09/11/2017
ARAÚJO, Camila Jatahy [1]
LIMA, João Bosco Sávio Oliveira de [2]
ARAÚJO, Camila Jatahy; LIMA, João Bosco Sávio Oliveira de. A Adoção como Fruto de Reconhecimento do Casamento Homoafetivo na Sociedade Brasileira. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Edição 08. Ano 02, Vol. 02. pp 131-145, Novembro de 2017. ISSN:2448-0959
Resumo
No presente artigo dispõe-se sobre a evolução do conceito de família na sociedade civil do mundo a qual adentrou-se nos conceitos jurídicos e abriu portas para o reconhecimento de novas famílias na sociedade civil brasileira. Como fruto desse avanço histórico denota-se o crescimento de adoções por parte das chamadas novas famílias, as quais são formadas por casais homoafetivos. Busca-se demonstrar os direitos que todo casal possui e o princípio da isonomia como norteador e base para que questões advindas do preconceito sejam combatidas e eivadas do seio da sociedade. Coloca-se em questionamento as influências positivas que o processo de adoção provoca na construção de uma sociedade melhor. Como metodologia utilizou-se a pesquisa bibliográfica associada a análise de dados disponíveis sobre o assunto.
Palavras-Chave : Adoção, Criança, Família, Casamento Civil Homoafetivo, Direito Civil.
INTRODUÇÃO
Em uma sociedade moderna não se pode mais admitir formas de exclusão. A evolução que ocorre mundo afora, mais cedo ou mais tarde, afeta também cada país, não que isso o torne menos soberano, mas isso é o reflexo da globalização e de que hoje o acesso à informação está cada vez mais evoluído e ágil, fazendo como que a sociedade esteja cada vez mais mutável e interessada na luta pelos seus direitos.
O Reconhecimento ao casamento civil homoafetivo demonstra-se que o princípio da isonomia deve servir como parâmetro afim de se evitar que preconceitos continuem servindo de moldes no momento de se construir leis ou, principalmente, conceder direitos.
Há de se frisar sempre que o Brasil é um país laico o qual possui como instrumento maior a sua Carta Magna, a Constituição de 1988, a qual é a base para a construção de qualquer norma que delimite direitos e construa obrigações. O que não está proibido é, então, permitido aos particulares.
Não se pode ignorar que ainda existe uma forte oposição ao direito em tela, o qual diariamente põe insegurança naqueles diretamente afetados pelo seu usufruto. No entanto, visa-se que tal oposição não passe disto, afinal, o retrocesso não pode ser encarado como algo positivo e, além de tudo, não podemos ignorar que tal ato constituiria uma ofensa direta a constituição e a leis infralegais.
Para tanto adiante explanaremos a importância da construção solidificada de um direito conquistado após muita luta e manifestos, começando pela união estável e atualmente o reconhecimento do casamento civil ao casal homoafetivo, construindo-se assim uma nova família no seio da sociedade civil brasileira.
1. CONCEITO DE FAMÍLIA
A família é a base de qualquer sociedade estruturada, visto que a partir dela forma-se cidadãos que irão atuar em diversas áreas de um Estado, como, inclusive, formadores de leis e julgadores. Através da família são repassados valores históricos, culturais, tradicionais, e, principalmente, a educação.
A Família é um direito assegurando constitucionalmente de acordo como o art. 226 da CF/88 o qual dispõe “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado ”. Por muitos anos construiu-se a ideia de que família era aquela tradicional escolha do homem pela mulher e a criação em conjunto dos filhos. No entanto conforme o tempo foi evoluindo novos conceitos surgiram e atualmente há uma certa dificuldade em delimitar o conceito de família, por haver variáveis definições, como bem preleciona Rodrigo da Cunha Pereira em seu livro Direito de Família e o Novo Código Civil:
“A partir do momento em que a família deixou de ser o núcleo econômico e de reprodução para ser o espaço do afeito e do amor, surgiram novas e várias representações sociais para ela”.
