28 abr, 2017
Há, em média, 7,7 pessoas querendo adotar para cada criança ou jovem disponível. Mas se há tantos interessados, por que ainda há tantos menores abandonados? Segundo os dados de 2017 do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), a idade avançada das crianças e dos jovens é um dos fatores que mais limita a adoção.
Segundo o CNA, quase 55% de todos os pretendentes à adoção (37.283) só aceitam crianças de zero a três anos. Este número cai drasticamente com crianças maiores de seis anos. Apenas 6,81% aceitam meninas ou meninos de 7 a 9 anos. E a taxa piora ainda mais dos 10 aos 17, indo para 1,92%. Enquanto isso, a realidade nos centros de acolhimento é inversamente proporcional.
A psicóloga Erika Piedade, da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, explica que a situação atual está bem melhor do que anos atrás. “Quando comecei a trabalhar no Tribunal de Justiça, em 1999, era difícil uma adoção de uma criança de 4 anos. Hoje em dia, crianças de 8 e 9 anos são adotadas”. Segundo ela, os Grupos de Apoio à Adoção foram fundamentais para a ampliação do perfil dos adotados. Nestes grupos, famílias que aguardam a adoção trocam experiência com quem já adotou. A psicóloga explica que estes grupos ajudam na discussão entre o filho idealizado versus o filho real, o que ajuda a ampliar a procura por adoções tardias, crianças com irmãos e com necessidades especiais.
Fernanda Rodrigues e seu marido, Wellington Pereira, preferiram adotar uma criança a gerar um filho biológico. “Não desejava engravidar, amamentar, mas sempre me imaginava mãe de uma criança por volta dos 6 anos de idade, fazendo atividades escolares e brincando. Essas coisas me encantavam mais que um bebê e/ou uma gestação”. O perfil desejado do casal era de 3 a 9 anos, sexo indiferente, negro ou pardo e a criança poderia ter doença tratável.
Eles foram habilitados para adotar em setembro de 2016. Em novembro, eles puderam conhecer seu filho, Pablo, de 9 anos. A guarda provisória chegou em março, quando o menino pôde morar com eles. Agora o fórum continua acompanhando o caso até que a adoção seja efetivada.
Os desafios da adoção
Na adoção, os pretendentes precisam estar cientes da vulnerabilidade da criança ou adolescente. “A criança adotada tardiamente passou por sofrimentos, rompimentos afetivos, experiências por vezes traumáticas, cujos responsáveis foram os adultos que passaram por sua vida. Aqueles que deveriam protegê-los foram, de alguma forma, responsáveis pelas situações que geraram seu acolhimento institucional. A vulnerabilidade social das famílias está presente na maioria dos casos de acolhimento de crianças e adolescentes”, explica a assistente social Marcele Santos, da 2ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Capital. “A criança ou adolescente vai precisar voltar a confiar e se sentir seguro, e cabe ao adulto transmitir a segurança na relação de filiação. Se o adulto que adota não está seguro, a adoção pode dar errado”, ressalta ela.
A psicóloga Erika Piedade também lembra que os pretendentes precisam entender que a criança tem uma história e que eles precisam acolher isso de uma forma muito tranquila. “Quando as crianças e os jovens começam a trazer suas narrativas, eles estão demonstrando um vínculo e uma crença nesta nova relação”, explica. Pablo não é uma exceção. “Pela idade dele, ele consegue entender e se lembrar de muita coisa. Ele sabe a história dele. Conversamos sobre isso e acho ótimo. A melhor forma de construir uma relação com uma pessoa é respeitando quem ela é. Respeito a história do meu filho, os sentimentos dele e quero apoiá-lo em tudo. Se ele precisar ir atrás das pessoas que fizeram parte da vida dele para se sentir bem, estarei ao lado dele”, diz Fernanda.
Ela conta que o maior desafio durante a fase de adaptação foi impor limites ao filho. “Ele chegou a dizer ‘eu te odeio’ algumas vezes e ‘você não manda em mim’ quando a gente estabelecia regras.
