25/05/2017
Aos 7 anos de idade, após perder a mãe e a avó e não saber nada sobre o paradeiro do pai, o pequeno Pedro achou que jamais teria uma família novamente. Em 2010, ele foi levado até uma casa-lar, na Zona Norte de Porto Alegre. Desde então, o menino convivia com outras crianças, em situação de abandono ou retiradas de seus pais biológicos, à espera de uma nova chance.
Aos 7 anos de idade, após perder a mãe e a avó e não saber nada sobre o paradeiro do pai, o pequeno Pedro achou que jamais teria uma família novamente. Em 2010, ele foi levado até uma casa-lar, na Zona Norte de Porto Alegre. Desde então, o menino convivia com outras crianças, em situação de abandono ou retiradas de seus pais biológicos, à espera de uma nova chance.
O sonho foi renovado com a chegada da "tia" Kelen Farias Rodrigues, de 39 anos. Quando ela começou a trabalhar como auxiliar no local, há três anos, também não sabia que seu futuro filho estava bem ali. No fim do ano passado, porém, sua vida mudou.
"Foi uma reviravolta. Perdi meu marido, mas ganhei um filho", conta Kelen ao G1, que adotou Pedro, hoje com 13 anos.
Apesar da vontade de ser mãe, Kelen não conseguia engravidar. Casada há sete anos com um homem um pouco mais novo, ela sugeriu ao marido que adotassem. Na infância, a porto-alegrense acompanhava a mãe em visitas a orfanatos e cuidava esporadicamente de crianças. Adotar também era um desejo antigo, segundo ela.
“Fui criada com quatro irmãos em casa e mesmo assim a minha mãe também tinha vontade de adotar uma criança naquela época. Adotar é uma forma de olhar para o outro. Eu cresci na igreja, fazendo trabalho social em orfanato. Acho que essa vontade surgiu em casa”, considera.
Assim como a maioria dos aspirantes a pais, o marido tinha preferência por uma criança ainda pequena. Já Kelen não se importava tanto assim com a idade.
“Eu e ele trabalhávamos fora o dia todo, e criança pequena seria bem complicado, porque ela precisa de mais cuidados, o tempo inteiro. Claro que com uma criança grande também não é muito fácil lidar, ela já tem sua personalidade formada, sua rotina”, comenta.
“Mas meu critério sempre foi afinidade, não a idade”.
A casa-lar acolhe e ajuda menores em situação considerada de risco e é administrada por uma responsável, que é chamada de mãe social. O ambiente é planejado para cada morador, com cama e guarda-roupa. Kelen auxilia nas tarefas do dia-a-dia e ensina às crianças como é a vida lá fora.
Com Pedro, ela conta que o laço afetivo foi amarrado quase que instantaneamente. Em pouco tempo, os dois construíram uma relação de confiança e amor.
"A gente se dava muito bem, conversava muito. Eu gostava de todas as crianças, mas com ele era especial. Eu via no jeito dele uma semelhança com a minha versão de criança. Isso me marcou. Não tem como explicar", diz.
Apesar da certeza do casal sobre a adoção, houve momentos de dúvida sobre a escolha por Pedro. "Meu marido estava receoso, é claro. Eles teriam que se conhecer ainda e ele tinha dúvidas sobre como o Pedro se adaptaria ao nosso modelo de educar, ao nosso sistema de vida", explica ela.
De acordo, o casal informou à equipe da casa-lar a vontade de adotar o menino, que integra um grupo quase ignorado pelos pretendentes. O perfil mais escolhido é de crianças de até três anos, segundo o Cadastro Nacional de Adoção, administrado pela Corregedoria Nacional de Justiça, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
"O Pedro me dizia que não tinha esperança nenhuma de ser adotado, porque ele já era grande. Ele sabia da estatística", diz ela. Pedro já estava na fila havia dois anos. "Quanto mais o tempo passa, menos chance eles têm de saírem daqui", sustenta Kelen.
O processo de adoção requer paciência e bastante esforço. São muitos documentos, entrevistas e uma série de exigências. Pedro passou por algumas, mas os candidatos a pais desistiam no meio do caminho.
"Um dia a juíza esteve aqui e chamou ele para uma entrevista. Ele estava feliz da vida, cheio de esperança que tinha alguém querendo ele lá fora. Ele voltou aos prantos. Fiquei com o coração na mão", afirma ela.
Viúva e mãe
Foram alguns meses até Kelen conseguir a autorização para levar Pedro pra casa. São muitas as crianças e adolescentes que vivem em abrigos e têm família, e o primeiro esforço das autoridades é fazer com que voltem ao lar de origem.
"Como eu não tinha nenhum vínculo consanguíneo com ele, foi mais difícil o processo. Ele tinha contatos esporádicos com a tia, mas ela não queria adotá-lo", diz.
No caso de Pedro, foi necessário passar pelo processo de destituição do poder familiar, e é isso que pode atrasar o trâmite da adoção, segundo a juíza-corregedora Andréa Rezende Russo.