Há de se destacar também o conceito da família socioafetiva, reconhecida através de diversos julgados do STJ no decorrer dos últimos anos, e, também, do Supremo Tribunal Federal na RE 898060. Utiliza-se aqui como qualidade para esse reconhecimento o vínculo criado entre a criança e o adulto que por ela criou responsabilidade e tomou para si as obrigações estipuladas a um pai ou uma mãe. Em seu voto, o ministro Edson Fachin esclareceu:
O parentesco socioafetivo não é prioritário, nem subsidiário a paternidade biológica. Nem tão pouco um parentesco de segunda classe. Trata-te de fonte de paternidade, maternidade, filiação, dotada da mesma dignidade jurídica da adoção, constituída judicialmente e que se afasta na fixação do parentesco jurídico do vínculo biológico.
Esse reconhecimento de uma pluralidade no que tange o conceito de família é inclusive debatido no Senado através do projeto de lei do senado (PLS) 470/2013 o qual traz como objetivo um de seus principais objetivos unificar o conceito de família afim de tornar mais rápido e eficaz os processos judiciais, o texto abaixo é parte de uma transcrição extraída do site da ONG IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família).
O conceito de família é cada vez mais plural. Os arranjos familiares da sociedade moderna não mais decorrem apenas do matrimônio. A união estável, entre pessoas do mesmo sexo ou não, famílias monoparentais, adoções e a comprovação de paternidade via testes de DNA atestam que as mais diversas formas de relação familiar tornam a vinculação afetiva mais importante na abrangência e nas novas definições do conceito de família. (Texto extraído do site:
http://ibdfam.org.br/assets/img/upload/files/Estatuto%20das%20Familias_2014_para%20divulgacao.pdf)
Desta forma, percebe-se que não há, atualmente, um conceito uniforme que defina o termo família, mas entende-se a fundamental importância da mesma na criação do ser humano.
2. CASAMENTO CIVIL
A ideia de casamento foi construída em cima de doutrinas religiosas, principalmente a católica, a qual durante o período da idade média era a detentora do poder soberano no mundo inteiro e construiu diversos alicerces que serviram de base para a elaboração de diversas leis.
Como o catolicismo era a religião oficial de Portugal a mesma foi trazida pelo império português e inserido no Brasil, desconstruindo diversas crenças e, inclusive, muito da cultura indígena. Com isso, boa parte das leis brasileiras sofreram fortes influências das construções dogmáticas católicas.
Frisa-se que muitos requisitos do casamento religioso foram inserido no contexto do casamento civil, inclusive há apenas 40 anos através da lei 6.515/77 foi que o divórcio passou a ser reconhecido no Brasil. Durante anos a Igreja foi titular absoluta dos direitos sobre o matrimônio e como consequência a família.
O casamento surge do conceito cultural de criação da família, portanto, enraizado está a denominação da ideia de união de um homem e uma mulher com o propósito de constituírem juntos uma família. O Código Civil de 2002 não deu definição do que é casamento no seu conceito material, cabendo aos doutrinadores essa tarefa.
Transcreve-se uma definição de casamento dada pela renomeada Maria Helena Diniz em seu livro Curso de Direito Civil Brasileiro:
O vínculo jurídico entre o homem e a mulher que visa ao auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família.
Segundo Paulo Lôbo, o casamento também é a união entre um homem e uma mulher, conforme extraiu-se abaixo do seu livro Direito Civil – Famílias:
O casamento é um ato jurídico negociar solene, público e complexo, mediante o qual um homem e uma mulher constituem família, pela livre manifestação de vontade e pelo reconhecimento do Estado. (Paulo Lôbo)
De acordo com Leite, casamento “é o vínculo jurídico entre homem e mulher que se unem material e espiritualmente para constituírem uma família”.
Percebe-se que ambos os livros citados acima não são anteriores ao código civil de 2002, mas ainda assim trazem a ideia arcaica e já superada de que o casamento necessariamente tem de ser formado por um homem e uma mulher.
