RIO - Quando teve a primeira filha, há cinco anos, o técnico em relações trabalhistas da CEG Raul Rodrigo Caprilles, de 41 anos, praticamente nem sentiu a licença-paternidade. Letícia nasceu na sexta-feira de carnaval e ele retornou ao trabalho na Quarta-feira de Cinzas, acompanhando o restante dos funcionários. Com a segunda filha, Laís, a história foi diferente: a empresa já tinha adotado a licença estendida e ele pôde ficar 20 dias com a família.
— Este prazo foi fundamental, já que Letícia estava em recesso escolar. Pude apoiar mais nos cuidados do dia a dia da recém-nascida e cuidar exclusivamente da mais velha — explica ele.
O caso de Raul é raro. O mundo mudou, mas o mercado corporativo ainda anda a passos lentos. O aumento da licença-paternidade de cinco para 20 dias foi adotado por apenas por 12% das 160 mil companhias que podem fazer parte do programa Empresa Cidadã — as que declaram os impostos sobre o Lucro Real. A extensão está prevista em lei sancionada no ano passado pela então presidente Dilma Rousseff. Para poder gozar deste prazo, os pais devem fazer um curso sobre paternidade responsável. E as companhias podem deduzir do Imposto de Renda.
— A intenção é possibilitar que haja integração na função paterna. E se o pai não tem esta oportunidade neste começo, mais tarde fica cada vez mais difícil. Esta legislação visa o social: é comprovado que as crianças que recebem atenção dos pais neste início da vida são cidadãos menos propenso aos vícios de álcool e drogas. Ou seja, beneficia toda a sociedade — defende Daniela Muller, diretora da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da Primeira Região (Amatra1).
Para ela, as empresas que se adequam à licença de 20 dias estão imbuídas na promoção da equidade de gênero. Afinal, segundo o IBGE, as mulheres representam 43,8% de todos os trabalhadores brasileiros, e é injusto a demanda doméstica ficar só sob responsabilidade feminina.
As companhias que optaram pela licença estendida contabilizam o retorno positivo, como aumento da retenção de talentos e do comprometimento dos funcionários. Algumas como a Natura vão além. Desde o ano passado, a empresa ampliou para 40 dias de licença-paternidade. A iniciativa vale também para casais do mesmo sexo e em casos de adoção.
—A discussão sobre a ampliação da licença acontecia desde 2015. Acreditamos que esse período ao lado da família é fundamental para a qualidade de vida dos nossos colaboradores — diz Flavia Pilan, gerente-sênior de Recursos Humanos da companhia, afirmando que 91% dos colaboradores optaram pela licença de 20 dias ou mais.
Leonardo Garnica, gerente de Inovação, foi um dos primeiro a aproveitar o prazo maior concedido pela Natura. E acredita que isto foi importantíssimo para a sua relação com Benjamim, que completou um ano recentemente.
— Criei um vínculo muito importante com meu filho e aprendi a me doar mais — considera ele.
Na Marsh, empresa de corretagem de seguros, desde julho os pais têm direito a ficar 35 dias fora após o nascimento.
— Na licença de cinco dias, é o tempo que a mãe ainda está no hospital. Então, efetivamente, ele fica um ou dois dias com o bebê em casa. Nosso objetivo é proporcionar um ambiente mais igual e equilibrado — explica Valma Prioli, diretora de Recursos Humanos da Marsh Brasil.
Nascida no final de julho, Carolina, filha do coordenador de suporte de TI da companhia, Rafael de Azevedo Barbosa, de 35 anos, pôde ficar um bom período com o pai.
— Está sendo fundamental ficar estes primeiros dias para cuidar de casa e do bebê. Passar por este período mudou completamente minha visão sobre a paternidade — afirma ele, que só entra no grupo de WhatsApp do trabalho para postar fotos da cria.
Para as empresas que ainda não se adequaram — na época da sanção, a Confederação Nacional da Indústria foi contra, alegando custos maiores e perda de produtividade — Marcos Piangers, escritor e especialista em paternidade, dá o seu recado:
— A licença-paternidade de apenas cinco dias é um sinal social para o homem de que ele não precisa participar da criação dos filhos. Isto é injusto com a mulher e com ele também. Peço às empresas que a licença seja revista e mostrem que criar filhos é uma obrigação e um direito de todo pai — diz ele, que escreveu o livro “O papai é pop”.
