novembro 29th, 2015
CorreioBraziliense.com.br Brasil
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– Doutor, é menina ou menino?
– É menina, mas tem algo errado. Eu não consigo ver a cabeça dela.
Assim, durante uma ecografia, a diarista Clarice*, 40 anos, descobriu que a filha de coração estava fadada a ter um atraso no desenvolvimento por toda a vida. Maria Clara, nascida há uma semana no Recife, é um dos mais de 700 casos de microcefalia notificados este ano no Brasil. Com o perímetro da cabeça de 26cm — o normal é entre 34cm e 37cm —, ainda não é possível prever que sequelas Maria Clara apresentará. Em 90% dos casos há deficits, e os mais comuns são ligados ao sistema neurológico, psíquico e motor, inclusive, com danos visuais ou auditivos.
Solteira e mãe de dois filhos, o mais novo com 18 anos, Clarice escolheu cuidar de Maria Clara quando ela ainda estava no ventre de sua sobrinha e a notícia de que a menina seria especial fez com que o compromisso ficasse ainda mais forte. “Eu a quero do jeito que for. Eu me apaixonei no segundo em que a vi e estou pronta para fazer o que for necessário para cuidar dela. Estou preparada, cheia de amor e carinho. O resto, a gente vai dar um jeito”, acredita, na esperança de que o Estado fornecerá todo o suporte necessário.
O neuropediatra Luiz Celso Vilanova, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), não tem tanta esperança. Para ele, o futuro dessas crianças é incerto. Segundo dados do Ministério da Saúde, o número de casos de microcefalia saltou de 147, em 2014, para 739 até 21 de novembro de 2015, a maioria (487) em Pernambuco. Vilanova destaca que é complicado fazer comparações precisas, porque não é comum aos médicos notificar a doença. “É um número muito grande e o sistema público de saúde não tem condições de atender essa demanda”, lamenta.
O especialista explica que os casos têm de ser analisados individualmente, mas, dependendo da gravidade da lesão cerebral, o tratamento envolve fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional, ensino especializado, acompanhamento neurológico, atendimento pedagógico, ortopédico. “São crianças que precisarão de reabilitação por muito tempo, talvez por toda a vida, e mesmo assim sempre haverá sequelas. O atendimento público para isso é horrível. O sistema já não é feito de maneira adequada e ficará sobrecarregado.” Vilanova estima que o investimento mensal de uma família para oferecer tratamento adequado a uma criança com comprometimento neurológico é entre R$ 2 mil e R$ 5 mil.
Vanessa, 27 anos, sente diariamente o peso financeiro do tratamento. A filha de nove meses, Manuela, nasceu com 33cm de perímetro cefálico e, para amenizar os danos cerebrais, tem uma rotina intensa de consultas e exercícios: três sessões de fisioterapia por semana, duas de terapia ocupacional, duas de fonoaudiólogo, uma de hidroterapia. Fora consultas médicas e exames. “Além de tudo, tivemos que adaptar a casa para atendê-la. São aparelhos caros, mas necessários para o desenvolvimento.” Mesmo com o suporte do plano de saúde e da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), Vanessa calcula despesas de aproximadamente R$ 2 mil mensais.
A família não sente acolhimento no sistema público de saúde e conta com a ajuda de amigos e da família para se sustentar, além do salário de Paulo, pai de Manuela, como funcionário da Universidade Federal de Pernambuco. Advogada, a mãe parou de trabalhar para se dedicar aos cuidados com a única filha. Ao contrário da maioria dos casos investigados, Vanessa não teve o diagnóstico na gravidez. Aos três meses, Manuela teve uma convulsão e descobriu-se a microcefalia. Logo as sequelas começaram a aparecer. Ela tem atrasos de desenvolvimento motor, visual, auditivo e cognitivo. “Foi um choque para toda a família. Tive uma gravidez sem problemas, fiz o pré-natal direitinho e, de repente, tudo isso acontece. Hoje, o que me faz ter forças é o sorriso dela. A cada pequeno avanço e gesto que eu percebo, eu renovo as minhas esperanças.”
– É menina, mas tem algo errado. Eu não consigo ver a cabeça dela.