Desta forma, percebe-se a dificuldade em desconstruir uma ideia fixada há séculos no cerne da sociedade, visto que o direito ao casamento não é mais dado somente ao homem somado a mulher, mas a soma de qualquer gênero forma-se um casal com o direito de se casar.
2.1 A União Estável Homoafetiva
Uma nova visão sobre família e, consequentemente, casamento foi posteriormente adotada com o advindo do Novo Código Civil de 2002. Ao utilizar-se de uma interpretação de forma teleológica, podemos concluir que o casamento é uma comunhão lato sensu da vida, na qual busca-se a felicidade pelos cônjuges.
Ora, para se constituir uma família tem-se como pilar não mais somente homem e mulher e sim amor familiar. Excluindo-se o conceito trazido pelo art. 1.723 que tratava como requisitos do casamento a convivência pública continua e duradoura. Frisa-se que a Constituição Brasileira veda qualquer tipo de discriminação em virtude do sexo no art. 3º, conforme abaixo transcrito:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Apesar de encontrar um enorme obstáculo constitucional, pelo mesmo só enquadrar como passível da união estável o homem e a mulher (art. 226, §3º, CF/88), o mesmo não veda os demais de serem possuidores de tal direito, fazendo uma interpretação in contrario sensu.
Art. 226, §3º 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
O Ministro Marco Aurélio na ADIN 4277 expressou de forma clara e evidente o direito ao reconhecimento da união homoafetiva ao dizer:
Se o reconhecimento da entidade familiar depende apenas da opção livre e responsável de constituição de vida comum para promover a dignidade dos partícipes, regida pelo afeto existente entre eles, então não parece haver dúvida que a Constituição Federal de 1988 permite seja a União Homoafetiva admitida como tal.
Vale citar aqui um importante e significativo parágrafo do livro de Pablo Stolze ao dizer “qualquer investigação científica que se faça na seara do direito de família, para bem cumprir o seu desiderato, deverá ser desprovida de prévias concepções morais e religiosas” (p. 475). Ou seja, não se trata aqui de análises religiosas, crenças, o que é ou não moral, mas sim de direitos pertencentes a uma sociedade a qual tem como acima um estado constitucionalmente dito como laico.
Destaca-se algumas posições de ministros do STF no julgamento da ADIN 4277, as quais provocam uma importante reflexão no modo de enxergar o direito aqui tutelado:
Daremos a esse segmento de nobres brasileiros, mais do que um projeto de vida, um projeto de felicidade.
O texto acima foi retirado do voto do ministro Luiz Fuz e é bastante objetivo, mas de uma profundidade sem tamanho. Afinal, reconhecer que o direito a formação de uma unidade familiar consiste em viver com a pessoa que você escolheu para amar e passar o resto da sua vida ao lado dela, e isso consiste no direito a ser feliz o qual pertence a todos.
O Supremo restitui [aos homossexuais] o respeito que merecem, reconhece seus direitos, restaura a sua dignidade, afirma a sua identidade e restaura a sua liberdade.
Acima destacou-se parte do voto proferido pela ministra Ellen Gracie, e toma como base o princípio da dignidade humana o qual é assegurado a toda sociedade, visto que é o mínimo para se viver bem – o que deveria ser acessível a todos.
O Ministro Celso Peluso reforça a ideia de que precisa haver por parte do Legislativo um posicionamento a fim de atender os anseios dessa minoria que atinge milhões de brasileiros e tem como consequência nada além do que assegurar a construção de um país melhor. Abaixo transcreveu-se parte do voto do ministro:
Da decisão da Corte folga um espaço para o qual, penso eu, que tem que intervir o Poder Legislativo”, disse o ministro. Ele afirmou que o Legislativo deve se expor e regulamentar as situações em que a aplicação da decisão da Corte será justificada também do ponto de vista constitucional.
O dificultador do reconhecimento do devido direito encontra-se na lacuna legislativa brasileira, visto que a mesma não tratou de criar nenhuma lei que possa regulamentar e expressar definitivamente o direito de um casal homoafetivo em ter a união estável reconhecida e os direitos e obrigações advindos da união.