Mas sempre falávamos que queríamos ensiná-lo para que ele pudesse ter uma vida melhor, que a gente o amava, e que o queríamos aqui em casa”. A assistente social Marcele Santos acredita que os limites devem ser colocados com afeto e segurança, ainda que os filhos respondam com agressividade. “Por isso, não deve existir espaço para dúvida quando se decide levar uma criança ou adolescente para casa e recebê-lo como filho”.
O medo do abandono é comum entre as crianças e adolescentes nos centros de acolhimento. “A criança e o adolescente poderá testar, tentar manipular, apresentar comportamentos considerados inadequados pelos adotantes, negar o afeto recebido, isolar-se, comportar-se de maneira agressiva e desafiadora, mas o que ela espera, na grande maioria dos casos, é ser desejado como filho, protegido e amado. Pode levar algum tempo, pode ser difícil e muito intenso, mas o resultado é a construção da família. Não a idealizada e perfeita, mas a família real e desejada”, explica Marcele. Fernanda sabe disso. Ela conta que quando brigava com Pablo, ele perguntava se ainda gostavam dele. “Meu filho teve muito medo de ser abandonado por nós e acredito que ainda tenha. Então sempre deixo bem claro ‘eu amo você, mas não aceito isso que você fez’.”
Fernanda recebeu Pablo como filho. Ela é apenas um caso entre tantos outros, mas são iniciativas como a de Fernanda e Wellington que fazem a diferença num cenário em que os números não fecham. “Às vezes me diziam que eu sentiria falta da gravidez, de ter um bebê no colo. Hoje posso afirmar que tenho certeza que isso não me faz falta. Meu filho é carinhoso, recebo cartinhas com declarações de amor e temos momentos de muito afeto. Brincamos juntos, dormimos abraçados e assistimos filmes de mãos dadas. Pensar que uma criança de 8, 10, 15 anos, não tem mais jeito, é desacreditar muito na humanidade”, diz Fernanda.
Original disponível em: http://opiniaoenoticia.com.br/brasil/adocao-tardia-amor-sem-limite-de-idade/
Reproduzido por: Lucas H.
Há, em média, 7,7 pessoas querendo adotar para cada criança ou jovem disponível. Mas se há tantos interessados, por que ainda há tantos menores abandonados? Segundo os dados de 2017 do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), a idade avançada das crianças e dos jovens é um dos fatores que mais limita a adoção.
Segundo o CNA, quase 55% de todos os pretendentes à adoção (37.283) só aceitam crianças de zero a três anos. Este número cai drasticamente com crianças maiores de seis anos. Apenas 6,81% aceitam meninas ou meninos de 7 a 9 anos. E a taxa piora ainda mais dos 10 aos 17, indo para 1,92%. Enquanto isso, a realidade nos centros de acolhimento é inversamente proporcional.
A psicóloga Erika Piedade, da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, explica que a situação atual está bem melhor do que anos atrás. “Quando comecei a trabalhar no Tribunal de Justiça, em 1999, era difícil uma adoção de uma criança de 4 anos. Hoje em dia, crianças de 8 e 9 anos são adotadas”. Segundo ela, os Grupos de Apoio à Adoção foram fundamentais para a ampliação do perfil dos adotados. Nestes grupos, famílias que aguardam a adoção trocam experiência com quem já adotou. A psicóloga explica que estes grupos ajudam na discussão entre o filho idealizado versus o filho real, o que ajuda a ampliar a procura por adoções tardias, crianças com irmãos e com necessidades especiais.
Fernanda Rodrigues e seu marido, Wellington Pereira, preferiram adotar uma criança a gerar um filho biológico. “Não desejava engravidar, amamentar, mas sempre me imaginava mãe de uma criança por volta dos 6 anos de idade, fazendo atividades escolares e brincando. Essas coisas me encantavam mais que um bebê e/ou uma gestação”. O perfil desejado do casal era de 3 a 9 anos, sexo indiferente, negro ou pardo e a criança poderia ter doença tratável.
Eles foram habilitados para adotar em setembro de 2016. Em novembro, eles puderam conhecer seu filho, Pablo, de 9 anos. A guarda provisória chegou em março, quando o menino pôde morar com eles. Agora o fórum continua acompanhando o caso até que a adoção seja efetivada.
