15/10/2015
A adoção no Brasil leva tempo. Muito tempo. É comum ouvir relatos de famílias que esperaram na fila quatro, cinco anos para conseguir adotar e histórias de crianças e adolescentes que passaram a vida toda em abrigos aguardando para serem adotados.
A adoção no Brasil leva tempo. Muito tempo. É comum ouvir relatos de famílias que esperaram na fila quatro, cinco anos para conseguir adotar e histórias de crianças e adolescentes que passaram a vida toda em abrigos aguardando para serem adotados.
Segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), administrado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a maioria dos pretendentes a adotar quer bebês, com até três anos, brancos, sem irmãos e com nenhuma doença ou deficiência, seja ela física ou mental. A escolha é totalmente legítima do ponto de vista legal. O problema é que essa não é a realidade dos abrigos brasileiros.
A maior parte das crianças e dos adolescentes aptos a serem adotados no país é parda ou negra, tem irmãos, é maior de três anos e possui alguma doença ou tipo de deficiência. Esse é um dos problemas que precisa ser trabalhado pelas equipes técnicas das Varas da Infância e da Juventude do Brasil. Mas será que é o único? Será que a morosidade da Justiça brasileira também não influi na enorme quantidade de crianças e adolescentes que passa a vida em instituições de abrigos?
A conta do CNA não fecha. Existem 5,5 vezes mais pretendentes do que crianças aptas a serem adotadas. Por que então há fila e tantas crianças sem famílias? Psicólogos, juízes e desembargadores que trabalham com o assunto justificam: os pretendentes são muito exigentes em suas escolhas. Segundo levantamento do CNJ, de julho de 2013, existem no Brasil 29.707 pretendentes habilitados a adotar e 5.387 crianças aptas a serem adotadas.
Mais de 80% dos pretendentes não aceitam adotar irmãos, mesmo que 77% das crianças e adolescentes não sejam filhos únicos. 74% dos habilitados querem crianças de zero a três anos, mas só 4% do total disponível para adotar têm essa idade. 22% das crianças possuem problemas de saúde ou são portadoras de deficiência, mas apenas 8% dos pretendentes não fazem restrição a esse perfil.
À primeira vista, a afirmação dos que trabalham com o tema parece correta. Mas se olharmos o problema mais a fundo, veremos que os “culpados” não são apenas os pretendentes a adotar, mas também a lentidão do sistema judiciário brasileiro. Segundo levantamento de 2003 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apenas 10,7% das crianças e adolescentes abrigados estavam em condição de adoção. 83% dos pesquisados tinham famílias que, na prática, já haviam aberto mão da responsabilidade do cuidado, mas ainda eram judicialmente responsáveis.
O abrigamento é uma medida temporária, mas, ainda de acordo com dados do Ipea, 52,6% das crianças e adolescentes abrigados viviam nas instituições há mais de dois anos, 32,9% estavam abrigadas entre dois e cinco anos, 13,3% entre seis e dez anos e 6,4% há mais de dez anos.
A maior parte das crianças e dos adolescentes aptos a serem adotados no país é parda ou negra, tem irmãos, é maior de três anos e possui alguma doença ou tipo de deficiência. Esse é um dos problemas que precisa ser trabalhado pelas equipes técnicas das Varas da Infância e da Juventude do Brasil. Mas será que é o único? Será que a morosidade da Justiça brasileira também não influi na enorme quantidade de crianças e adolescentes que passa a vida em instituições de abrigos?
A conta do CNA não fecha. Existem 5,5 vezes mais pretendentes do que crianças aptas a serem adotadas. Por que então há fila e tantas crianças sem famílias? Psicólogos, juízes e desembargadores que trabalham com o assunto justificam: os pretendentes são muito exigentes em suas escolhas. Segundo levantamento do CNJ, de julho de 2013, existem no Brasil 29.707 pretendentes habilitados a adotar e 5.387 crianças aptas a serem adotadas.