2.2 Casamento Civil Homoafetivo
Após o reconhecimento da união estável homoafetiva iniciou-se uma nova luta social para o reconhecimento do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. O primeiro país a reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo, incluindo divórcio e direito a adoção, foi a Holanda no ano de 2000, alegando que o “casamento pode ser contraído por duas pessoas diferentes ou do mesmo sexo”, informação extraída do site http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/06/veja-lista-de-paises-que-ja-legalizaram-o-casamento-gay.html
Antes do Brasil, 11 países já reconheciam o casamento entre pessoas do mesmo sexo. E atualmente a lista já contempla 23 países tendo os Estados Unidos entrado para o rol mais recentemente, em 2015 e a Alemanha ainda nesse ano de 2017.
Um dado curioso é que na África, a homossexualidade é criminalizada em cerca de 30 países, no entanto, na contramão, a África do Sul foi o quinto país a reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo, no ano de 2006, muito antes do Brasil. Informação extraída do site http://justificando.cartacapital.com.br/2017/06/30/alemanha-legaliza-casamento-homoafetivo-veja-quais-paises-no-mundo-ja-legalizaram/
Como bem conceitua Maria Cláudia Brauner em seu livro O Pluralismo no Direito de Família Brasileiro: Realidade Social e Reinvenção da Família:
Como efeito, o reconhecimento da pluralidade de formas de constituição de família é uma realidade que tende a se expandir pelo amplo processo de transformação global, repercutindo na forma de tratamento das relações interindividuais. A reivindicação e o reconhecimento de direitos de igualdade, respeito à liberdade e à intimidade de homens e mulheres, assegura a toda pessoa o direito de constituir vínculos familiares e de manter relações afetivas, sem qualquer discriminação.
Foi reconhecido no Brasil, através do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277, julgada no ano de 2011, e arguição de descumprimento de preceito fundamental 132, o direito ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
No entanto, na prática, mesmo depois dessa decisão acima citada, vários estados não tinham julgamento uniformes, chegando, inclusive, a relatos de vários cartórios se negarem a realizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
A partir da Resolução do CNJ nº 175/2013 obrigou-se os Cartório a realizar o casamento de casais do mesmo sexo. Essa Resolução foi fundamental para solidificar um entendimento e uniformização dos magistrados de que o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo além de ser direito é uma obrigação a ser cumprida por qualquer cartório, vedando a negativa.
No entanto, mesmo com o posicionamento do STF e com a Resolução do CNJ ainda existem cartórios em regiões que se negam em reconhecer esse direito aos casais homoafetivos. Na tentativa de combater esse embate e proporcionar o acesso a um direito já assegurado, em 2015 o TJ/SC em conjunto com a Associações Civis Não Governamentais conseguiram realizar casamento homoafetivos sem encargos para os cônjuges, realizando um total de 40 casórios, contudo no ano de 2016 o número caiu para 12 casamentos. Informação extraída do site http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84740-lei-sobre-casamento-entre-pessoas-do-mesmo-sexo-completa-4-anos.
Contudo, apesar da Corte Superior brasileira, a qual tem como objetivo principal defender a Constituição Federal e resguardar o cumprimento de preceitos fundamentais, ter se manifestado de forma definitiva sobre o reconhecimento do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, tal orientação – mais que isso, é uma obrigação – não foi cumprida pelos demais órgãos. Para isso, o CNJ manifestou-se de forma clara e também definitiva, ao editar a Resolução supracitada dando maior ênfase ao direito de pessoas do mesmo sexo se casarem civilmente, e os respectivos direitos derivados do casamento. E ainda assim, ainda há descumprimento, conforme prelecionou Maria Berenice Dias em seu livro União Homoafetiva – Preconceito e Justiça abaixo destacado:
A negativa de lavratura do ato registral tinha dois fundamentos: a vedação de avenças contrárias à moral e aos bons costumes e a ausência de lei reconhecendo a validade do objeto do contrato. A justificativa, às claras, encobria postura preconceituosa e discriminatória, já que não há ilicitude ou ilegalidade nas uniões homoafetivas.
