terça-feira, 24 de novembro de 2015

A morosidade do judiciário agindo contra o melhor interesse da criança




Hoje, uma terça-feira de novembro de 2015, me deparo com uma ligação telefônica nos seguintes termos:
Adotante: Doutora, queremos devolver Lucinda para o Juiz.
Advogada: Como? Não entendi.
Adotante: Eu e minha esposa resolvemos que não queremos mais ficar com Lucinda.
Advogada: como? Impossível, vocês estão com a Guarda provisória de Lucinda e de Emanuel há cerca de 4 anos.
Adotante: Por isso mesmo, doutora, a guarda é provisória e queremos devolver só a Lucinda e ficar com o Emanuel.
A conversa perdura por cerca de 20 minutos onde trato da irreversibilidade da adoção, da posse de estado de filho, da filiação sócio-afetiva, das sanções que ocorrem em casos de devolução e na impossibilidade de separar Emanuel de Lucinda, vez que os laços fraternos são inquestionáveis. Mudo o tom de voz, a pressão sobe, mas consigo manter a calma e sugerir nomes de vários psicólogos de família e de grupos de apoio à pós-adoção.
Os motivos para a pretensa devolução de Lucinda era tão sem lógica quanto a devolução de 3 irmãs ocorrida há dois anos, ou a devolução de 2 irmãos com menos de 3 anos há cerca de 3 anos, ou ainda a devolução de 2 irmãos, menina e menino, em função do divórcio dos adotantes e de tantas outras quase devoluções.
Penso, contudo, que cabe ao judiciário uma enorme parcela de culpa: passam quase 4 meses para juntar uma mera petição, 4 anos para uma sentença na Ação de Destituição do Poder Familiar (sem qualquer recurso em segundo grau), anos para a realização dos estudos psicossociais, ou seja, as famílias estão soltas e em seus devaneios acreditam que a guarda provisória, por ser provisória, nada significa.
Luto para que a guarda perca esse nome de provisória e passe a ser guarda para fins de adoção.
É preciso que o judiciário acorde para o que está fazendo com sua letargia e até omissão. Nenhum processo que deveria durar, no máximo 120 dias, pode perdurar por mais de 1.825 dias, pois, foi distribuído em 15/09/2010. Estamos vivenciando o absurdo dos absurdos e amputando os direitos das crianças a assumirem sua realidade social através da inserção do sobrenome de seus pais/adotantes.
Busquei esse exemplo de forma aleatória, mas, muitos outros existem sem sentença: processo distribuído em 16/04/2010, até hoje sem sentença; distribuído em 01/11/2011 e até hoje sem sentença, e por aí poderia incluir mais um grande número de processos que aguardam por 4 ou 5 anos sem serem sentenciados.
Onde está a prioridade absoluta inserida como principio constitucional? Onde está a prioridade de tramitação? Onde está o cuidado do judiciário com a criança como sujeito de direito? Onde está o fiscal disso tudo que, também, nada faz?
Enquanto permanecermos nesse vem e vai de renovação de guardas provisórias que, absurdamente ferem a economia processual e deveriam, todas, estar atreladas a tramitação do processo, adotantes “provisórios” se dão ao direito de pensar em devolver seus filhos também “provisórios”.
A devolução existe e deve ser enfrentada por todos os operadores da infância e da juventude, mas precisa, principalmente, que magistrados e promotores de justiça da infância cumpram sua missão preponderante que é tratar crianças e adolescentes com prioridade absoluta.
Não gostaria de ver crianças e adolescentes compondo estatísticas de devolução, não é esse o objetivo de quem tem um mínimo de consciência e de respeito por essa parcela da população já tão vitimada, escondida, literalmente, de baixo do tapete da sociedade, coberta pelo manto da invisibilidade.
É preciso dar um basta nesse estado de coisas, nesse despreparo de serventuários, técnicos, promotores e magistrados. Se não sabem lidar com vidas que passem a lidar com coisas e sejam removidos para áreas que lhes sejam afetas e deixem vagas os locais da infância.
Adotantes são escorraçados nos cartórios a cada renovação de guarda, advogados, por sua vez, não são bem visto; as feições de raiva ou desdém, salvo raríssimas exceções, são constantes, profissionais que não sabem o que é o ECA e muito menos para que o mesmo serve, falta de vocação e empenho são constantes nos cartórios das varas da infância. Não rara vez ouvimos: parece que estão nos fazendo um favor! Outro ponto: se o serventuário atende das 14 às 15 horas, terminado o “horário” você é passado para outro serventuário e obrigada a discorrer tudo novamente.
A situação é caótica, inclusive para quem está em fase de habilitação, pois, em algumas comarcas chega há demorar dois anos. Comarcas essas que não têm equipes técnicas em números suficientes ou onde os técnicos trabalham no famoso TQQ (terça, quarta e quinta). Desde quando a semana foi reduzida há 3 dias?
Algo precisa mudar e com urgência!
Não dá para ficarmos escondendo a cabeça no buraco, pois, não somos irracionais.
Crítica, também, forte aos que sabem de tudo isso e nunca comparecem as audiências publicas, as caminhadas e aos eventos onde a voz da adoção é ouvida. Não aparecem porque acreditam que os burros de carga que engrossam as fileiras dos grupos de apoio à adoção podem falar e fazer por eles. São pessoas que não entendem que, apenas juntos seremos mais fortes.
É um desabafo? Pode ser, ou um pedido para que tenham consciência que a omissão de cada um só prejudica crianças e adolescentes que querem, muito, uma família.
Silvana do Monte Moreira

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