Os desafios da adoção
Na adoção, os pretendentes precisam estar cientes da vulnerabilidade da criança ou adolescente. “A criança adotada tardiamente passou por sofrimentos, rompimentos afetivos, experiências por vezes traumáticas, cujos responsáveis foram os adultos que passaram por sua vida. Aqueles que deveriam protegê-los foram, de alguma forma, responsáveis pelas situações que geraram seu acolhimento institucional. A vulnerabilidade social das famílias está presente na maioria dos casos de acolhimento de crianças e adolescentes”, explica a assistente social Marcele Santos, da 2ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Capital. “A criança ou adolescente vai precisar voltar a confiar e se sentir seguro, e cabe ao adulto transmitir a segurança na relação de filiação. Se o adulto que adota não está seguro, a adoção pode dar errado”, ressalta ela.
A psicóloga Erika Piedade também lembra que os pretendentes precisam entender que a criança tem uma história e que eles precisam acolher isso de uma forma muito tranquila. “Quando as crianças e os jovens começam a trazer suas narrativas, eles estão demonstrando um vínculo e uma crença nesta nova relação”, explica. Pablo não é uma exceção. “Pela idade dele, ele consegue entender e se lembrar de muita coisa. Ele sabe a história dele. Conversamos sobre isso e acho ótimo. A melhor forma de construir uma relação com uma pessoa é respeitando quem ela é. Respeito a história do meu filho, os sentimentos dele e quero apoiá-lo em tudo. Se ele precisar ir atrás das pessoas que fizeram parte da vida dele para se sentir bem, estarei ao lado dele”, diz Fernanda.
Ela conta que o maior desafio durante a fase de adaptação foi impor limites ao filho. “Ele chegou a dizer ‘eu te odeio’ algumas vezes e ‘você não manda em mim’ quando a gente estabelecia regras.
Mas sempre falávamos que queríamos ensiná-lo para que ele pudesse ter uma vida melhor, que a gente o amava, e que o queríamos aqui em casa”. A assistente social Marcele Santos acredita que os limites devem ser colocados com afeto e segurança, ainda que os filhos respondam com agressividade. “Por isso, não deve existir espaço para dúvida quando se decide levar uma criança ou adolescente para casa e recebê-lo como filho”.
O medo do abandono é comum entre as crianças e adolescentes nos centros de acolhimento. “A criança e o adolescente poderá testar, tentar manipular, apresentar comportamentos considerados inadequados pelos adotantes, negar o afeto recebido, isolar-se, comportar-se de maneira agressiva e desafiadora, mas o que ela espera, na grande maioria dos casos, é ser desejado como filho, protegido e amado. Pode levar algum tempo, pode ser difícil e muito intenso, mas o resultado é a construção da família. Não a idealizada e perfeita, mas a família real e desejada”, explica Marcele. Fernanda sabe disso. Ela conta que quando brigava com Pablo, ele perguntava se ainda gostavam dele. “Meu filho teve muito medo de ser abandonado por nós e acredito que ainda tenha. Então sempre deixo bem claro ‘eu amo você, mas não aceito isso que você fez’.”
Fernanda recebeu Pablo como filho. Ela é apenas um caso entre tantos outros, mas são iniciativas como a de Fernanda e Wellington que fazem a diferença num cenário em que os números não fecham. “Às vezes me diziam que eu sentiria falta da gravidez, de ter um bebê no colo. Hoje posso afirmar que tenho certeza que isso não me faz falta. Meu filho é carinhoso, recebo cartinhas com declarações de amor e temos momentos de muito afeto. Brincamos juntos, dormimos abraçados e assistimos filmes de mãos dadas. Pensar que uma criança de 8, 10, 15 anos, não tem mais jeito, é desacreditar muito na humanidade”, diz Fernanda.
Original disponível em: http://opiniaoenoticia.com.br/brasil/adocao-tardia-amor-sem-limite-de-idade/
Reproduzido por: Lucas H.
Nenhum comentário:
Postar um comentário