Percebe-se uma forte resistência por parte da população em cumprir com regras estabelecidas, prejudicando os demais cidadãos, que apesar de serem encarados como minoria, não podem ter seus direitos suprimidos, esquecidos ou descumpridos. Entende-se a necessidade de uma coação estatal para coibir atitudes que possam privar essa minoria em ter seus direitos assegurados, não dando margem para exclusão social.
3. ADOÇÃO
A adoção é um dos institutos ditos de longe como um dos mais antigos, não se tratando apenas referente a pessoa, mas sim também de grupos e outras espécies (escravos, animais, etc). Os romanos criaram a adoção denominada ad-rogação que ocorria em espaços abertos diante da população com autorização dos governantes. O instituto foi evoluindo até chegar no conceito hodiernamente o qual será posteriormente explorado.
Antigamente havia a ideia de que para uma família ser considerada como completa e ter sua função social, era necessário a existência de, pelo menor, um filho. Muitas mulheres, inclusive, eram malvistas pela sociedade por não terem filhos e isso era causa de separação, aceita até pela Igreja. Com isso, muitas crianças eram adotadas de forma informal, pois ninguém poderia saber.
Na legislação pátria a adoção surgiu na verdade como uma solução para o concubinato, em 1916, já que as mulheres desquitadas não poderiam morar com o novo marido. Ressalta-se que a adoção estipulada no Código Civil de 1916 era somente destinada aos maiores de 18 anos.
Com o surgimento da Constituição de 1988 criou-se o princípio da igualdade entre os filhos, não importando o vínculo biológico. Portanto, o adotado e o filho biológico passam a ter os mesmos direitos, sendo expressamente proibido qualquer discriminação entre o adotado e o filho biológico, conforme preleciona o artigo 227, §6º da CF/88.
Art. 226, §6º – Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Nos anos 90, com o surgimento do ECA (lei 8.069/90) introduziu-se um regulamento para o processo de adoção aos menores de 18 anos (chamados de crianças e adolescentes). E a partir do ano de 2009 através da lei 12.010 a adoção de maiores de 18 anos passou a ter a aplicação subsidiária da lei do ECA, deixando-se de lado o Código Civil.
4. Requisitos para adoção
O ECA definiu uma forma mais organizada de se realizar a adoção no Brasil, e em 2008 o CNJ criou um cadastro nacional de adoção – conhecido como CNA – como ferramenta “digital que auxilia os juízes das Varas da Infância e da Juventude na condução dos procedimentos dos processos de adoção em todo o país”. (texto extraído do site http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/cadastro-nacional-de-adocao-cna)
Há de se falar que com o advento do ECA a fim de se evitar o desvirtuamento do principal objetivo da adoção foram criadas algumas dificuldades, como por exemplo, a diferença de idade entre o adotado e o adotante a qual deve ser de no mínimo 16 anos, entre outros estabelecidos no art 42:
Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil.
1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.
2º Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família.
3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando.
4º Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão.
A partir desse rol de requisitos para a adoção, apesar de possuir uma lógica funcional, também proporcionou uma certa demora no processo de adoção ocasionando em alguns casos até a desistência em iniciar um processo de adoção. Estima-se que no Brasil existem mais de 36 mil crianças morando em abrigos para adoção e apenas 6 mil estão aptas para serem adotadas – informação retirada do site https://direitodiario.com.br/adoca-no-brasil-ha-mais-familias/ – isto porque os adotantes fazem exigências as quais a maioria das crianças que vivem em abrigos não as preenchem.
Ou seja, não é que não exista vontade em adotar, visto que existe, e muita – há cerca de 35 mil pais inscritos no CNA (cadastro nacional de adoção) – no entanto, devido as exigências serem incompatíveis com as crianças a serem adotadas, e muita culpa dessa incompatibilidade é do poder judiciário que demora para fazer o processo de destituição do poder familiar e as crianças envelhecem, não atendendo mais um dos principais requisitos por parte dos adotantes que é a baixa idade.
