26/12/2017
Se fica mais difícil ser adotado com o passar da idade, uma consequência disso é que alguns adolescentes acolhidos completam 18 anos em abrigos. O que acontece, então, com quem chega à maioridade sem ser adotado? A partir dessa idade, o jovem deve deixar o local, mas ele não é abandonado. Foi o que aconteceu este ano com 11 adolescentes no Estado. ]
O psicólogo da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja) Helerson Silva explica que "existem as previsões legais das repúblicas", que seriam como abrigos para jovens adultos egressos. "É uma casa em que eles moram e o poder público paga e dá o suporte para esse início de vida."
Esse é o caso do estudante e bailarino Lelson da Silva Cunha, 18. Ele viveu em abrigos da Serra e de Vitória, onde alcançou a maioridade este ano. “Quem não tem ainda o apoio que precisa para se manter sozinho é encaminhado para uma república, um lar como qualquer outro em que jovens dividem espaço”, diz.
Ele tem o apoio de assistente social e psicólogo para dar retaguarda ao seu dia a dia. E é preciso seguir regras de convivência. “Se eu for dormir fora, tenho que comunicar à coordenadora do abrigo. Ela é tipo uma mãe. Ela vem, visita, vê se eu estou bem, verifica se estou indo para a escola e para o estágio, se a casa está limpa...”, conta Lelson.
As repúblicas estão conectadas aos abrigos e são, geralmente, geridas pelos municípios, cada um com sua estrutura.
INDEPENDÊNCIA
“Quando não conseguimos restabelecer os laços ou que seja adotado, trabalhamos a independência deles”, diz Márcia Barcellos, gerente de proteção social especial de alta complexidade da Prefeitura de Vitória.
Os adolescentes são encaminhados para cursos profissionalizantes (alguns pagos por padrinhos dos acolhidos), estágios, trabalhos. Nos abrigos, são incentivados a guardar o dinheiro que ganham com os trabalhos. “O jovem pode pedir o desligamento da república a qualquer momento. Mas ele tem até os 21 anos para sair. Nem todos os municípios têm essa rede completa”, diz Márcia.
Willian Hermano de Oliveira, 18, também passou pelo incentivo à independência, mas em abrigos de Vila Velha. “Fui jovem aprendiz, fiz curso no Senac. Hoje trabalho numa empresa de auxiliar administrativo. E meu sonho, por enquanto, é ter meu próprio negócio.” Hoje ele cursa Administração em uma faculdade de Vila Velha.
Inicialmente, seus planos eram dividir o lar com um amigo que também completaria 18 anos em 2017. Mas foi surpreendido pelo convite de um casal que já o apadrinhava havia anos. Tanto que já tinha passado com eles quatro natais. “Eles falaram: ‘Não vamos te obrigar, vamos te dar a opção de vir morar com a gente, ter suas coisas, construir sua vida, ter o que você quer’. Aceitei”, conta Willian, que hoje vive com os padrinhos.
Há casos de adolescentes que continuam no abrigo após completarem a maioridade. Geralmente são jovens com comprometimento de saúde, de doença mental severa, e que não têm para onde ir. “O ideal é que eles sejam transferidos para uma instituição e lá possam cuidar deles em caso de doenças severas e incapacitantes. Alguns municípios têm isso estruturado, outros não”, lamenta o psicólogo da Ceja.
"NÃO VIA MAIS VONTADE DE SER ADOTADO"
"Não conheci meus pais. Nasci em 1999. Em 2000, ou 2001, minha mãe faleceu e eu e meus irmãos (dois meninos e uma menina) fomos morar num orfanato. Lá, alguns eram transferidos, mas a maioria saía por adoção mesmo. Pedi para ir para uma casa com adolescentes no ano passado e fui morar em outro abrigo em Vila Velha. Eu já tinha pensando (em ser adotado) há muito tempo, mas aí quando cheguei aos 12, 13 anos, já não pensava mais. Não via mais vontade de ser adotado. E eu gostava muito do orfanato onde eu morava. Eu já estava à vontade, via lá como minha casa, não queria sair. Quando eu tinha 8, 7 anos, tinha vontade de ser adotado. Não fiquei chateado. Era algo natural. Passou pela minha cabeça, saiu e foi embora. Eu continuo indo nesse último orfanato que eu morava sempre que dá. Fico com os grupos de meninos que estão lá ainda. Chamo para jogar bola, levo vídeo game para jogar comigo, fico o tempo que dá. Aconselho bastante as pessoas a irem lá. É muito bom. Já convenci muita gente a ir, inclusive no meu trabalho. Aconselho a ir, a visitar, a ver. E eu penso em adotar, ter um filho e adotar. Sempre pensei nisso.”