Assim, durante uma ecografia, a diarista Clarice*, 40 anos, descobriu que a filha de coração estava fadada a ter um atraso no desenvolvimento por toda a vida. Maria Clara, nascida há uma semana no Recife, é um dos mais de 700 casos de microcefalia notificados este ano no Brasil. Com o perímetro da cabeça de 26cm — o normal é entre 34cm e 37cm —, ainda não é possível prever que sequelas Maria Clara apresentará. Em 90% dos casos há deficits, e os mais comuns são ligados ao sistema neurológico, psíquico e motor, inclusive, com danos visuais ou auditivos.
Solteira e mãe de dois filhos, o mais novo com 18 anos, Clarice escolheu cuidar de Maria Clara quando ela ainda estava no ventre de sua sobrinha e a notícia de que a menina seria especial fez com que o compromisso ficasse ainda mais forte. “Eu a quero do jeito que for. Eu me apaixonei no segundo em que a vi e estou pronta para fazer o que for necessário para cuidar dela. Estou preparada, cheia de amor e carinho. O resto, a gente vai dar um jeito”, acredita, na esperança de que o Estado fornecerá todo o suporte necessário.
O neuropediatra Luiz Celso Vilanova, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), não tem tanta esperança. Para ele, o futuro dessas crianças é incerto. Segundo dados do Ministério da Saúde, o número de casos de microcefalia saltou de 147, em 2014, para 739 até 21 de novembro de 2015, a maioria (487) em Pernambuco. Vilanova destaca que é complicado fazer comparações precisas, porque não é comum aos médicos notificar a doença. “É um número muito grande e o sistema público de saúde não tem condições de atender essa demanda”, lamenta.
O especialista explica que os casos têm de ser analisados individualmente, mas, dependendo da gravidade da lesão cerebral, o tratamento envolve fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional, ensino especializado, acompanhamento neurológico, atendimento pedagógico, ortopédico. “São crianças que precisarão de reabilitação por muito tempo, talvez por toda a vida, e mesmo assim sempre haverá sequelas. O atendimento público para isso é horrível. O sistema já não é feito de maneira adequada e ficará sobrecarregado.” Vilanova estima que o investimento mensal de uma família para oferecer tratamento adequado a uma criança com comprometimento neurológico é entre R$ 2 mil e R$ 5 mil.
Vanessa, 27 anos, sente diariamente o peso financeiro do tratamento. A filha de nove meses, Manuela, nasceu com 33cm de perímetro cefálico e, para amenizar os danos cerebrais, tem uma rotina intensa de consultas e exercícios: três sessões de fisioterapia por semana, duas de terapia ocupacional, duas de fonoaudiólogo, uma de hidroterapia. Fora consultas médicas e exames. “Além de tudo, tivemos que adaptar a casa para atendê-la. São aparelhos caros, mas necessários para o desenvolvimento.” Mesmo com o suporte do plano de saúde e da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), Vanessa calcula despesas de aproximadamente R$ 2 mil mensais.
A família não sente acolhimento no sistema público de saúde e conta com a ajuda de amigos e da família para se sustentar, além do salário de Paulo, pai de Manuela, como funcionário da Universidade Federal de Pernambuco. Advogada, a mãe parou de trabalhar para se dedicar aos cuidados com a única filha. Ao contrário da maioria dos casos investigados, Vanessa não teve o diagnóstico na gravidez. Aos três meses, Manuela teve uma convulsão e descobriu-se a microcefalia. Logo as sequelas começaram a aparecer. Ela tem atrasos de desenvolvimento motor, visual, auditivo e cognitivo. “Foi um choque para toda a família. Tive uma gravidez sem problemas, fiz o pré-natal direitinho e, de repente, tudo isso acontece. Hoje, o que me faz ter forças é o sorriso dela. A cada pequeno avanço e gesto que eu percebo, eu renovo as minhas esperanças.”
RAPIDEZ
Responsável por atender os bebês afetados pela doença em Pernambuco, a chefe da infectologia pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC), no Recife, Ângela Rocha, acredita que o momento é de preparação. “Óbvio que a rede de saúde tem deficiências e dificuldades, mas vai ter que se organizar para acolher essas crianças e mães, principalmente a longo prazo. As famílias estão muito assustadas e precisam de apoio. Cada estado terá de se organizar, porque esses pacientes terão necessidades especiais para sempre e isso tem de ser oferecido”, destaca.