4.1 A adoção por casais homoafetivos
O direito é nutrido de evoluções constantes na sociedade e a sua adequação a realidade fática. Assim, o Poder Judiciário brasileiro percebendo a enorme demanda litigiosa envolvendo relações homoafetivas, entendendo que não poderia mais procrastinar sua decisão, resolveu posicionar-se e inovou o entendimento de família, trazendo consigo suas consequências jurídicas, como o direito ao registro civil, direito à herança, direito à pensão, e, um dos mais comemorados, o direito à adoção no qual vimos no tópico anterior em seus requisitos não há nada que exclua os homossexuais a participarem de um processo de adoção.
A Constituição é uma norma em constante flutuação e a sua interpretação sempre deve ser volátil para se adequar a norma ao seu tempo. Caso contrário, teremos apenas um texto normativo que certamente cairá no desuso perante as inovações do cotidiano. Portanto, fez-se necessário a utilização da técnica da interpretação conforme a qual consiste uma interpretação de uma norma infraconstitucional em conformidade com a Constituição, considerando-se, também, seus princípios e direitos fundamentais.
Logo, se todos são iguais não importando o sexo, a cor, a idade ou a religião – como preleciona o 3º da CF/88, não poderíamos, ainda de que por forma mais grave, não havendo lei que coíba, a adoção de uma opção diversa da orientação heterossexual, seria o ato mais cruel de uma interpretação de uma lei, visando apenas um lado discriminatório. A lei autoriza atos específicos de discriminação relacionadas ao sexo, denominada discriminações positivas – como por exemplo nos casos de concursos públicos o qual em seu edital prevê a discriminação e expõe sua justificativa.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
O STJ, em 2010 manteve uma decisão do Tribunal do Rio Grande do Sul a qual permitiu a adoção de uma criança por um casal homoafetivo, através de decisão unânime conforme abaixo destacou-se:
CASAMENTO. PESSOAS. IGUALDADE. SEXO. In casu, duas mulheres alegavam que mantinham relacionamento estável há três anos e requereram habilitação para o casamento junto a dois cartórios
de registro civil, mas o pedido foi negado pelos respectivos titulares. Posteriormente, ajuizaram pleito de habilitação para o casamento perante a vara de registros públicos e de ações especiais sob o argumento de que não haveria, no ordenamento jurídico pátrio, óbice para o casamento de pessoas do mesmo sexo. Foi-lhes negado o pedido nas instâncias ordinárias. (REsp 1.183.378 – RS).
O STF, reforçou tal entendimento através da RE 846102. Vale ressaltar que tal matéria chegou até o conhecimento do Supremo por provocação do Ministério Público do Paraná, o qual queria estabelecer idade mínima para que um casal homoafetivo pudesse adotar, e a idade seria de 12 anos – assim a criança poderia opinar se gostaria ou não de ser adotada.
Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia cita trecho do voto do Ministro Carlos Ayres Britto, no qual consiste “Sem nenhuma ginástica mental ou alquimia interpretativa, dá para compreender que a nossa Magna Carta não emprestou ao substantivo “família” nenhum significado ortodoxo ou da própria técnica jurídica. Recolheu-o com o sentido coloquial praticamente aberto que sempre portou como realidade do mundo do ser”.
Ante o exposto, denota-se claro o preconceito ainda enraizado em nossas bases societárias o qual está disseminado em diversos órgãos estatais. Afinal, o Ministério Público tem como dever o de fiscalização do cumprimento da lei, e ao entrar com um recurso a fim de obstruir um direito já pacificado nos órgãos superiores demonstra que o mesmo não busca fiscalizar a lei, mas apenas impedir o acesso de uma minoria a um direito constitucionalmente assegurado – que é o direito a uma família, direito a adoção.
