Atualizado em 11 fev 2017
Diz o bom-senso que férias não é época de assuntos densos e complexos! Mesmo assim, gostaria de convidar o leitor a uma “discussão espinhosa” e, mais do que isso, gostaria de saber a sua opinião no fim dessa conversa. Pensando na pauta para essa coluna, participei de uma reunião do nosso serviço universitário de Psiquiatria da Infância e Adolescência há poucos dias. A residente que apresentava seu trabalho de conclusão tocou num ponto que tem me inquietado muito nos últimos anos: o sofrimento de alguns pais com a adoção.
Uma rápida visita a homepages das agências governamentais de proteção/bem estar de crianças de países desenvolvidos não deixa dúvida que os pais adotivos devem ter o direito ao mais completo repertório de informações sobre a saúde da criança a ser adotada, as condições de parto e a questões de saúde da família biológica.
Entretanto, muitas vezes não é isso que acontece lá e, certamente, não é o que acontece quotidianamente no nosso país, em relação a questões de saúde mental. Os profissionais vinculados às nossas agências ou não coletam essas informações por não entenderem a importância, as coletam de forma superficial, ou as suprimem dos pais adotivos no sentido de protegerem o chamado “melhor interesse da criança”.
Conversando com diversos atores desse cenário, entre eles profissionais que trabalham nessas agências, profissionais da área de saúde mental, advogados de família, juízes e promotores das varas de família, o discurso é o mesmo: vamos afugentar potencias pais que poderiam se interessar por adotar. Crianças vítimas de situações de vida desfavoráveis serão preteridas. O argumento para que todos nós possamos dormir tranquilos é: genética não é determinismo, ou o afeto pode modificar condições muito adversas na gravidez.
Perfeito, mas, ao mesmo tempo, o bebê que nasce está muito longe de ser a tela em branco pronta para ser pintada a partir da interação com os pais adotivos e com o resto do mundo, como nós, profissionais da área de saúde, antigamente pensávamos. Uma área do conhecimento denominada genética comportamental tem demonstrado a forte participação da herança genética nos problemas comportamentais e emocionais de crianças. Um relato emocionante dessa participação genética é feito por uma mãe adotiva, E.K. Trimberger, professora emérita da Universidade de Sonoma na Califórnia.
Soma-se a isso, o crescente conhecimento de que condições adversas durante a gravidez, como uso de substâncias, podem ter um potencial explosivo no desenvolvimento cerebral dos fetos. Um exemplo contundente é a chamada síndrome fetal alcoólica. Acima de tudo, embora não existam estatísticas claras sobre qual é o percentual de doenças mentais graves como Esquizofrenia, Transtorno de Humor Bipolar ou de Uso de Substâncias e gravidezes com uso pesado de uma ou múltiplas drogas na história de vida de crianças em situação de adoção no nosso país, é de se supor que o percentual
não seja insignificante.
É espantoso como a literatura médica passa ao largo dessa situação, ao passo que dezenas de artigos científicos se debruçam sobre dilemas éticos similares como o direito da criança gerada por doação de esperma ou óvulos ao conhecimento do doador biológico. No ambiente acolhedor e sigiloso do consultório é, mais comum do que o leitor possa imaginar, a situação de pais adotivos de crianças com graves problemas emocionais e comportamentais relatarem num misto de desespero e constrangimento que nunca foram preparados ou alertados sobre a importância de dados sobre a gestação de seus filhos adotivos e sobre a saúde mental dos pais biológicos.
O que fazer num cenário onde por um lado existe esse risco inquestionável genético e de problemas na gravidez determinarem uma chance aumentada de problemas emocionas e comportamentais na criança, mas, por outro, o Brasil é um país onde milhares de crianças esperam e necessitam de famílias adotivas?
Num cenário onde a maior parte dos pais e mães adotivos querem apenas o direito à paternidade e/ou maternidade e não têm motivações altruístas, exemplificadas na adoção de uma criança com grave enfermidade clínica para lhe prover um cuidador ou família, como o impulso maior para adoção? Como desconsiderar que também há um risco genético para famílias biológicas e
ninguém sai por aí exigindo o heredograma do potencial parceiro.
Como os psiquiatras são conhecidos por devolver as questões aos seus interlocutores, convido o leitor a responder a seguinte pergunta: Deve ser obrigação das instituições envolvidas na adoção registrar detalhadamente a história familiar de doenças mentais dos pais biológicos e todo o uso de drogas licitas e ilícitas na gravidez e perguntar ativamente aos pais adotivos se gostariam de ter acesso a essa informação e discutir potencias riscos, mesmo que a ciência atual indique apenas que o risco é aumentado sem conseguir quantificar com exatidão o tamanho dele?
Dê sua opinião aqui.