Hoje, Victor Mendonça, gerente sênior da Área Tributária da Tim, vai comemorar seu primeiro dia dos pais de uma forma especial. Os gêmeos Bento e Maria Helena acabaram de ir para casa depois de ficarem um período no hospital.
— Se fossem só os cinco dias de licença, nem ia conseguir ficar com os nenéns no colo durante o período de internação. Com este tempo a mais, consegui estabelecer um contato com as crianças — relata ele.
A ideia de que as mulheres são as principais cuidadoras dos filhos está por trás da resistência corporativa na licença estendida, acredita Mariana Azevedo, coordenadora do Instituto Papai.
— A lei dos 20 dias ampliou a discussão sobre o papel do pai, mas é insuficiente. Ainda mais porque não é um direito amplo dos trabalhadores formais, atinge um número limitado de homens — lembra ela.
PEC PARA DIVISÃO ENTRE OS PAIS
Está em tramitação no Senado o projeto de lei 151/2017, que visa aumentar a licença-maternidade para 180 dias e permitir que a funcionária compartilhe até 60 dias com o cônjuge. Já proposta de emenda à constituição (PEC) 16/2017 estabelece que haja um acordo entre a mãe e o pai para dividir o período para cuidar do filho recém-nascido ou recém adotado.
— Isto tornaria a divisão do casal mais equilibrada. Até porque a mulher, com o afastamento maior, fica mais vulnerável no mercado do trabalho — diz a juíza Daniela Muller, da Amatra1, citando uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas que mostra que, dois anos depois da licença-maternidade, metade das ex-gestantes perde o emprego.
No Brasil, as barreiras da licença-paternidade passam por fatores culturais. Mesmo em companhias que implementaram o prazo maior, alguns homens não querem gozar deste benefício por medo de serem “malvistos” pelos colegas.
— Quando a empresa tem a política, já facilita para que o profissional usufrua desse direito sem melindres. Além disso, ele colabora com a organização tornando-a um ambiente mais atrativo e saudável para se trabalhar. Mas o ponto principal é que ele poderá assumir um protagonismo maior na vida familiar fazendo tarefas importantes nesse período inicial em que a família ainda está em adaptação — afirma a consultora de carreiras da LLH, Cristina Fortes, lembrando que em países desenvolvidos como Islândia, Noruega e Suécia, os homens tiram cerca de 90 dias há mais de 20 anos.
Enquanto não chegamos a este nível de maturidade, ela aconselha que o profissional, para se sentir mais à vontade, apresente para a organização seu planejamento de período de afastamento, diminuindo os impactos da sua ausência e facilitando a vida de quem assumirá temporariamente suas funções.
Foi o caso de Carlos Martella, gerente nacional de vendas diretas da Mars, multinacional de alimentos, que relata que teve todo o suporte da empresa para tirar seus 20 dias de licença, ao delegar suas funções a outros profissionais.
— O planejamento fez com que a equipe tivesse um norte na ausência do gestor. Mas é preciso que cada profissional saiba ler a cultura corporativa de cada companhia. No meu caso, não houve constrangimento, pois a empresa é familiar e tem uma série de programas voltados ao bem-estar dos funcionários — relata.
REGRAS DE LICENÇA
1- A prorrogação da licença-paternidade de cinco para 20 dias é concedida tanto a servidores públicos federais quanto para empregados de empresas privadas, desde que o trabalhador peça o benefício no prazo de dois dias úteis após o nascimento do filho. A medida também vale para pais de filhos adotivos, desde que a criança tenha até 12 anos completos.
2- A nova licença-paternidade só vale para os empregados das empresas que fazem parte do Programa Empresa Cidadã. Essa parcela já concede também o período estendido de seis meses de licença-maternidade, em vez dos quatro obrigatórios por Lei. O programa oferece como contrapartida à empresa a vantagem de poder deduzir de impostos federais a remuneração integral da pessoa em licença.
3- O pedido de adesão é feito exclusivamente na página da Secretaria da Receita Federal do Brasil na internet.
4- O profissional não pode fazer outro tipo de trabalho durante a licença nem na prorrogação dela, sob a possibilidade de perda do direito ao benefício. Para servidores, os dias de ausência passam a contar como falta.
5- O salário tanto a licença-maternidade quanto a licença-paternidade garantem a remuneração integral no período de ausência no trabalho, inclusive na prorrogação.
Fonte: Amatra 1
Reproduzido por: Lucas H.
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