Constituir uma família ou aumentar o rebanho é o desejo de pelo menos 3.208 casais ou pessoas que se inscreveram no Cadastro Único Informatizado de Adoção e Abrigo (Cuida) de Santa Catarina. Eles passaram por um processo rigoroso de entrevistas e análises e esperam, ansiosamente, pelo novo membro familiar. Uma criança que, possivelmente, está neste momento em um abrigo do Estado ou que ainda nem nasceu.
Dos mais de 3 mil inscritos com desejo de adotar, cerca de 80% quer um bebê recém-nascido ou com menos de três anos, saudável, sem irmãos, de etnia branca e que seja menina, explicou o advogado da Vara de Infância e Juventude de Florianópolis, Ênio Vieira Júnior. No entanto, o que se vê nos abrigos infantis é um cenário bem diferente.
De acordo com a Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja), até maio deste ano, 1.407 crianças e adolescentes, sendo 715 meninas e 692 meninos, eram atendidos em abrigos de Santa Catarina. Isso não significa que todos estão aptos à adoção. Boa parte deles foi separada de suas famílias temporariamente, e outros ainda não foram destituídos oficialmente. Segundo o Cadastro Nacional da Adoção (CNA), hoje, no Estado, 206 crianças e adolescentes estão aptos para a adoção. A maioria, quase 100%, segundo o CNA, tem acima de dez anos – o que dificulta o processo.
Os futuros pais são informados dessa situação ainda durante o processo de adoção. Em média, em Santa Catarina, o encaminhamento leva um ano. Quanto mais restrições no perfil da criança, no entanto, mais demorado será o andamento. O advogado Ênio Vieira lembra que um dos passos do processo é visitar os lares e abrigos. Não para escolher uma criança, como enfatizou, mas para conhecer a realidade, onde a maioria dos que esperam por uma família já tem idade e, muitas vezes, personalidade criada.
Campanha quer sensibilizar para o assunto
Juarez Monbelli, de 46 anos, que já tem um filho de 18 anos, decidiu que ainda tinha espaço no coração para mais um. Mesmo divorciado, mostrou interesse à Vara da Infância em adotar e nesta quarta-feira, participava do curso de habilitação realizado em Florianópolis. O perfil escolhido para o futuro herdeiro é diferente da estatística principal. Ele quer um menino, entre três e sete anos. Pelo perfil, espera-se que o processo de adoção seja um pouco mais rápido que os demais. Tanto que ele fez o pedido de adoção em julho, e em agosto, já estava realizando o curso.
— Tenho simpatia por crianças desta idade. E como eu já tenho um filho, já passei pelo início da criação de uma criança. Me questionam muito por que quero adotar e não fazer mais um filho em um novo casamento. Digo que não acredito que casamento sustenta um filho, e sim o nosso amor por ele — refletiu.
A Assembleia Legislativa de Santa Catarina, Tribunal de Justiça, Governo do Estado e Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc) lançaram a campanha Laços de Amor neste ano, inclusive para estimular a adoção tardia. Lindas histórias que deram certo são relatadas na campanha. O objetivo é sensibilizar para o tema.
Gratidão em dose tripla
A história dos Soares Nunes, de Biguaçu, emociona. A diferença é que este conto de fadas é verdadeiro. Duas famílias que se uniram e sonharam juntas com a adoção de uma menina. E que juntas, não só receberam uma, mas três novas integrantes.
Tudo começou há cinco anos, quando a professora Maria Terezinha Soares Nunes, de 47 anos, e o marceneiro João Batista Nunes, de 48, ambos divorciados, se conheceram e iniciaram uma nova vida. Cada um já tinha na conta dois filhos: Maria com Evelin Caroline Soares Hoffmann, hoje com 25 anos, e Charles Edgard Hoffmann Filho, com 18; João já tinha Tiago Genésio Nunes, de 29, e Jean Carlos Nunes, com 23.
— Mas João tinha o sonho de ter uma filha menina. Desde quando começamos o nosso relacionamento, ele dizia que queria adotar — explicou Maria.
Ela estava disposta a seguir o desejo do marido e passou a sonhar junto. Como já havia trabalhado em um lar de crianças, conhecia bem a realidade. Foram ao Fórum de Biguaçu, onde manifestaram a intenção da adoção, e entraram na rotina de entrega de documentos, entrevistas e espera pelo curso de habilitação.
— O curso demorou para começar. Esperamos muito. Mas quando o fizemos, conhecemos uma voluntária de um lar de crianças de Biguaçu que nos contou a história de três irmãs que moravam lá. E naquele mesmo momento já queríamos conhecê-las — contou a mãe.
Assim que o curso acabou, no mesmo dia, se deslocaram até o lar.
— Na hora em que chegamos, a Heloísa (a irmã do meio, na época com nove anos) veio até a mim. Ela me chamou de "cheiro", perguntou se podia jogar no meu celular, sentou comigo. Senti que era uma coisa de outra vida — contou João.
