quarta-feira, 21 de setembro de 2016

A DICOTOMIA NO SISTEMA DE ADOÇÃO BRASILEIRO (Reprodução)

21.09.2016

Laís David, Estudante de Direito

CONCEITO E HISTÓRICO DA ADOÇÃO

A palavra adoção deriva do latim adoptare e significa aceitar, adotar e inserir alguém no seio de sua própria família.

A adoção é o ato pelo qual se cria um vínculo afetivo entre adotante e adotado, gerando um laço de parentesco, permitindo uma oportunidade de criar ou complementar determinada família.
Caio Mario da Silva (2007; p. 392) conceitua a adoção como “ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho, independente de existir entre elas qualquer relação de parentesco consanguíneo ao afim”.

Já Maria Berenice Dias (2010, p. 476), explica a adoção como “ato jurídico em sentido estrito, cuja eficácia está condicionada à chancela judicial, criando um vínculo fictício de paternidade-maternidade-filiação entre pessoas estranhas, análogo ao que resulta da filiação biológica”.

Desde a antiguidade, o instituto da adoção tem sido utilizado. Nos tempos mais remotos, era uma forma de devoção aos antepassados que haviam constituído determinada família, visando assim dar continuação a esta. Havia uma série de restrições e era uma espécie de contrato, de modo que bastava que se cumprissem algumas condições para caracterizar o vínculo adotivo. No código de Hamurabi está descrito que “se alguém dá seu nome a uma criança e a cria como filho, este adotado não poderá mais ser reclamado”.

A grande diferença, como se pode perceber, era a falta do formalismo.

A devolução da criança aos pais naturais era perfeitamente possível e comum, bastando, por exemplo, que o adotando se revoltasse contra seus pais adotivos, ou que não lhe fosse ensinado algum ofício e ainda que o adotante tratasse de forma desigual o filho adotivo dos demais que possuísse. Esta característica foi extinta, vez que hoje a adoção possui caráter irrevogável e irreversível.

Posteriormente, na idade média, o instituto da adoção deixa de ser utilizado. A supremacia da Igreja Católica era a principal característica da época, e só permitia que os pais tivessem filhos apenas concebidos naturalmente.

A adoção passa a ressurgir já na Idade Moderna, para atender aos interesses sucessórios do imperador Napoleão Bonaparte, e, portanto totalmente restrita, de difícil acesso, visto que as imposições necessárias para estar apta a adoção eram demasiadas seletivas e inflexíveis.

No Brasil, o Código de 1916 foi o responsável pela regulamentação da adoção, porém ainda com as características de contrato, efetivado por meio de escritura pública, exigindo, para que se configurasse o vínculo adotivo, entre outros requisitos, que fossem pessoas casadas há mais de 5 anos, que tivessem acima de 50 anos (posteriormente modificado para 30 anos) e que não houvesse prole legítima ou legitimada. O vinculo da adoção era também facilmente dissolvido, como por exemplo, quando houvesse convenção entres as duas partes ou quando o adotado cometesse ingratidão contra o adotante.

A adoção ficava sob o múnus do Código Civil de 2002, após a revogação do Código de 1916. Posteriormente, em 2009, houve modificação no Código Civil e adoção começou a ser regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, e traz inovações. A adoção deixa de ser realizada por escritura pública e passa a ser assistida pelo Poder Público.

O Processo se inicia a partir do momento em que os pretendentes se inscrevem no cadastro próprio de adoção, que se faz com a apresentação de petição na Vara de Infância e Juventude de sua cidade, contendo os documentos necessários para tal. Será feito, posteriormente, um estudo psicossocial pela Equipe Técnica da vara. Os pretendes passam por um curso preparatório à adoção, e, depois de preenchidos todos os requisitos, arquiva-se o processo de Habilitação e apensa-o ao novo processo de Adoção.

Durante o Processo, inicia-se o estágio de convivência. Esse estágio é o ato pelo qual o adotando, já sob guarda do pretendente, passa a fazer parte do convívio e relação no novo lar. A criança deve se adaptar à nova rotina para que seja favorável o parecer da equipe técnica. Dispõe o § 4º do art. 46 do ECA que "o estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida".