Além do suporte constante, a neurologista Anna Paula Paranhos, da AACD, ressalta a importância de se construir um plano de ação imediatamente. Ela explica que a deficiência de cada bebê será notada com o passar dos meses, conforme eles atingem ou não os marcos de desenvolvimento – por exemplo, sustentar a cabeça no momento certo. “Uma estimulação precoce é necessária para alcançar o potencial máximo. A reabilitação não é uma cura, é uma tentativa de desenvolver ao máximo o bebê. Ele tem maiores chances se estimulado logo no primeiro ano.”
Responsável por atender os bebês afetados pela doença em Pernambuco, a chefe da infectologia pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC), no Recife, Ângela Rocha, acredita que o momento é de preparação. “Óbvio que a rede de saúde tem deficiências e dificuldades, mas vai ter que se organizar para acolher essas crianças e mães, principalmente a longo prazo. As famílias estão muito assustadas e precisam de apoio. Cada estado terá de se organizar, porque esses pacientes terão necessidades especiais para sempre e isso tem de ser oferecido”, destaca.
Além do suporte constante, a neurologista Anna Paula Paranhos, da AACD, ressalta a importância de se construir um plano de ação imediatamente. Ela explica que a deficiência de cada bebê será notada com o passar dos meses, conforme eles atingem ou não os marcos de desenvolvimento – por exemplo, sustentar a cabeça no momento certo. “Uma estimulação precoce é necessária para alcançar o potencial máximo. A reabilitação não é uma cura, é uma tentativa de desenvolver ao máximo o bebê. Ele tem maiores chances se estimulado logo no primeiro ano.”
PARCERIA
Estado com maior número de casos registrados até o momento, o governo de Pernambuco se reunirá amanhã com representantes dos municípios e do governo federal para traçar um plano conjunto de enfrentamento às doenças transmitidas pelo mosquito Aedes Aegypti. De acordo com a secretária executiva de Saúde, Luciana Albuquerque, a unidade da Federação foi a primeira a montar uma estratégia de atendimento para lidar com as gestantes e os bebês: foram definidos hospitais de referência que estão fazendo o acompanhamento, exames, coleta de sangue e oferecendo atendimento psicológico.
Além disso, segundo Luciana, o futuro dos bebês é uma preocupação. A secretária explica que o governo já se comprometeu em oferecer um aporte maior para a AACD absorver essa demanda e o Ministério da Saúde está disposto a fornecer ajuda financeira. “Ainda é cedo para falarmos em valores, porque está tudo muito incerto.” O Ministério da Saúde confirmou ontem a relação entre o vírus Zika e o surto de microcefalia.
A pasta informa, por meio de nota, que com o aumento de casos que ocorre neste momento, a pasta decidiu elaborar, em parceria com as secretarias municipais e estaduais de saúde, um protocolo de atendimento voltado a essas crianças. Este protocolo vai servir como base de orientação aos gestores locais para que possam identificar e estabelecer os serviços de saúde de referência no tratamento dos pacientes, além de determinar o fluxo desse atendimento.
A matéria completa está disponível aqui para assinantes. Para assinar, clique aqui.
Fonte: Correio Braziliense
Estado com maior número de casos registrados até o momento, o governo de Pernambuco se reunirá amanhã com representantes dos municípios e do governo federal para traçar um plano conjunto de enfrentamento às doenças transmitidas pelo mosquito Aedes Aegypti. De acordo com a secretária executiva de Saúde, Luciana Albuquerque, a unidade da Federação foi a primeira a montar uma estratégia de atendimento para lidar com as gestantes e os bebês: foram definidos hospitais de referência que estão fazendo o acompanhamento, exames, coleta de sangue e oferecendo atendimento psicológico.
Além disso, segundo Luciana, o futuro dos bebês é uma preocupação. A secretária explica que o governo já se comprometeu em oferecer um aporte maior para a AACD absorver essa demanda e o Ministério da Saúde está disposto a fornecer ajuda financeira. “Ainda é cedo para falarmos em valores, porque está tudo muito incerto.” O Ministério da Saúde confirmou ontem a relação entre o vírus Zika e o surto de microcefalia.
A pasta informa, por meio de nota, que com o aumento de casos que ocorre neste momento, a pasta decidiu elaborar, em parceria com as secretarias municipais e estaduais de saúde, um protocolo de atendimento voltado a essas crianças. Este protocolo vai servir como base de orientação aos gestores locais para que possam identificar e estabelecer os serviços de saúde de referência no tratamento dos pacientes, além de determinar o fluxo desse atendimento.
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Fonte: Correio Braziliense
Reproduzido por: Lucas H.
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