Mais de 80% dos pretendentes não aceitam adotar irmãos, mesmo que 77% das crianças e adolescentes não sejam filhos únicos. 74% dos habilitados querem crianças de zero a três anos, mas só 4% do total disponível para adotar têm essa idade. 22% das crianças possuem problemas de saúde ou são portadoras de deficiência, mas apenas 8% dos pretendentes não fazem restrição a esse perfil.
À primeira vista, a afirmação dos que trabalham com o tema parece correta. Mas se olharmos o problema mais a fundo, veremos que os “culpados” não são apenas os pretendentes a adotar, mas também a lentidão do sistema judiciário brasileiro. Segundo levantamento de 2003 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apenas 10,7% das crianças e adolescentes abrigados estavam em condição de adoção. 83% dos pesquisados tinham famílias que, na prática, já haviam aberto mão da responsabilidade do cuidado, mas ainda eram judicialmente responsáveis.
O abrigamento é uma medida temporária, mas, ainda de acordo com dados do Ipea, 52,6% das crianças e adolescentes abrigados viviam nas instituições há mais de dois anos, 32,9% estavam abrigadas entre dois e cinco anos, 13,3% entre seis e dez anos e 6,4% há mais de dez anos.
A NOVA LEI DE ADOÇÃO
A Lei Federal nº 12.010, de 3 de agosto de 2009, conhecida como Nova Lei de Adoção, tem o objetivo de incentivar a convivência familiar e traz o conceito de família estendida. A adoção é considerada uma medida excepcional. Dessa forma, o sistema busca a permanência da criança em sua família biológica. A convivência familiar não se restringe apenas aos pais biológicos, mas também a parentes próximos com quem a criança ou adolescente já tenha vínculo afetivo. As famílias, teoricamente, são inseridas em programas sociais, para ter condição de cuidar dessas crianças e adolescentes.
A nova legislação permite que elas fiquem abrigadas por até dois anos. Do ponto de vista ético e da configuração das famílias, a nova lei é ótima. O problema é quando o incentivo demora muito e a criança ou adolescente que precisa que seu futuro seja garantido acaba perdendo o “bonde” de uma adoção, pois à medida que envelhecem, menores são suas chances de ser adotado.
No videodocumentário “(X) Não faz restrição: um retrato da adoção tardia e especial”, o juiz da Vara da Infância e da Juventude de Campinas, Richard Pae Kim, chega a admitir a demora do sistema judiciário. “De fato, o próprio sistema de Justiça tem de fazer a ‘mea culpa’. Temos de pensar em fluxos procedimentais mais rápidos, equipar o próprio judiciário da melhor forma, com a contratação de psicólogos e de mais assistentes sociais”, afirma. O filme, disponibilizado na internet nesta semana, pode ser visto clicando na imagem no topo deste artigo.
O Cadastro Nacional, criado com a nova legislação para facilitar a busca de crianças e adolescentes aptos a serem adotados, é ainda criticado por pretendentes a adoção especial – crianças com doenças tratáveis ou não ou portadoras de deficiência física ou mental. Isso porque na hora de preenchê-lo não há uma opção específica sobre o tipo de deficiência, o que seria ideal para o interessado analisar se é compatível ou não ao seu estilo de vida. No CNA há apenas as opções de deficiência física ou mental. Para Carla Penteado, mãe adotiva de três meninas especiais e criadora do grupo Adoção Tardia e Especial (ATE), o CNA é um sistema falido do ponto de vista da adoção especial. “É engraçado dizer que em um país onde você escolhe a cor da criança você não pode escolher se ela é surda ou se ela é cega ou se ela é acamada, porque os três são deficiências físicas”, critica.
Há ainda uma questão de caráter cultural. Desde criança, as meninas são estimuladas a brincar de casinha e ganham bonecas, tidas como brinquedos exclusivamente femininos. Muito se fala do instinto materno como algo intrínseco à mulher. Imaginam desde cedo uma família com papai, mamãe e bebê. Porém, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a infertilidade é um problema vivido por 8% a 15% dos casais. Estima-se que mais de 278 mil casais brasileiros tenham dificuldade para ter um filho em algum momento de sua idade fértil. Quando isso acontece, a mulher, condicionada desde pequena quanto à obrigatoriedade de ser mãe, esposa e dona de casa, se sente frustrada.