Eles conheceram também Maria Vitória, a mais nova, com oito, e Letícia, a irmã mais velha, que já tinha 11 anos. O casal passou a entender melhor a sofrida vida das meninas. Em Ituporanga, no Alto Vale do Itajaí, viviam em uma casa em que sofriam agressões diárias. Letícia chegou a ser afastada judicialmente do pai (a mãe não morava com a família) e da madrasta. Foi morar com a avó. Mas ela não se sentia satisfeita ao saber que a irmã, Heloísa, era quem estava sofrendo.
— Um dia fui no Fórum da cidade, e me falaram que eu tinha que fazer terapia, com uma psicóloga. Toda vez eu falava: minhas irmãs estão apanhando. Até que um dia a assistente social veio, falou para arrumarmos nossas roupas e que iríamos nos mudar para um lugar melhor — relatou a adolescente.
Elas foram para um abrigo em Biguaçu, onde ficaram por dois anos. Entraram para adoção, depois de o juiz analisar que elas não poderiam mais voltar para sua família em Ituporanga. O perfil delas, no entanto, não batia com a maioria dos pais interessados, que queriam crianças ainda bebês. Tanto que a situação delas estava se encaminhando à adoção internacional. Havia uma família na Itália interessada.
Foi justo neste momento que João e Maria apareceram. Eles precisaram ser rápidos. Procuraram o Fórum, mas como tinham acabado de realizar o curso de habilitação, seus nomes ainda não constavam no Cadastro Nacional da Habilitação (CNA). Foi com apoio do juizado, sensibilizado com a história, que a adoção internacional foi cancelada e assim que o nome do casal entrou para o cadastro do CNA, a adoção foi aprovada.
Em 1º de janeiro de 2014, então, a família teve seu primeiro momento unida para o mês de adaptação.
— Passaram 15 dias e já tínhamos certeza que nossa felicidade estava ali. Liguei para o Fórum, e disse que não tinha cabimento devolver as meninas depois de um mês ao lar e esperar pela burocracia. Deu certo. O juiz acatou e pudemos ficar com elas — relembra Maria.
Acostumadas a chamar Maria e João de "tio" e "tia", as meninas mudaram a forma de vê-los quando saíram do Fórum, no dia que assinaram o documento com seus novos sobrenomes. A ansiedade era tanta que João não resistiu.
— Perguntei se elas não tinham nada a dizer para o tio e para a tia. E elas falaram que tinham. Que agora nós eramos seus pai e a mãe — detalha João, emocionado.
Deste dia, já se passaram quase dois anos e meio. Charles, o único filho que mora ainda com os pais, disse que sua vida mudou da água para o vinho com a chegada do "trio maravilha". Mas a adaptação foi fácil, e o amor é de irmãos.
Hoje, o casal participa dos grupos e cursos para adoção para incentivar outros casais e pessoas a adotar crianças mais velhas e adolescentes.
— Visitem lares de crianças. Às vezes seu filho está ali e você não sabe — avisa João.
Mesa farta e casa cheia
Na grande mesa de madeira maciça da cozinha do casal Débora Mensch, de 38 anos, e do professor e militar reformado, Sinomar de Araújo Lopes, 41, moradores do Saco Grande, em Florianópolis, muita gente consegue sentar. São quatro filhos, nora, neto, amigos, intercambistas e até a cadela da família.
Mas antes desta grande família, Débora e Sinomar lutaram para ter um filho. Fizeram um tratamento para ela engravidar e em 2002, nasceu Bruno Mensch, hoje com 14. Quando o pequeno tinha apenas um aninho, eles conheceram o menino de rua Rodrigo Pires Rodrigues, que na época tinha 12, na cidade de São Luiz Gonzaga, no Rio Grande do Sul, onde moravam na época.
— Ele dormia sozinho num galpão e apesar de estar matriculado numa escola, já estava reprovado. Resolvemos ir atrás da família dele. O pai não tinha condições de criá-lo. Fizemos então um termo de guarda legal, que ia até os 18 anos dele — explicou Débora.
Como Sinomar era militar, a família, já com dois filhos, se mudou para o Mato Grosso. Lá, encontraram uma mulher do Maranhão, que tinha cinco filhos, e condição nenhuma de criar os pequenos. A casa dela, segundo Débora, era de plástico e pano, e não tinha energia elétrica. Quando a família foi visitar o local, dos cinco filhos, dois a mãe já tinha entregue para outras pessoas. Estavam somente duas meninas mais novas e Francisco Marcos da Silva Simão, na época com oito anos. A mãe pediu então para o casal ficar com Chico. Eles ficaram por uns dias, para cuidar, até que a mulher sumiu por cerca de três meses. Quando voltou, a família ganhou a guarda do então terceiro filho.
— O Bruno estava dizendo que queria um irmão da idade dele, já que o Rodrigo era mais velho — conta Débora.
O coração do casal já tinha três rapazes. Por mais que tivessem apenas a guarda, todos eles foram criados de forma igual e como irmãos.
— Resolvemos manter o nome deles de certidão, para eles lembrarem das origens. Fazemos questão que eles mantenham contato com a família deles também — contou Débora.