Diz o bom-senso que férias não é época de assuntos densos e complexos! Mesmo assim, gostaria de convidar o leitor a uma “discussão espinhosa” e, mais do que isso, gostaria de saber a sua opinião no fim dessa conversa. Pensando na pauta para essa coluna, participei de uma reunião do nosso serviço universitário de Psiquiatria da Infância e Adolescência há poucos dias. A residente que apresentava seu trabalho de conclusão tocou num ponto que tem me inquietado muito nos últimos anos: o sofrimento de alguns pais com a adoção.
Uma rápida visita a homepages das agências governamentais de proteção/bem estar de crianças de países desenvolvidos não deixa dúvida que os pais adotivos devem ter o direito ao mais completo repertório de informações sobre a saúde da criança a ser adotada, as condições de parto e a questões de saúde da família biológica.
Entretanto, muitas vezes não é isso que acontece lá e, certamente, não é o que acontece quotidianamente no nosso país, em relação a questões de saúde mental. Os profissionais vinculados às nossas agências ou não coletam essas informações por não entenderem a importância, as coletam de forma superficial, ou as suprimem dos pais adotivos no sentido de protegerem o chamado “melhor interesse da criança”.
Conversando com diversos atores desse cenário, entre eles profissionais que trabalham nessas agências, profissionais da área de saúde mental, advogados de família, juízes e promotores das varas de família, o discurso é o mesmo: vamos afugentar potencias pais que poderiam se interessar por adotar. Crianças vítimas de situações de vida desfavoráveis serão preteridas. O argumento para que todos nós possamos dormir tranquilos é: genética não é determinismo, ou o afeto pode modificar condições muito adversas na gravidez.
Perfeito, mas, ao mesmo tempo, o bebê que nasce está muito longe de ser a tela em branco pronta para ser pintada a partir da interação com os pais adotivos e com o resto do mundo, como nós, profissionais da área de saúde, antigamente pensávamos. Uma área do conhecimento denominada genética comportamental tem demonstrado a forte participação da herança genética nos problemas comportamentais e emocionais de crianças. Um relato emocionante dessa participação genética é feito por uma mãe adotiva, E.K. Trimberger, professora emérita da Universidade de Sonoma na Califórnia.
Soma-se a isso, o crescente conhecimento de que condições adversas durante a gravidez, como uso de substâncias, podem ter um potencial explosivo no desenvolvimento cerebral dos fetos. Um exemplo contundente é a chamada síndrome fetal alcoólica. Acima de tudo, embora não existam estatísticas claras sobre qual é o percentual de doenças mentais graves como Esquizofrenia, Transtorno de Humor Bipolar ou de Uso de Substâncias e gravidezes com uso pesado de uma ou múltiplas drogas na história de vida de crianças em situação de adoção no nosso país, é de se supor que o percentual
não seja insignificante.
É espantoso como a literatura médica passa ao largo dessa situação, ao passo que dezenas de artigos científicos se debruçam sobre dilemas éticos similares como o direito da criança gerada por doação de esperma ou óvulos ao conhecimento do doador biológico. No ambiente acolhedor e sigiloso do consultório é, mais comum do que o leitor possa imaginar, a situação de pais adotivos de crianças com graves problemas emocionais e comportamentais relatarem num misto de desespero e constrangimento que nunca foram preparados ou alertados sobre a importância de dados sobre a gestação de seus filhos adotivos e sobre a saúde mental dos pais biológicos.
O que fazer num cenário onde por um lado existe esse risco inquestionável genético e de problemas na gravidez determinarem uma chance aumentada de problemas emocionas e comportamentais na criança, mas, por outro, o Brasil é um país onde milhares de crianças esperam e necessitam de famílias adotivas?
Num cenário onde a maior parte dos pais e mães adotivos querem apenas o direito à paternidade e/ou maternidade e não têm motivações altruístas, exemplificadas na adoção de uma criança com grave enfermidade clínica para lhe prover um cuidador ou família, como o impulso maior para adoção? Como desconsiderar que também há um risco genético para famílias biológicas e
ninguém sai por aí exigindo o heredograma do potencial parceiro.
Como os psiquiatras são conhecidos por devolver as questões aos seus interlocutores, convido o leitor a responder a seguinte pergunta: Deve ser obrigação das instituições envolvidas na adoção registrar detalhadamente a história familiar de doenças mentais dos pais biológicos e todo o uso de drogas licitas e ilícitas na gravidez e perguntar ativamente aos pais adotivos se gostariam de ter acesso a essa informação e discutir potencias riscos, mesmo que a ciência atual indique apenas que o risco é aumentado sem conseguir quantificar com exatidão o tamanho dele?
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Original disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/letra-de-medico/adocao-a-genetica-da-crianca-deve-ser-revelada-opine-aqui/
Reproduzido por: Lucas H.
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