A Lei Federal nº 12.010, de 3 de agosto de 2009, conhecida como Nova Lei de Adoção, tem o objetivo de incentivar a convivência familiar e traz o conceito de família estendida. A adoção é considerada uma medida excepcional. Dessa forma, o sistema busca a permanência da criança em sua família biológica. A convivência familiar não se restringe apenas aos pais biológicos, mas também a parentes próximos com quem a criança ou adolescente já tenha vínculo afetivo. As famílias, teoricamente, são inseridas em programas sociais, para ter condição de cuidar dessas crianças e adolescentes.
A nova legislação permite que elas fiquem abrigadas por até dois anos. Do ponto de vista ético e da configuração das famílias, a nova lei é ótima. O problema é quando o incentivo demora muito e a criança ou adolescente que precisa que seu futuro seja garantido acaba perdendo o “bonde” de uma adoção, pois à medida que envelhecem, menores são suas chances de ser adotado.
No videodocumentário “(X) Não faz restrição: um retrato da adoção tardia e especial”, o juiz da Vara da Infância e da Juventude de Campinas, Richard Pae Kim, chega a admitir a demora do sistema judiciário. “De fato, o próprio sistema de Justiça tem de fazer a ‘mea culpa’. Temos de pensar em fluxos procedimentais mais rápidos, equipar o próprio judiciário da melhor forma, com a contratação de psicólogos e de mais assistentes sociais”, afirma. O filme, disponibilizado na internet nesta semana, pode ser visto clicando na imagem no topo deste artigo.
O Cadastro Nacional, criado com a nova legislação para facilitar a busca de crianças e adolescentes aptos a serem adotados, é ainda criticado por pretendentes a adoção especial – crianças com doenças tratáveis ou não ou portadoras de deficiência física ou mental. Isso porque na hora de preenchê-lo não há uma opção específica sobre o tipo de deficiência, o que seria ideal para o interessado analisar se é compatível ou não ao seu estilo de vida. No CNA há apenas as opções de deficiência física ou mental. Para Carla Penteado, mãe adotiva de três meninas especiais e criadora do grupo Adoção Tardia e Especial (ATE), o CNA é um sistema falido do ponto de vista da adoção especial. “É engraçado dizer que em um país onde você escolhe a cor da criança você não pode escolher se ela é surda ou se ela é cega ou se ela é acamada, porque os três são deficiências físicas”, critica.
Há ainda uma questão de caráter cultural. Desde criança, as meninas são estimuladas a brincar de casinha e ganham bonecas, tidas como brinquedos exclusivamente femininos. Muito se fala do instinto materno como algo intrínseco à mulher. Imaginam desde cedo uma família com papai, mamãe e bebê. Porém, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a infertilidade é um problema vivido por 8% a 15% dos casais. Estima-se que mais de 278 mil casais brasileiros tenham dificuldade para ter um filho em algum momento de sua idade fértil. Quando isso acontece, a mulher, condicionada desde pequena quanto à obrigatoriedade de ser mãe, esposa e dona de casa, se sente frustrada.
AINDA HÁ ESPERANÇA
A maioria dos pretendentes a adotar vem com esse histórico de infertilidade e, por isso, prefere adotar bebês, de preferência parecido com eles, sem nenhum irmão e sem nenhuma doença ou deficiência. Vem aí uma segunda frustração: não há bebês assim para todos que querem adotar. Mesmo que ainda não seja em número suficiente, existe uma parcela dos pretendentes a adotar que não faz tantas restrições ao preencher o Cadastro Nacional de Adoção. E essa parcela vem aumentando! É o caso das cinco famílias que participam do videodocumentário “(X) Não faz restrição: um retrato da adoção tardia e especial”, produzido por nós como Projeto Experimental para a conclusão do curso de Jornalismo da PUC-Campinas.
