30 de abril de 2017
Há muito tempo o Brasil reconheceu que o afeto é fonte de parentesco.
A partir do texto de João Baptista Villela (Desbiologização da Paternidade)[1] que data de 1979, a construção doutrinária sólida coloca o Direito de Família brasileiro em posição de relevo perante os demais países que, lentamente, começam a reconhecer que além do parentesco natural (decorrente do sangue, do DNA) e do parentesco civil (decorrente das técnicas de reprodução humana assistida e da adoção) o afeto também é causa de parentesco.
Os problemas e vicissitudes enfrentados, mormente em razões de objeções que carecem de fundamento, levantadas por professores conservadores (também chamados de “time do contra”), que se negam a enxergar que a família mudou e com isso mudou também o Direito de Família, foram superados pela decisão do Supremo Tribunal Federal na repercussão geral 622 em setembro de 2016. Assim temos:
A decisão representa o grande triunfo do afeto: reconhecido não só como fonte de paternidade, mas com repercussão geral.[3]
O reconhecimento judicial da paternidade socioafetiva e seus efeitos é pacífico e reiterado pelas decisões do STJ, Corte que encerra o debate em matéria infraconstitucional. Assim temos duas grandes questões:
a) Homem registra filho de sua esposa ou companheira sabendo que biologicamente o filho é de um terceiro. Depois de algum tempo, apesar dos vínculos de afeto já consolidados, propõe demanda contra o filho (negatória de paternidade) com base na ausência de vínculo consanguíneo (invoca do DNA). As decisões pela improcedência da ação e manutenção do vínculo são constantes. Por todas:
b)Terceiro pretende desfazer a paternidade socioafetiva (ação declaratória de nulidade do registro) para fins de herança. Nesses casos, o filho biológico normalmente pretende desconstituir a paternidade socioafetiva para herdar a totalidade dos bens do falecido. As decisões do STJ constantes e reiteradas repelem essa conduta (improcedência da ação). Por todas:
Em termos práticos, o motivo de nobreza impera. Reconhece-se filho que biologicamente é de outrem para dar um pai a quem não o tem. O afeto é fundamento, em regra, da prática da “falsa” declaração. Não estamos tratando, por óbvio, de situação em que há rapto de crianças em que os motivos, nada nobres, não só são totalmente censuráveis como plena e severamente puníveis.
Contudo, o Direito de Família, seguindo o preceito do melhor interesse da criança e a desjudicialização das questões em que não há conflito, precisava dar à questão solução mais adequada e célere. Foi assim que o Estado de Pernambuco, por meio do Provimento 9 de 2013[4], de lavra do genial jurista, grande familiarista e detentor de cultura geral invejável, Desembargador Jones Figueirêdo Alves, de maneira pioneira, regulamentou a questão:
Note-se que, pelo Provimento em questão, há um requisito básico: que a pessoa a ser reconhecida como filho ou filha não tenha pai declarado na certidão de nascimento.
Seguindo idêntica (ou praticamente) orientação temos, inclusive com cópia total ou parcial do texto, temos os provimentos:
Note-se que as regulamentações feitas pelos tribunais indicam que há um consenso: o reconhecimento extrajudicial é possível e há necessidade de regulamentação da questão. As diferenças são poucas e as semelhanças profundas. Em nossa próxima coluna seguiremos com a reflexão e a orientação do Conselho Nacional de Justiça.
Original disponível em: http://www.conjur.com.br/2017-abr-30/processo-familiar-reconhecimento-extrajudicial-parentalidade-afetiva-parte
Reproduzido por: Lucas H.
Há muito tempo o Brasil reconheceu que o afeto é fonte de parentesco.
A partir do texto de João Baptista Villela (Desbiologização da Paternidade)[1] que data de 1979, a construção doutrinária sólida coloca o Direito de Família brasileiro em posição de relevo perante os demais países que, lentamente, começam a reconhecer que além do parentesco natural (decorrente do sangue, do DNA) e do parentesco civil (decorrente das técnicas de reprodução humana assistida e da adoção) o afeto também é causa de parentesco.