O estágio será dispensado quando a criança possuir menos de 1 ano ou se já estiver sob a tutela ou guarda legal "do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo" (§ 1, art. 46, ECA).

Se procedente a adoção, é confeccionado o novo Registo Civil do adotando, desta vez com o nome dos pais adotivos.

A adoção, como já mencionado, possui caráter irrevogável e irreversível, e só será cabível quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, e deverá fundar-se em motivos legítimos.

Qualquer pessoa com idade superior a 18 anos pode adotar, desde que seja respeitada a diferença mínima de 16 anos de idade do adotando, independente do estado civil. Não podem adotar menores e incapazes e os avós ou irmão do adotando.

A adoção de pessoas divorciadas ou separadas judicialmente só poderá acontecer se o estágio de convivência se iniciar durante o casamento.

Podem ser adotadas quaisquer crianças que se encontrem destituídas do poder familiar, e que contem com até 18 anos. Maiores de 18 anos podem ser adotados, desde que já estejam sob a tutela ou guarda dos pretendentes à adoção à época do pedido. Em qualquer caso, a criança que conte com 12 anos à época do pedido, deverá depor em audiência para anuir ou não com a adoção.

Os pais ou representantes legais dever prestar consentimento acerca da adoção, exceto quando forem desconhecidos, ou nos casos que tenha ocorrido destituição do poder familiar.

Estrangeiros também podem adotar, porém essa modalidade é excepcional. Somente crianças que por algum motivo não puderam ser inseridas em famílias brasileiras poderão ser adotadas por estrangeiros. É a Convenção de Haia nº 33, de 1993 que estabelece os critérios necessários e regula esse tipo de adoção.

As crianças disponíveis para a adoção internacional deverão ter acima de 5 anos, exceção por exemplo no caso da adoção dos grupos de irmão, onde um deles poderá contar com idade inferior à exigida.

O estrangeiro que resida no Brasil também poderá entrar com pedido de adoção, desde que seu visto seja de permanência definitiva.

O ECA dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente e é um ponto fundamental de segurança aos direitos do menores.

PROBLEMÁTICA

A palavra gerar significa dar origem ou provocar o nascimento de algo ou alguém. A adoção representa o ato de cuidar de uma criança como se filho natural fosse. São pais os que cuidam e se dedicam aos seus filhos, independente de que forma tenham sido gerados, dando toda assistência psicológica e material indispensável ao bom desenvolvimento de sua prole.

Toda criança tem direito de ter uma família. É no seio dela que desenvolve seu caráter. É a base e a raiz de seus princípios, a sua forma de se adaptar em sociedade, seja a família natural ou substituta.
Tem-se em mente a ideia de que durante a gravidez a mulher e seu companheiro esperam um filho com características infinitas, e não podem decidir sobre estas.

É uma completa insanidade então imaginar que nosso país conta com um cadastro onde as crianças que estão disponíveis para adoção recebem um rótulo: idade, cor/raça, sexo, número de irmãos, dentre outros.

O Cadastro Nacional de Adoção - CNA, representa um verdadeiro comércio de crianças e adolescentes, onde os pretendes a adotar escolhem o perfil desejado que destoa, em grande parcela, das crianças cadastradas. Esse cadastro serve, em tese, como meio eficaz de procura pela criança desejada.

Durante o Processo de Habilitação para Adoção é concedido aos adotantes a possibilidade de determinar as características. A resposta que é comumente ouvida é que com esse perfil a criança se sinta com a “identidade” deles. Os que possuem outros filhos dizem que não querem crianças diferentes das demais, e quanto ao aspecto da deficiência, a maioria recusa pois afirmam não ter condições, até mesmo emocional, para o cuidado com eles.

O CNA foi criado em 2008 e funciona da seguinte forma: as justiças de todos os estados da federação preenchem o cadastro e desta forma obtêm-se a consubstanciação de dados. Primeiramente procura-se no próprio estado do adotante uma criança que se encaixe no seu perfil. Caso não tenha sucesso na busca, se inicia a localização em outros estados. Muitas vezes um pretende passa a frente do outro, pois as características de determinada criança é incompatível com o casal que primeiro se cadastrou. De acordo com o Guia de Usuário (disponível para consulta no site do CNA), o cadastro "estabelece originalmente como critério de preferência a data da sentença de habilitação. Contudo, fica assegurada ao juiz a liberdade para, dentre os habilitados, escolher aquele que, na sua concepção, for o mais indicado para o caso concreto" (item 1.4, p. 4).