No curta-metragem, há o relato de parte da história dessas cinco famílias, que tinham o desejo de serem pais e não se importaram com idade, sexo, doença ou deficiência e nem mesmo com o preconceito de profissionais dos abrigos, psicólogos, assistentes sociais, família, amigos e sociedade. Há também o depoimento do juiz da Vara da Infância e da Juventude de Campinas, Richard Pae Kim, da psicóloga da mesma Vara, Elisabeth Morey, e do vice-coordenador da Coordenaria da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo, Eduardo Gouvêa, explicando sobre a nova legislação. No vídeo é abordada a adaptação das crianças e dos adolescentes à nova família, além do preconceito enfrentado na hora de adotar e a discriminação da sociedade, que considera essas pessoas “santas” ou “loucas”. A ideia do documentário é promover o debate em torno desse tema e das escolhas que envolve.
Todos os que querem adotar têm sim o direito de escolher o perfil de criança e adolescente que se adapte a sua renda, espaço e tempo disponíveis. Mas é preciso olhar essa questão com o viés da criança e do adolescente. Eles têm o direito a ter uma família. E enquanto discutimos se a culpa é de quem quer adotar ou da lentidão do sistema judiciário, eles continuam lá, em instituições brasileiras, tendo seu direito violado.
* Fernanda Domiciano, Karina Pilotto e Raquel Hatamoto são jornalistas e produtoras do documentário “(X) Não faz restrição: um retrato da adoção tardia e especial”
A maioria dos pretendentes a adotar vem com esse histórico de infertilidade e, por isso, prefere adotar bebês, de preferência parecido com eles, sem nenhum irmão e sem nenhuma doença ou deficiência. Vem aí uma segunda frustração: não há bebês assim para todos que querem adotar. Mesmo que ainda não seja em número suficiente, existe uma parcela dos pretendentes a adotar que não faz tantas restrições ao preencher o Cadastro Nacional de Adoção. E essa parcela vem aumentando! É o caso das cinco famílias que participam do videodocumentário “(X) Não faz restrição: um retrato da adoção tardia e especial”, produzido por nós como Projeto Experimental para a conclusão do curso de Jornalismo da PUC-Campinas.
No curta-metragem, há o relato de parte da história dessas cinco famílias, que tinham o desejo de serem pais e não se importaram com idade, sexo, doença ou deficiência e nem mesmo com o preconceito de profissionais dos abrigos, psicólogos, assistentes sociais, família, amigos e sociedade. Há também o depoimento do juiz da Vara da Infância e da Juventude de Campinas, Richard Pae Kim, da psicóloga da mesma Vara, Elisabeth Morey, e do vice-coordenador da Coordenaria da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo, Eduardo Gouvêa, explicando sobre a nova legislação. No vídeo é abordada a adaptação das crianças e dos adolescentes à nova família, além do preconceito enfrentado na hora de adotar e a discriminação da sociedade, que considera essas pessoas “santas” ou “loucas”. A ideia do documentário é promover o debate em torno desse tema e das escolhas que envolve.
Todos os que querem adotar têm sim o direito de escolher o perfil de criança e adolescente que se adapte a sua renda, espaço e tempo disponíveis. Mas é preciso olhar essa questão com o viés da criança e do adolescente. Eles têm o direito a ter uma família. E enquanto discutimos se a culpa é de quem quer adotar ou da lentidão do sistema judiciário, eles continuam lá, em instituições brasileiras, tendo seu direito violado.
* Fernanda Domiciano, Karina Pilotto e Raquel Hatamoto são jornalistas e produtoras do documentário “(X) Não faz restrição: um retrato da adoção tardia e especial”
Original disponível em: http://comtexto-juridico7.webnode.com/news/lentidao-da-justica-e-exigencias-dos-pais-travam-adocao/
Reproduzido por: Lucas H.
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