Cinco anos depois, em 2013, a grande família, que já morava em Floripa, foi passar as férias no Rio Grande do Sul, em Gramado. Lá, resolveu fazer uma boa ação no Natal: visitar lares e abrigos de crianças e adolescentes. Débora fez uma lista de locais onde levariam doces, mas foi num domingo de manhã, quando Sinomar tomava seu chimarrão, que um jornal local chamou sua atenção. Em uma reportagem estava o adolescente André, na época com 15 anos.
— Ele dizia na reportagem que não queria nenhum presente material, e sim uma família. Fiquei emocionado. Só disse para Débora que este também seria nosso filho — relatou Sinomar.
André tinha um histórico de abandono e problemas para controlar a raiva. Tomava remédios. E nada disso impediu Débora e Sinomar de abrirem mais uma vez o coração.
— Explicamos que na nossa casa havia várias regras. Lavar a louça, ir para escola, namorar só depois dos 16 anos. Ele aceitou tudo. Levei ele no médico em Floripa, e retiramos todos os remédios que ele tomava. Ele precisava era de uma família — recorda Débora.
André foi o único legitimamente adotado. Passou a ter o sobrenome da nova família. Hoje é André Pietro Mensch de Araújo Lopes, e está com 18 anos.
Como funciona o processo de adoção
Quem pode adotar
- Homem ou mulher maior de idade, de qualquer estado civil, desde que 16 anos mais velho que a criança ou adolescente adotado;
- Casais, inclusive os homoafetivos, desde que sejam casados no Civil ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família;
- Casais divorciados ou separados judicialmente, juntos, desde que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado durante o casamento;
- Tutor ou curador, desde que encerrada e quitada a administração dos bens da criança ou adolescente;
- Pessoa que morreu durante o processo de adoção, antes de dita a sentença e desde que tenha manifestado sua vontade em vida - o adotado recebe todos os direitos de um filho legítimo;
- Família estrangeira residente ou domiciliada fora do Brasil;
- Todas as pessoas que tiverem sua habilitação deferida, e inscritas no Cadastro de Adoção.
Não podem adotar
- Avós ou irmãos do adotado;
- Pessoas com menos de 16 anos de diferença da idade do adotado.
Dez passos para a adoção
1 - procure um Fórum perto de você: Para buscar mais informações e manifestar seu desejo de adotar, você deve procurar o fórum da sua cidade. No site do Tribunal de Justiça você encontra todos os endereços dos fóruns do Estado. Já tenha em mãos seu RG e comprovante de residência.
3 - Período de análise da documentação
2 - Apresentação da documentação: Para dar entrada no processo, a Justiça exige 12 documentos, que incluim certidão negativa de antecedentes criminais até fotos dos interessados.
4 - Entrevistas com os interessados em adotar: De acordo com a Justiça, esta é uma das fases mais importantes. Eles serão entrevistados pela equipe técnica da Vara da Infância e da Juventude, geralmente por um psicólogo. A conversa tem como objetivo conhecer as motivações e expectativas de quem quer adotar.
5 - Curso: Os interessados em adotar precisam obrigatoriamente participar de um curso preparatório de 10 horas. Em Florianópolis, ele ocorre quatro vezes ao ano. Em cidades como Biguaçu e Palhoça, por exemplo, ele acontece somente uma vez ao ano.
6 - Nome no Cadastro Nacional da Adoção: Após o curso, os interessados esperam, geralmente, cerca de um mês para estarem de fato habilitados para adotar.
7 - A procura da criança: Assim que o nome entrar no Cadastro, começa a procura da criança com o perfil traçado pelos interessados. Vale lembrar que, quanto menos restrições em relação a idade, etnia, gênero e estado de saúde, mais rápido é o processo. Há casos que levaram até quatro anos. E outros, que em até seis meses, já havia uma nova família formada.
8 - O primeiro encontro: Caso uma criança ou adolescente com o perfil desejado seja encontrado, o juiz da Vara da Infância é avisado e com seu aval, o interessado poderá se encontrar com ela no fórum ou no lar/ abrigo para se conhecerem pela primeira vez.
9 - Período de convivência: Se ambas as partes se sentirem bem nos primeiros encontros, a aproximação da criança ou adolescente deve ser gradativa. Geralmente, há um período de um mês para estreitar as relações.
10 - Adoção: Cada criança e família tem um período de adaptação diferentes, explica o advogado da Vara da Família de Florianópolis, Ênio Vieira Júnior. No caso da adoção tardia, este tempo pode ser até mais longo, porque a adaptação do adolescente, que já tem uma personalidade criada, pode ser mais delicada. A certidão de nascimento, como o nome e sobrenome da nova família, portanto, pode levar até um ano para chegar.
Original disponível em: http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticia/2016/08/familias-da-grande-florianopolis-contrariam-estatisticas-ao-adotar-criancas-mais-velhas-e-adolescentes-7243028.html
Reproduzido por: Lucas H.
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