quarta-feira, 31 de maio de 2017

25 de Maio – Dia Nacional da Adoção: reflexões sobre as adoções necessárias e o amor incondicional – Por Fernanda Ely Borba (Reprodução)

29/05/2017

No dia 25 de maio é celebrado o Dia Nacional da Adoção, e nos quatro cantos do país são publicizados os relatos dos felizes encontros de almas oportunizados pela adoção, bem como as experiências dos Grupos de Estudos e Apoio à Adoção e do Poder Judiciário[2] neste tocante.

Podemos dizer que a adoção caracteriza-se numa estratégia para assegurar a uma ou mais crianças e/ou adolescentes – cujos pais biológicos abdicaram ou foram destituídos do poder familiar –, uma família substituta devidamente habilitada e em condições para o exercício da parentalidade adotiva, na perspectiva de garantir à criança/adolescente o exercício do direito fundamental previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90)[3], relativo à convivência familiar e comunitária.
De acordo com o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), coordenado pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há 7.628 crianças aptas à adoção e 39.737 mil interessadas em adotar. No entanto, essa conta não fecha principalmente porque o perfil desejado por quem quer adotar não é compatível com aquele das crianças que estão à espera da adoção. A maior incompatibilidade se dá em relação à idade: 91% dos pretendentes do cadastro só aceitam crianças até seis anos, enquanto 92% das crianças têm entre 7 e 17 anos de idade[4].

O verdadeiro abismo que se coloca entre o número de crianças disponíveis à adoção e de pretendentes habilitados(as) – haja vista que segundo os dados supracitados, o número de pretendentes à adoção é em torno de cinco vezes maior do que o de crianças aptas à adoção – tem suscitado a ampliação do perfil eleito para a adoção, incorporando as chamadas adoções necessárias[5].

Tais experiências adotivas fogem completamente do esperado com relação às convencionais adoções de bebês, saudáveis, sem irmãos, demandando sólido preparo pessoal das famílias adotivas para enfrentarem os desafios inerentes às adoções necessárias, além de uma série de investimentos para a consolidação dos laços familiares, caracterizado por um processo que pode levar vários meses (ou até anos) para ser concluído.

Analisamos que os desafios (CAMPOS, 2010)[6] postos às adoções necessárias habitualmente estão relacionados ao fato de envolverem crianças maiores e adolescentes que possuem uma história de vida prévia, muitas vezes engendrada por toda a sorte de privações e de violações de direitos (FÁVERO, 2007)[7]. Fato este que instiga às famílias adotivas romper com a aparente proteção que determinadas oportunidades de classe lhes conferem, para depararem-se com as agruras de uma sociedade estruturada por profundas desigualdades sociais, o que incidirá inclusive na colocação de crianças e de adolescentes em famílias adotivas.

Por outro norte, tais crianças e adolescentes igualmente carregam lembranças positivas, sejam elas provenientes da família biológica ou mesmo do longo período que permaneceram em acolhimento institucional ou familiar, uma vez que institucionalizadas as crianças também constituem laços de afeto com cuidadores e outras crianças acolhidas.

Ademais, por envolver crianças ou adolescentes que perfazem grupos de irmãos(ãs), cujos laços fraternais assumem vital importância. Isto sobretudo porque, no período em que tais crianças e adolescentes permanecem em medida de proteção de acolhimento, tais laços podem representar a conexão mais próxima com uma família.

Paralelo a isso, por abranger crianças ou adolescentes signatários de raça/etnia diferenciada dos(as) adotantes, e que invariavelmente levará estes últimos ao questionamento dos próprios preconceitos e do racismo muitas vezes envernizado sob o mito da democracia racial (FREYRE, 1992)[8].

Na mesma esteira, crianças e de adolescentes que carregam doenças e/ou deficiências, solapando toda e qualquer expectativa ligada à ilusória segurança decorrente da transmissão de uma mesma carga genética.

Isto posto, em tal modalidade de adoção, as crianças e adolescentes igualmente são protagonistas no processo adotivo. Elas também adotam a família, e igualmente precisam ser adequadamente envolvidas no processo de adoção. Não são meros objetos, mas sim sujeitos ativos da adoção, tornando-se necessário dar vez e voz a elas.

Diante de tudo isso, observamos que aos(às) adultos(as) são interpostas várias e difíceis renúncias: da cultura adultocêntrica e da tradicional relação de autoridade adulto-criança baseada no conservadorismo; do modelo autoritário e punitivo de cuidados de crianças e de adolescentes para um modelo flexível e pautado na afetividade; do moralismo para aprender a conviver com a diversidade.
Aliado a isso, os(as) adultos(as) são implicados à árdua responsabilidade de tornarem-se o porto seguro para crianças e adolescentes que testarão incansavelmente a consistência da decisão de ampliar a família por meio da adoção e, acima de tudo, a incondicionalidade do amor.

