15 de setembro de 2017
Agressões verbais ou físicas, menosprezo, expectativas e cobranças altas. Falta de carinho. O leque de violências praticadas pelos chamados “pais tóxicos” costuma levar para a vida adulta pessoas que se julgam privadas de beleza, competência e inteligência — qualidades que, acreditam, poderiam lhes garantir amor e reconhecimento. Nos Estados Unidos, casal foi condenado nesta semana a cinco anos de liberdade condicional após publicar vídeos dos filhos sofrendo constrangimentos e abusos psicológicos.
Num cenário em que o dia a dia da criança é uma rotina de medo e angústia, é comum que vítimas desses traumas cheguem à vida adulta sofrendo com a depressão, o pânico e a ansiedade.
Os casos de convívio tóxico são muitos, mas num mundo em que problemas familiares são em geral jogados para baixo do tapete, poucos são revelados. Um desses é o da bancária Maria Clara: “Em casa não havia afeto, nem incentivo. Meu pai estava sempre fora, viajando, e minha mãe trabalhava duro para bancar as despesas. Não havia agressão física, mas eu e minha irmã éramos deixadas de lado. Meus pais brigavam feio e nós tínhamos medo, pavor de tudo. E eu passava mal do estômago. Um episódio não esqueço. Fui premiada com o segundo lugar de melhor aluna entre todas as turmas do terceiro ano escolar. Quando contei ao meu pai ouvi isso: ‘não é o primeiro lugar’.
Outra história, essa de peso internacional, é antiga. Christina Crawford, filha adotiva da estrela de Hollywood Joan Crawford (1906-1977), foi vítima de uma mãe alcoólatra, ríspida e abusiva. Christina cresceu e contou sua história no livro “Mamãezinha querida (Mommie Dearest)”. Um escândalo. Afinal estava ali o relato do que tornou a infância de Christina puro sofrimento. A história envolvendo uma celebridade foi levada às telas nos anos de 1980, tendo a atriz Faye Dunaway como intérprete de Joan Crawford.
Traumas e doença
“Os pais tóxicos não são necessariamente os pais biológicos, mas muitas vezes cuidadores que oprimem severamente as crianças, como avós rígidos, funcionários, e/ou familiares que se tornam referências de autoridade”, explica o psicólogo clínico e neurocientista Julio Peres.
E mais: adultos que sofreram o chamado duplo vínculo (trazer duas ou mais informações, e ainda emoções diferentes para a mesma situação) podem manifestar, na idade adulta, insegurança e ansiedade severas. Exemplos de situações vivenciadas no convívio com pais tóxicos: Num momento é permitido ao filho tomar o sorvete que gosta, no outro não é permitido, sem maiores explicações. Ou, num dia o amiguinho é bem-vindo à casa, no outro a mãe tem uma crise só de ouvir o pedido do filho. “Nessa situação a criança nunca sabe o que esperar e nem como agir”, lembra Peres, que chama atenção para o tipo de repercussão provocada por esse tipo de conduta dos pais em relação ao filho: “quando a percepção legítima e coerente da criança diante de uma situação objetiva é atacada pelos pais tóxicos, a mesma é fragilizada porque não pode mais confiar em suas leituras de mundo, mas na distorção dos pais”.
Novo caminho
Traumas motivados por maus tratos e abusos cometidos por pais e responsáveis pelas crianças são problemas de solução difícil, como atesta Julio Peres: “Tenho observado na minha clínica vários casos de profissionais extremamente bem-sucedidos, que sofreram infâncias muito difíceis por terem pais tóxicos e, assim, desenvolveram estratégias de sobrevivência que não ‘desarmaram’ até hoje, como se continuassem em guerra e não fosse possível desfrutar a vida”.
Mesmo diante dessas dificuldades, psicólogos e psiquiatras começam a reconhecer o trauma como uma oportunidade para os indivíduos transformarem suas vidas para melhor. Em sua experiência de atendimento e tratamento a essas vítimas, Julio Peres tem comprovado alterações nas atividades cerebrais dos pacientes que se submeteram à psicoterapia em seus estudos feitos com neuroimagem. Os ganhos foram comprovados, o que aponta para chances de superação de traumas e nova perspectiva de vida futura.
Fn | Atelier Com,.
Original disponível em: http://jornaldiadia.com.br/2016/?p=332661
Reproduzido por: Lucas H.
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