Ao tomar essa atitude o Ministério Público não somente prejudica um casal homoafetivo mas também uma criança que busca incansavelmente por um lar, com amor, respeito, carinho, educação, independentemente do sexo quem lhe promove tais virtudes.
CONCLUSÃO
Desta forma, entende-se que o direito a se ter construir uma família através de um casamento civil socioafetivo ou união estável não foi algo fácil e rápido de se conquistar. Anos de luta e sofrimento marcam essa galgada histórica de mudanças de preceitos enraizados na sociedade brasileira.
Frisa-se que as conquistas até aqui narradas são apenas marcos iniciais de uma luta que ainda precisa continuar, apesar de já possuir reconhecimentos de Tribunais Superiores, mas vê-se que ainda há muita relutância em aceitar tais direitos por determinada parte da sociedade.
Não obstante, vale ressaltar a importância de ONGs para dar suporte juntamente com o poder judiciário forte em busca de assegurar os direitos resguardados serem respeitados por todos para se enfim conseguir erradicar atitudes preconceituosas da sociedade. Mas sabe-se que ainda falta muito para tal.
O pontapé inicial para que o direito a adoção por casais homoafetivos pudesse hoje ser assegurado foi justamente o reconhecimento da união estável de casais homoafetivos, visto que a partir disso gera-se o direito ao casamento civil e, consequentemente, o direito a família, sendo, portanto, a adoção uma das formas da constituição de uma família.
Com isso, percebe-se a necessidade da elaboração de uma lei que garanta de forma eficaz o direito ao casamento civil, união estável e adoção aos homoafetivos, bem como os direitos e obrigações decorrentes desses institutos. Além de também prever as sanções para casos de não cumprimento das obrigações legais estipuladas na lei.
Essa seria uma das formas de se coibir atitudes que buscam cercear o acesso a esses institutos por casais homoafetivos, investimento em uma educação mais inclusiva e campanhas midiáticas também servem como incentivos para a construção de uma empatia social e a busca de uma sociedade mais equilibrada e justa.
Sendo assim, denota-se a importância de não apenas aqueles beneficiados diretamente pelas mudanças nas leis, mas também por toda uma sociedade que possui empatia pela causa em unir-se a esta luta e dar mais força a um movimento que beneficia aparentemente uma minoria, mas que pode provocar mudanças significativas na construção de um país melhor.
REFERÊNCIAS
BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. O Pluralismo no Direito de Família Brasileiro: Realidade Social e Reinvenção da Família . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
DIAS, Maria Berenice. Comentários – Família pluriparental, uma nova realidade . Disponível em http://www.lfg.com.br. Acessado em: 06 de novembro de 2017.
DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva – Preconceito e Justiça . 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito de Família . 22. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil – Direito de Família: as famílias em perspectiva constitucional . 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito Civil Aplicado, volume 5: Direito de Família . São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e o novo código civil . Belo Horizonte: Del Rey/IBDFAM, 2002.
http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/cadastro-nacional-de-adocao-cna (acessado em 06/11/2017)
https://direitodiario.com.br/adoca-no-brasil-ha-mais-familias/ (acessado em 06/11/2017)
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/06/veja-lista-de-paises-que-ja-legalizaram-o-casamento-gay.html (acessado em 07/11/2017)
http://ibdfam.org.br/assets/img/upload/files/Estatuto%20das%20Familias_2014_para%20divulgacao.pdf (acessado em 07/11/2017)
http://justificando.cartacapital.com.br/2017/06/30/alemanha-legaliza-casamento-homoafetivo-veja-quais-paises-no-mundo-ja-legalizaram/ (acessado em 06/11/2017)
[1] Formada em Direito na Faculdade Martha Falcão. Especialista em Advocacia Trabalhista pela ANHANGUERA – Uniderp.
[2] Formado em Direito no CIESA. Especialista em Ciências Penais pela ANHANGUERA – UNIDERP.
Reproduzido por: Lucas H.
Nenhum comentário:
Postar um comentário