Os problemas e vicissitudes enfrentados, mormente em razões de objeções que carecem de fundamento, levantadas por professores conservadores (também chamados de “time do contra”), que se negam a enxergar que a família mudou e com isso mudou também o Direito de Família, foram superados pela decisão do Supremo Tribunal Federal na repercussão geral 622 em setembro de 2016. Assim temos:
“A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.”[2]
O reconhecimento judicial da paternidade socioafetiva e seus efeitos é pacífico e reiterado pelas decisões do STJ, Corte que encerra o debate em matéria infraconstitucional. Assim temos duas grandes questões:
a) Homem registra filho de sua esposa ou companheira sabendo que biologicamente o filho é de um terceiro. Depois de algum tempo, apesar dos vínculos de afeto já consolidados, propõe demanda contra o filho (negatória de paternidade) com base na ausência de vínculo consanguíneo (invoca do DNA). As decisões pela improcedência da ação e manutenção do vínculo são constantes. Por todas:
A "adoção à brasileira", ainda que fundamentada na "piedade" e muito embora seja expediente à margem do ordenamento pátrio, quando se fizer fonte de vínculo socioafetivo entre o pai de registro e o filho registrado, não consubstancia negócio jurídico sujeito a distrato por mera liberalidade, tampouco avença submetida a condição resolutiva, consistente no término do relacionamento com a genitora. (REsp 1333360/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe 07/12/2016)
“A paternidade biológica feita constar em registro civil a contar de livre manifestação emanada do próprio declarante, ainda que negada por posterior exame de DNA, não pode ser afastada em demanda proposta exclusivamente por herdeiros, mormente havendo provas dos fortes laços socioafetivos entre o pai e a filha, não tendo o primeiro, mesmo ciente do resultado do exame de pesquisa genética, portanto, ainda em vida, adotado qualquer medida desconstitutiva de liame. (REsp 1131076/PR, Rel. Ministro Marco Buzzi, 4a Turma, julgado em 06/10/2016, DJe 11/11/2016)”
O problema ocorre então, nas situações em que o pai socioafetivo pretende registrar o filho ou filha sem buscar tutela judicial. Busca, apenas, o registro civil para reconhecer que é pai socioafetivo de determinada pessoa. Pelo sistema do Código Penal, se aquele homem declarar que é pai biológico, sabendo que não o é, cometerá crime:
“Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:
Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena”.
Contudo, o Direito de Família, seguindo o preceito do melhor interesse da criança e a desjudicialização das questões em que não há conflito, precisava dar à questão solução mais adequada e célere. Foi assim que o Estado de Pernambuco, por meio do Provimento 9 de 2013[4], de lavra do genial jurista, grande familiarista e detentor de cultura geral invejável, Desembargador Jones Figueirêdo Alves, de maneira pioneira, regulamentou a questão:
Artigo 2º - O interessado poderá reconhecer a paternidade socioafetiva de filho, perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, mediante a apresentação de documento de identificação com foto, certidão de nascimento do filho, em original ou cópia.
§3º - Constarão do termo, além dos dados do requerente, os dados da genitora e do filho, devendo o Oficial colher a assinatura da genitora do filho a ser reconhecido, caso o mesmo seja menor.
§4º - Caso o filho a ser reconhecido seja maior, o reconhecimento dependerá da anuência escrita do mesmo, perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais”.
Seguindo idêntica (ou praticamente) orientação temos, inclusive com cópia total ou parcial do texto, temos os provimentos:
- 21 de 2013 do Tribunal de Justiça do Maranhão;[5]
- 15 de 2013 do Tribunal de Justiça do Ceará;[6]
- 234 do Tribunal de Justiça do Amazonas;[7]
- 11 de 2014 do Tribunal de Justiça de Santa Catarina;[8]
- 264 de 2016 do Tribunal de Justiça do Paraná[9];
- 149 de 2017 do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul[10].
Note-se que as regulamentações feitas pelos tribunais indicam que há um consenso: o reconhecimento extrajudicial é possível e há necessidade de regulamentação da questão. As diferenças são poucas e as semelhanças profundas. Em nossa próxima coluna seguiremos com a reflexão e a orientação do Conselho Nacional de Justiça.
Original disponível em: http://www.conjur.com.br/2017-abr-30/processo-familiar-reconhecimento-extrajudicial-parentalidade-afetiva-parte
Reproduzido por: Lucas H.
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