Frente a tais adversidades, as quais fazem cair por terra as idealizações atribuídas à filiação, é comum as famílias adotivas questionarem a si mesmas acerca da decisão de adotarem filhos(as). Muitas vezes, ao depararem-se com as fragilidades e inseguranças das crianças e/ou adolescentes recém adotados, os(as) adultos(as) acabam se defrontando com as próprias inseguranças, dúvidas e com a intensa mudança de vida provocada pela chegada dos(as) filhos(as).

Superar tais adversidades demanda exercitar diariamente o amor incondicional, ou seja, que não impõe condições ou limites e que não espera nada em troca. Sobretudo nos momentos mais críticos, recorrer à incondicionalidade do amor para mediar os obstáculos postos no cotidiano de cuidados configura-se num divisor de águas para a consolidação dos laços familiares.

Não obstante as dificuldades que são previstas nas adoções necessárias, digo-lhes que amparados no amor incondicional e na abertura para lançar mão de um conjunto de investimentos para consolidar os laços de adoção, é plenamente possível constituir lindas e amorosas famílias. Famílias cuja assinatura é definida pelo que há de mais belo e complexo no Ser Humano: a capacidade de amar enquanto uma escolha consciente, baseada no compromisso de construir um mundo melhor por intermédio do amor e da transmissão de valores humanos a nossas crianças e adolescentes.


Notas e Referências:
[1] Registramos que as reflexões apresentadas neste texto são baseadas na experiência profissional como Assistente Social do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), atualmente lotada no Fórum da Comarca de Chapecó/SC, em processos judiciais de adoção e no programa de preparação de pretendentes à adoção, além de referenciais teóricos, privilegiando-se os seguintes: FONSÊCA, Célia Maria Souto Maior de Souza et al. A adoção de crianças com necessidades especiais na perspectiva dos pais adotivos. In: Paideia. Vol. 19, No. 44 Recife: PUCRS, set.-dez. 2009, pp. 303-311; CAMPOS, Niva Maria Vasques. Adoção Tardia: características do estágio de convivência. Acesso em 27/9/2010 [http://www.tjdft.jus.br]
[2] As Varas de Infância e Juventude são responsáveis pela disseminação de informações acerca da adoção legal (tarefa compartilhada com Grupos de Estudos e Apoio à Adoção e outras instâncias), pela preparação de pessoas interessadas em ter filhos(as) por meio da parentalidade adotiva e providências necessárias à inscrição em cadastros de adoção, pela preparação em conjunto com as equipes especializadas dos serviços de acolhimento de crianças e adolescentes aptos à colocação em família adotiva, pela alimentação e monitoramento dos cadastros de pretendentes à adoção e de crianças e adolescentes disponíveis à adoção, pelo encaminhamento do processo de adoção e acompanhamento de estágio de convivência de adoção, dentre outras medidas, configurando-se numa verdadeira política judicial.
[3] BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8.069/1990. Presidência da República, 1990.
[4] CNJ. Conselho Nacional de Justiça. Campanha de adoção do CNJ bate recorde no Twitter, com 108 milhões de pessoas. Acesso em 25/05/2017 [http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84836-campanha-de-adocao-do-cnj-fica-entre-os-principais-assuntos-no-twitter-e-atinge-108-milhoes-de-pessoas-inserir-as-artes-todas].
[5] De acordo com Fonsêca et al (2009), consistem nas adoções mais difíceis de serem realizadas, envolvendo crianças maiores ou adolescentes, de raça/etnia diferente da família adotiva, com doenças e/ou deficiências. IN: FONSÊCA, Célia Maria Souto Maior de Souza et al. A adoção de crianças com necessidades especiais na perspectiva dos pais adotivos. In: Paideia. Vol. 19, No. 44 Recife: PUCRS, set.-dez. 2009, pp. 303-311.
[6] CAMPOS, Niva Maria Vasques. Adoção Tardia: características do estágio de convivência. Acesso em 27/9/2010 [http://www.tjdft.jus.br]
[7] FÁVERO, Eunice Terezinha. Questão Social e Perda do Poder Familiar. São Paulo: Veras Editora, 2007.
[8] FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. Rio de Janeiro: Record, 1992.



Reproduzido por: Lucas H.

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