, biológica ou adotiva, teria sentido”, completa.
LAÇOS ENTRE PAIS E FILHOS
Na adoção, os vínculos são construídos pelo laço de afiliação, que se constitui pela afetividade, pelo contato que vai sendo construído no encontro e na vivência de cada dia, explica a psicóloga e professora Isabel Gomes, coordenadora do grupo reflexivo de apoio a adoção na USP.
Sim, a biologia tem seu papel. Quando o bebê nasce, a mãe está embebida em ocitocina, um dos hormônios responsáveis pelas contrações e, depois, ligado ao processo de amamentação. Conhecido como hormônio do amor, a ocitocina contribui para que a mãe se vincule àquele bebê. Só que o ser humano não se constitui apenas de sua dimensão biológica. E, assim, como os hormônios estimulam o vínculo, o caminho oposto também acontece: um estudo feito nos EUA em 2005 mostrou que um abraço de 20 segundos tinha o poder de elevar os níveis da substância em homens e mulheres.
Agda Salles já era mãe de duas filhas, Carla e Elisângela, quando conheceu o atual marido, Helder, e explicou que não poderia mais ter filhos biológicos. Disse que gostaria de adotar. O casal se inscreveu em várias cidades, nos estados do Paraná e do Rio de Janeiro, para conseguir o terceiro filho.
“Eu me via esperando o resultado do teste de gravidez, como uma mãe biológica se sente a cada mês, esperando engravidar. No caso da mãe adotiva, o positivo é a aceitação do juiz, que diz se você está apta ou não para adotar”, conta Agda.
A primogênita não biológica, Maria Clara, nasceu prematura, há nove anos, em Barra Mansa. “Ela tinha dez dias e cheguei ao abrigo em uma sexta-feira. Ao pegá-la no colo já saí falando que era minha filha”, conta Agda. “Como a audiência era na terça, fiquei quatro dias na casa da conselheira do abrigo, cuidando da Maria. Foi mais ou menos como o período que se passa na maternidade”. O segundo filho adotivo, Davi, chegou quatro anos depois, com 28 dias de vida. “A partir do momento em que decidimos adotar, já começou a crescer um vínculo, com uma criança que não sabíamos como seria”, conta ela.
Quando a criança é mais velha, entre 2 e 6 anos, há um trabalho diferente de adaptação, mas os preceitos de adoção devem ser os mesmos: sem expectativas e disposição para amar.
“Podemos considerar ‘mais velha’ a criança que já se percebe diferenciada do outro e do mundo, que já possua certa independência para a satisfação de suas necessidades básicas”, esclarece Maria Antonieta.
Andriely chegou para Katya Suely com 4 anos. Ela já era mãe de Guilherme e pensava em adotar antes mesmo de casar, também porque é filha adotiva. Conta que se manteve tranquila durante o processo de adoção, pois sabia que um dia sua filha iria chegar. “O dia em que o fórum ligou foi como se rompesse a bolsa.”
A formação de vínculo na adoção tardia pode ou não ser mais trabalhosa, tudo depende de os adultos terem refletido e escolhido exercer a parentalidade e de como se dá o novo arranjo familiar após a adoção. “Há dois nascimentos na história da criança, o de origem e o adotivo”, diz Isabel Gomes.
VIDA ANTES DA ADOÇÃO
O psiquiatra José Belizario, pai de João e Ana, desfaz o mito de que crianças adotadas são mais complicadas. “Não existe comportamento específico de filhos adotados.” Mais uma vez, filho é filho. Dá trabalho, testa a gente, quer saber se é mesmo amado. Assim como você, está criando o vínculo e testando se ele é mesmo firme ou se balança na primeira (ou segunda ou terceira…) vez que ele se comporta mal.
É necessário que os pais entendam e respeitem as experiências anteriores. É importante também resgatar algumas memórias com objetivo de entender o que foi vivido, as rupturas de laços, em vez de negar que eles tenham existido. Se faz parte da história do seu filho, agora faz parte da sua também.
Na adoção da criança maior, o processo de luto pela ‘perda’ da família de origem, pela perda ‘do que poderia ter sido’, pela dor do sentimento de abandono e rejeição vem junto com o início da adaptação.
A criança pode ter vivenciado as mais diferentes situações, das prazerosas até as traumáticas, sendo com seus pais biológicos ou cuidadores, nos abrigos ou não. Casos que não podem ser deixados de lado pelos pais adotivos, e nada melhor que a lida cotidiana para quebrar barreiras e construir laços.
O VÍNCULO ENTRE OS IRMÃOS
Ao adotar uma criança que tenha irmão, o estatuto da criança e adolescente (ECA) recomenda que eles não sejam separados. Se isso acontecer, o melhor é que as famílias mantenham contato para que os irmãos convivam. Quem avalia a viabilidade desse relacionamento são os pais candidatos e o técnico que realiza as entrevistas.
Não são todos os irmãos que conseguem se afastar, pois entre eles ainda existe a união familiar, a força da história vivida junto, o afeto e o sentimento de pertencimento.
Áurea Medrado, mãe de Mariana, filha biológica, realizou a adoção tardia e compartilhada de Evelin. Isso significa que a menina tem irmãos biológicos que foram adotados por outras famílias. O vínculo entre ela e os dois irmãos foi mantido. “As crianças se encontram e sabem que são irmãos.”
Quando os irmãos são adotados pela mesma família, outros cuidados devem ser tomados. Muitas vezes, o mais velho assume o papel de protetor das demais crianças e precisará ser ajudado a colocar-se no papel de filho e de criança.
A adoção é um processo que leva um certo tempo para se concretizar. A convivência e o dia a dia são responsáveis pela criação dos laços, assim como com um filho biológico. A criança deve sentir que é com os pais adotivos que escreverá a sua nova história. E que, mesmo que dê um pouco de trabalho, como todo filho dá, é filho, e é muito amado. Tenha saído da barriga ou não.
QUEM PODE AJUDAR
Você encontrará informações com psicólogos, psicanalistas, assistentes sociais, grupos de apoio, livros e filmes. Algumas fontes de informação:
Conselho Nacional de Justiça Informações sobre adoção e acesso ao Cadastro Nacional de Adoção.cnj.jus.br
Grupo de Apoio à Adoção de São Paulo
Promove encontros, palestras e suporte de maneira geral aos pais pretendentes ou que adotaram.gaasp.org.br
Blog da psicóloga Cintia Liana
Especialista em psicologia de família, que se descreve como “fada da adoção”. psicologiaeadocao.blogspot.com.br
Grupo reflexivo de apoio à adoção na USP
Grupo sobre as motivações e escolha pela adoção. Destina-se a casais heterossexuais, homoafetivos, pessoas solteiras, tios, avós, irmãos etc. Contato: adocao.usp@gmail.com
Consultoria: Cintia Liana Reis de Silva, mãe de Flavia e psicóloga especializada em psicologia de família; Isabel Gomes, psicóloga, professora e coordenadora do Grupo Reflexivo de Apoio a Adoção na USP; José Belizario, pai de João e Ana, psiquiatra; Maria Antonieta Pisano Motta, psicóloga e psicanalista, coordenadora técnica do GAASP (Grupo de Apoio à Adoção de São Paulo).
http://www.paisefilhos.com.br/familia/criando-lacos/
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