"A lei prevê que se tem uma situação que pode ser ajustada, que a criança volte para a sua família biológica. Não sendo possível, se faz a destituição do poder familiar, que pode levar um tempo, sim", constata a magistrada.
A guarda provisória de Pedro saiu em novembro do ano passado. Uma semana antes, no entanto, Kelen perdeu o marido, então com 32 anos, vítima de meningite.
"Foi horrível. A gente estava estruturando uma família e de repente acontece isso", desabafa.
"Quando eu ganhei o Pedro, minha vida mudou. Ele esteve comigo o tempo todo, me deu apoio. Realmente, se eu não tivesse ele, seria muito mais difícil superar a morte do meu marido".
A parceria dos dois ajudou a amenizar o luto. Hoje, Kelen segue trabalhando como auxiliar na casa-lar. Sai de casa cedo, antes mesmo de o dia clarear. A vizinha a ajuda, levando Pedro até a escola.
"Mas justamente por ele ser maior, ele consegue se virar bem sozinho", completa a mãe de primeira viagem. "Não tem escola, curso, pra mostrar pra gente como é ser mãe. A gente aprende, a vida ensina. É só querer e ter força de vontade", aponta.
RS tem 615 crianças na fila e 5.409 pretendentes
Segundo dados do Tribunal de Justiça do estado (TJ-RS), atualmente há 615 crianças e adolescentes na fila. No ano passado, eram mais de mil. Em contrapartida, são 5.409 pessoas habilitadas para adotar.
Os números demonstram que há muito mais pretendentes do que menores aptos a adoção, uma conta que não fecha.
"Isso revela que os pretendentes, que são muitos, não querem as crianças que estão disponíveis para serem adotadas, que são crianças mais velhas ou já adolescentes, que têm algum problema de saúde ou com muitos irmãos. É preciso chamar atenção para isso", alerta a juíza, que é coordenadora da Coordenadoria da Infância e Juventude do Rio Grande do Sul (CIJRS).
A procura prioritária ainda é por crianças de 0 a 3 anos, saudáveis e sem irmãos. No entanto, dos 615 gauchinhos que podem ser adotados, 95% tem 8 anos ou mais; 67,9% têm irmãos e 37,3% possuem problemas de saúde. A maioria é do sexo masculino.
Aos poucos, campanhas de conscientização e de preparação para adultos habilitados a adotar têm mudado essa situação. Uma delas é a "Deixa o amor te surpreender", lançada em outubro do ano passado pelo TJ-RS. A ideia é despertar a reflexão e a flexibilização dos perfis desejados pelos pretendentes, afirma a magistrada.
"O importante é que o assunto está em pauta, está sendo falado e as pessoas estão se interessando. Já é um bom resultado".
Também no estado, o projeto "Busca Se(R)", apresentado em dezembro, exibe uma lista com dados de crianças e adolescentes que estão disponíveis para adoção, mas que fogem da faixa etária desejada pelos aspirantes a pais.
Quem manifestar interesse por uma delas, passa por uma espécie de estágio de convivência. Todo o processo, de acordo com a juíza, é acompanhado de perto pelas autoridades.
"É preciso entender que se estabelece um vínculo afetivo aos poucos. Uma criança pequena, um bebê, se adapta mais rápido que um adolescente, por exemplo. Cada caso é um caso", frisa.
Como adotar
Para adotar uma criança, é preciso cumprir uma série de exigências. O primeiro passo ir à Vara da Infância mais próxima e se inscrever como candidato. A idade mínima para se habilitar é 18 anos, independentemente do estado civil, desde que seja respeitada a diferença de 16 anos entre quem deseja adotar e a criança a ser acolhida.
Os documentos necessários são identidade, CPF, certidão de casamento ou nascimento, comprovante de residência, comprovante de rendimentos ou declaração equivalente, atestado ou declaração médica de sanidade física e mental, certidões cível e criminal.
Após dar entrada e ter o pedido aprovado, o nome será habilitado a constar dos cadastros local e nacional de pretendentes à adoção.
É feita uma análise da documentação e são realizadas entrevistas com uma equipe técnica formada por psicólogos e assistentes sociais. Durante a entrevista técnica, o pretendente descreverá o perfil da criança desejada.
É possível escolher o sexo, a faixa etária, o estado de saúde, os irmãos etc. Quando a criança tem irmãos, a lei prevê que o grupo não seja separado.
Com o certificado de habilitação em mãos, o pedido é oficialmente acolhido e o nome será inserido nos cadastros, válidos por dois anos em território nacional. Agora, basta esperar que apareça uma criança com o perfil compatível com o fixado pelo pretendente.
Original disponível em: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/mudou-a-minha-vida-diz-mulher-que-adotou-menino-de-13-anos-que-estava-em-casa-lar-em-porto-alegre.ghtml
Reproduzido por: Lucas H.
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