Willian Hermano de Oliveira, 18 anos
"O QUE EU TENHO QUE EU TAMBÉM NÃO VOU EMBORA?"
“Minha mãe faleceu quando eu tinha 7 anos. Meu pai levou a mim e minhas três irmãs para morarmos em Vitória, com uma tia. Ele já tinha envolvimento com drogas em São Mateus e só continuou. Depois fomos para a Serra, mas os problemas continuaram, então os vizinhos chamaram o Conselho Tutelar. Primeiro levaram as minhas duas irmãs mais velhas. Depois, fomos eu e minha irmã mais nova. Adolescente, como não aguentava mais essa vida de abrigo, fugi e fui morar com uma amiga. A mãe dela pegou minha guarda, mas não deu certo. Eu tinha um dinheiro guardado porque era jovem aprendiz. Quando acabou, a mãe da minha amiga queria que eu parasse o balé para vender coisas na rua. Cheguei a ficar sem ir para a escola porque ela não me dava dinheiro. Aí procurei a Vara da Infância e voltei para o abrigo. Viver em abrigo tem seu lado bom e ruim. Tem pessoas que só passam na sua vida. Todo abrigo tem educador e sempre trocam, o seu psicológico parece que vai explodir. Estou nessa vida desde os 8 anos. Você vê crianças sendo adotadas e você ficando lá. Acaba criando várias coisas no seu psicológico. Tipo, ‘o que eu tenho que eu também não vou embora?’. Você acaba pensando mil formas de ‘o que tem errado comigo?’. Vi vários amigos meus indo embora, indo para fora ou dentro do país mesmo. E naquela época eu não tinha a maturidade que tenho hoje. Sempre tive um desejo de ser adotado, mas por causa da minha idade, acabei não conseguindo. Hoje quero terminar o ensino médio, estou no segundo ano, fazer faculdade de Educação Física e encarar o mundo da dança.”
Lelson da Silva Cunha, 18 anos
Se fica mais difícil ser adotado com o passar da idade, uma consequência disso é que alguns adolescentes acolhidos completam 18 anos em abrigos. O que acontece, então, com quem chega à maioridade sem ser adotado? A partir dessa idade, o jovem deve deixar o local, mas ele não é abandonado. Foi o que aconteceu este ano com 11 adolescentes no Estado. ]
O psicólogo da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja) Helerson Silva explica que "existem as previsões legais das repúblicas", que seriam como abrigos para jovens adultos egressos. "É uma casa em que eles moram e o poder público paga e dá o suporte para esse início de vida."
Esse é o caso do estudante e bailarino Lelson da Silva Cunha, 18. Ele viveu em abrigos da Serra e de Vitória, onde alcançou a maioridade este ano. “Quem não tem ainda o apoio que precisa para se manter sozinho é encaminhado para uma república, um lar como qualquer outro em que jovens dividem espaço”, diz.
Ele tem o apoio de assistente social e psicólogo para dar retaguarda ao seu dia a dia. E é preciso seguir regras de convivência. “Se eu for dormir fora, tenho que comunicar à coordenadora do abrigo. Ela é tipo uma mãe. Ela vem, visita, vê se eu estou bem, verifica se estou indo para a escola e para o estágio, se a casa está limpa...”, conta Lelson.
As repúblicas estão conectadas aos abrigos e são, geralmente, geridas pelos municípios, cada um com sua estrutura.
INDEPENDÊNCIA
“Quando não conseguimos restabelecer os laços ou que seja adotado, trabalhamos a independência deles”, diz Márcia Barcellos, gerente de proteção social especial de alta complexidade da Prefeitura de Vitória.
Os adolescentes são encaminhados para cursos profissionalizantes (alguns pagos por padrinhos dos acolhidos), estágios, trabalhos. Nos abrigos, são incentivados a guardar o dinheiro que ganham com os trabalhos. “O jovem pode pedir o desligamento da república a qualquer momento. Mas ele tem até os 21 anos para sair. Nem todos os municípios têm essa rede completa”, diz Márcia.
Willian Hermano de Oliveira, 18, também passou pelo incentivo à independência, mas em abrigos de Vila Velha. “Fui jovem aprendiz, fiz curso no Senac. Hoje trabalho numa empresa de auxiliar administrativo. E meu sonho, por enquanto, é ter meu próprio negócio.” Hoje ele cursa Administração em uma faculdade de Vila Velha.