Segundo a Agência Brasil “a principal mudança é a interligação nacional das comarcas. Antes, o juiz preenchia as informações, mas elas ficavam restritas ao estado de origem. Quando iniciava a procura por uma criança com o perfil solicitado pelos adotantes, o magistrado tinha de consultar diferentes cadastros, o que, segundo a corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi, dificultava a tramitação do processo”.

A juíza de direito do Rio de Janeiro, Cristiana de Faria Cordeiro, que também é integrante do Comitê Gestor do CNA, explica que “ainda que o Estatuto da Criança e do Adolescente já previsse, desde 1990, a obrigatoriedade de manutenção de cadastros locais, tanto de pretendentes habilitados como de crianças e adolescentes em condições de serem adotadas, na prática, muito poucas varas os mantinham, sendo em somente algumas unidades da federação de forma informatizada. Foi então que, por iniciativa da Conselheira Andrea Pachá, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça, editou a Resolução nº 54, em 29/04/2008, criando o Cadastro Nacional de Adoção – CNA. Publicada no dia 08/05/2008, fixou um prazo de 180 dias para que todas as informações relativas a pretendentes e a crianças/adolescentes fossem inseridas no CNA”.

A partir da consolidação do CNA é se concretiza o impasse, a realidade dúbia que traduz o sistema de adoção brasileiro. Os dados estatísticos datados de maio do corrente ano demonstram a desproporção nos números: atualmente o Brasil conta com 33.612 pretendes cadastradas e 5.631 crianças e adolescentes disponíveis.

A demanda não é suprida por fatores diversos. Cita-se como exemplo a oposição à chamada Adoção Tardia. Este termo reflete a adoção de crianças que contam com uma idade mais avançada, geralmente com mais de 4 anos de idade e que usualmente encontram-se nessas condições por fatores e circunstâncias diversas, tais como o abandono tardio, a dificuldade na proteção da criança e ainda os casos em que há destituição do poder familiar.

Este termo tem caído em desuso pelo fato que denotar uma idade correta para que se efetive a adoção.
O total de pretendes que aceitam crianças com de 4 anos é de 4.007 (11,92%), seguido por 1.671 (4,97%) os que aceitam crianças com 6 anos, e 415 (1,23%) os que aceitam crianças com idade de 8 anos. Os números tendem a cair conforme o avanço da idade.

Outra abordagem é acerca da adoção de grupo de irmãos. Somente 7.216 (22,69%) pretendentes aceitam adotar irmãos, enquanto que esses grupos representam o total de 4.349 (77,23%). O Estatuto da Criança e do Adolescente, no § 4º de seu art. 28 § faz saber que “os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais”, observando-se assim a relutância e oposição à dissolução deste vínculo, o que dificulta ainda mais a questão do suprimento da demanda na adoção.

Outro ponto que é importante debater é a questão racial. Sugere a crença popular que a adoção encontra dificuldade na resolução, pois a maioria dos casais deseja ter meninas da raça branca. Apesar de ser verídico que a maioria (26,44%) queira crianças brancas, não se encontra dificuldade em encontrar este perfil, visto que o total das crianças com essa característica seja o segundo maior, contando com 1.833 (32,55%) cadastrados, ficando atrás apenas da raça parda que conta com 2.749 (48,82%), sendo que um total de 16.530 (49,18%) pretendentes aceitam crianças deste perfil.
Importante destacar que, apesar de alguns pretendentes traçarem perfis, parte deles aceitam crianças com características diversas.

A morosidade processual de certa forma é um óbice na solução do conflito, mas faz-se mister, visto que a adoção, por seu caráter irreversível, não pode deixar margem de dúvidas sobre a real vantagem às partes. A demora existe, é real, mas no processo, a sentença só é proferida quando não restar nenhuma dubiedade, nenhuma incerteza que o vínculo definitivo é favorável. O CNJ, objetivando a celeridade processual, dispôs no art. 3º do provimento nº 36 que os “Corregedores Gerais dos Tribunais de Justiça dos Estados que fiscalizem, por meio de inspeções ou correições, de forma efetiva e constante, o tempo de tramitação dos processos de adoção e os de destituição do poder familiar, investigando disciplinarmente os magistrados que, de forma injustificável, tiverem sob sua condução ações desse tipo tramitando há mais de 12 (doze) meses sem a prolação de sentença [...]”. Além disso, é importante ressaltar que a morosidade ocorre por diversos motivos, dentre os quais, justamente o perfil que os adotantes traçam. Quanto menos restrições quanto às características dos adotantes, mais célere será o processo, mais cedo se encontra a criança para adotar.

A realidade no Estado do Amapá não é diferente. São apenas 19 crianças cadastradas contra o total de 122 pretendentes à adoção. Temos então um número de pretendentes 6 vezes maior. A causa é a mesma: a seletividade.

A CEJA - Comissão Estadual Judiciária de Adoção é responsável por procurar colocar as crianças à salvo de negligência e outros abusos que eventualmente poderão ocorrer. Entre as atribuições relacionadas na página virtual do Tribunal de Justiça do Amapá, compete à CEJA:

"I – elaborar estudo prévio e análise dos pedidos de habilitação de estrangeiros, para adoção de crianças e adolescentes no Estado do Amapá (ECA, art. 52), observada a preferência dos nacionais em adotar, assim como o sigilo e a gratuidade; II – expedir Laudo de Habilitação para a instrução dos processos de adoção internacional de crianças e adolescentes no Estado do Amapá; III – manter cadastros sigilosos dos pretendentes à adoção nacional e internacional, assim como das crianças e adolescentes em condições de adoção no Estado do Amapá, em apoio aos Juízos da Criança e da Adolescência do Estado; IV – promover intercâmbio e cooperação técnica com as comissões de adoção dos outros Estados-Membros, para a consecução dos seus objetivos; V – zelar para que as adoções realizadas no Estado do Amapá obedeçam aos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente; VI – incentivar as políticas de adoção no Estado, promovendo a divulgação de projetos de adoção para conscientização geral sobre a necessidade do uso regular e ordenado do instituto da adoção; Parágrafo único. A habilitação para adoção internacional e o respectivo cadastro é de competência exclusiva da CEJA."

A iniciativa é benéfica e promove a proteção à criança, colocando à salvo de toda forma de injustiça e descriminação.

CONCLUSÃO
A Adoção deve representar reais vantagens para o correto desenvolvimento de quem se encontra nesta situação. O art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que "toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta [...]".

Há muitos fatores que levam uma criança ao caminho da adoção. Além do fato de não poder crescer junto à sua família natural, ainda tem que passar pelo óbice da categorização.

O Art. 50 do mesmo Estatuto leciona que "a autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção" (Vide Lei nº 12.010, de 2009).

Com base nessa informação, o Cadastro Nacional de Adoção deveria manter em seu registro, apenas a quantidade de crianças por estado, bem como a quantidade de pretendentes. De outro modo, ao invés de manter só o essencial, oferece uma lista vasta de atributos, onde o adotante pode escolher o que lhe agrada e excluir o que não for de seu interesse.

A solução mais eficaz para esse conflito é a mudança na legislação, alterando o cadastro para que a adoção não só seja mais natural, como também respeitar os direitos fundamentais da criança, não violando a dignidade da pessoa humana, sem discriminá-la, nem lhe impor padrões.

A adoção é um gesto mútuo. O adotando deve se sentir aceito no seu novo lar, independente das suas características físicas ou psicológicas. Essa é a base do que é o instituto da família. É o acolhimento sem distinção, que tem a raiz no amor pelo qual os laços afetivos são formados.

Laís Nazário David
Alexandre Marcondys Ribeiro Portilho

Original disponível em: http://laisdavid9.jusbrasil.com.br/artigos/386169629/a-dicotomia-no-sistema-de-adocao-brasileiro

Reproduzido por: Lucas H.

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