Inicialmente, seus planos eram dividir o lar com um amigo que também completaria 18 anos em 2017. Mas foi surpreendido pelo convite de um casal que já o apadrinhava havia anos. Tanto que já tinha passado com eles quatro natais. “Eles falaram: ‘Não vamos te obrigar, vamos te dar a opção de vir morar com a gente, ter suas coisas, construir sua vida, ter o que você quer’. Aceitei”, conta Willian, que hoje vive com os padrinhos.
Há casos de adolescentes que continuam no abrigo após completarem a maioridade. Geralmente são jovens com comprometimento de saúde, de doença mental severa, e que não têm para onde ir. “O ideal é que eles sejam transferidos para uma instituição e lá possam cuidar deles em caso de doenças severas e incapacitantes. Alguns municípios têm isso estruturado, outros não”, lamenta o psicólogo da Ceja.
"NÃO VIA MAIS VONTADE DE SER ADOTADO"
"Não conheci meus pais. Nasci em 1999. Em 2000, ou 2001, minha mãe faleceu e eu e meus irmãos (dois meninos e uma menina) fomos morar num orfanato. Lá, alguns eram transferidos, mas a maioria saía por adoção mesmo. Pedi para ir para uma casa com adolescentes no ano passado e fui morar em outro abrigo em Vila Velha. Eu já tinha pensando (em ser adotado) há muito tempo, mas aí quando cheguei aos 12, 13 anos, já não pensava mais. Não via mais vontade de ser adotado. E eu gostava muito do orfanato onde eu morava. Eu já estava à vontade, via lá como minha casa, não queria sair. Quando eu tinha 8, 7 anos, tinha vontade de ser adotado. Não fiquei chateado. Era algo natural. Passou pela minha cabeça, saiu e foi embora. Eu continuo indo nesse último orfanato que eu morava sempre que dá. Fico com os grupos de meninos que estão lá ainda. Chamo para jogar bola, levo vídeo game para jogar comigo, fico o tempo que dá. Aconselho bastante as pessoas a irem lá. É muito bom. Já convenci muita gente a ir, inclusive no meu trabalho. Aconselho a ir, a visitar, a ver. E eu penso em adotar, ter um filho e adotar. Sempre pensei nisso.”
Willian Hermano de Oliveira, 18 anos
"O QUE EU TENHO QUE EU TAMBÉM NÃO VOU EMBORA?"
“Minha mãe faleceu quando eu tinha 7 anos. Meu pai levou a mim e minhas três irmãs para morarmos em Vitória, com uma tia. Ele já tinha envolvimento com drogas em São Mateus e só continuou. Depois fomos para a Serra, mas os problemas continuaram, então os vizinhos chamaram o Conselho Tutelar. Primeiro levaram as minhas duas irmãs mais velhas. Depois, fomos eu e minha irmã mais nova. Adolescente, como não aguentava mais essa vida de abrigo, fugi e fui morar com uma amiga. A mãe dela pegou minha guarda, mas não deu certo. Eu tinha um dinheiro guardado porque era jovem aprendiz. Quando acabou, a mãe da minha amiga queria que eu parasse o balé para vender coisas na rua. Cheguei a ficar sem ir para a escola porque ela não me dava dinheiro. Aí procurei a Vara da Infância e voltei para o abrigo. Viver em abrigo tem seu lado bom e ruim. Tem pessoas que só passam na sua vida. Todo abrigo tem educador e sempre trocam, o seu psicológico parece que vai explodir. Estou nessa vida desde os 8 anos. Você vê crianças sendo adotadas e você ficando lá. Acaba criando várias coisas no seu psicológico. Tipo, ‘o que eu tenho que eu também não vou embora?’. Você acaba pensando mil formas de ‘o que tem errado comigo?’. Vi vários amigos meus indo embora, indo para fora ou dentro do país mesmo. E naquela época eu não tinha a maturidade que tenho hoje. Sempre tive um desejo de ser adotado, mas por causa da minha idade, acabei não conseguindo. Hoje quero terminar o ensino médio, estou no segundo ano, fazer faculdade de Educação Física e encarar o mundo da dança.”
Lelson da Silva Cunha, 18 anos
Original disponível em: https://www.gazetaonline.com.br/noticias/cidades/2017/12/o-que-acontece-ao-completar-18-anos-no-abrigo-1014112555.html
Reproduzido por: Lucas H.
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