segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O que o governo quer mudar em relação às regras para adoção no país (Reprodução)

22 Out 2016   

O Ministério da Justiça e Cidadania abriu uma consulta pública para elaborar um projeto de lei que pode mudar a legislação sobre adoção no país. O projeto receberá sugestões da população até o dia 4 de novembro, quando o MJC analisa as propostas da sociedade e compõe o texto final que será enviado ao Congresso Nacional ainda em 2016.
As mudanças têm como intenção acelerar e desburocratizar o processo de adoção de crianças no Brasil. Hoje, há 46 mil crianças e adolescentes vivendo em abrigos no país, dos quais 7 mil podem ser adotados. Ao mesmo tempo, há 37 mil pessoas na fila nacional de candidatos a pais adotivos.
“Pretendemos, com esse debate, captar os elementos para fazer as alterações normativas necessárias para facilitar o processo no que se refere a prazos. Hoje, as ações de adoção demoram muito tempo. Isso é prejudicial para as crianças e para as famílias que aguardam essa criança. Queremos que esse processo seja acelerado com segurança jurídica.”
Clarice Oliveira
Diretora da Secretaria de Assuntos Legislativos do MJC em entrevista ao Portal Brasil
Especialistas são unânimes na necessidade de que mais crianças encontrem lares de forma mais rápida. No entanto, divergem sobre medidas que acelerem o processo. Há o temor de que a exigência de um limite de tempo para a conclusão de um processo de adoção motive decisões judiciais tomadas de maneira precipitada, apenas para cumprir prazos.

Como funciona a lei para adoção hoje no país#

No Brasil, a adoção é inteiramente  regulada pelo princípio do melhor interesse para a criança. Por isso, cada processo é muito específico, e leva em consideração as situações particulares da criança, dos pais, e dos outros parentes.

É por esse motivo que crianças que vivem em centros de acolhimento não necessariamente estão habilitadas para serem adotadas. Antes de determinar que possam ser adotadas, a Justiça tenta outros recursos - como dar a guarda a um parente próximo ou o restabelecimento de condições psicológicas e financeiras dos pais biológicos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente determina que esse processo todo deva durar, no máximo, 120 dias. Mas como não há nenhuma sanção, na prática, é o juiz quem decide como o caso deve prosseguir - e esse processo pode levar mais tempo. Se ele acabar determinando a perda definitiva da guarda dos pais e não houver outro parente biológico em condições de obter a guarda, a criança é incluída no Cadastro Nacional de Adoção.

O processo pelo qual um casal ou indivíduo candidato a adoção passa também é longo - também para proteger o interesse das crianças. A inclusão no Cadastro Nacional de Adoção exige uma série de documentos pessoais, atestados de sanidade física e mental, certidões cíveis e criminais, cursos preparatórios psicossociais e entrevistas técnicas.
Depois disso, um laudo técnico da Vara da Infância na qual o pedido foi feito e um parecer do Ministério Público sobre a situação dos candidatos são enviados para um juiz, que autoriza ou defere o pedido de inclusão deles no Cadastro Nacional de Adoção.
Se deferida pelo juiz, a inclusão na lista dura dois anos - e esse tempo, muitas vezes, é insuficiente para que o pretendente a adotante encontre uma criança com o perfil que deseja. A espera, em alguns casos, pode durar anos.
Quando os pretendentes encontram a criança, o juiz geralmente determina um estágio de convivência - que pode durar cerca de um mês - e, caso o estágio aconteça sem problemas, em seguida provê a guarda provisória. Uma avaliação posterior, também sem prazo, determina a guarda definitiva da criança, que inclui uma nova certidão de nascimento com o nome dos pais adotivos.

Como é a proposta de Projeto de Lei do governo#

A versão inicial do projeto de lei, que está em consulta pública, define prazos-limite para os processos de estágio de convivência, guarda provisória e guarda definitiva, que acontecem depois que o candidato encontra uma criança com o perfil que procurava.
Além disso, também regulamenta os processos de apadrinhamento afetivo e entrega voluntária, que não estão claramente descritos na lei atual, e estabelece prioridade na fila para adoções de crianças com doenças crônicas, com deficiência e que tenham irmãos.

Prazos para as fases pós-adoção

  • Como é hoje: a justiça avalia cada caso de maneira independente e a partir do contexto e histórico da criança e da nova família, decide quanto deve durar o estágio de convivência e a guarda provisória. Pode demorar até dois anos para que os pais adotivos recebam a guarda definitiva da criança.
  • Nova proposta: o prazo máximo para o processo completo e a guarda definitiva cai para um ano e dois meses. O estágio de convivência fica limitado a 90 dias, prorrogáveis por mais 90 dias.

Adoção por estrangeiros

  • Como é hoje: os pretendentes estrangeiros precisam se submeter a um processo de documentação parecido com os brasileiros que querem adotar. Quando encontram uma criança, o juiz determina um estágio de convivência obrigatório de no mínimo 30 dias, em território nacional e sem tempo máximo, antes de conceder a guarda provisória e a definitiva.
  • Nova proposta: a nova sugestão para a lei limita em 15 dias o tempo mínimo de estágio de convivência e para 45 dias o tempo máximo, depois do qual a justiça deve dar um parecer definitivo. Pretendentes continuam submetidos ao mesmo processo de documentação estabelecido pela lei anterior.

Entrega voluntária

  • Como é hoje: hoje, a entrega de um recém-nascido para adoção é prevista na lei, mas não é detalhada. Além disso, de acordo com fontes ouvidas pelo Nexo, o Ministério Público em alguns casos dificulta essa entrega. De acordo com o psicólogo Walter Gomes de Sousa, que há 14 anos é supervisor da área de adoção da Vara de Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, em muitos casos a mãe pode ser acusada de abandono de incapaz, mesmo com a situação descrita na lei. Isso inibe a entrega voluntária.
  • Nova proposta: o processo de entrega voluntária fica descrito na legislação, o que regulamenta o dispositivo e garante esse direito. Fica também determinado um prazo de dois meses para que a mãe, caso se arrependa, reclame a guarda da criança ou indique um familiar.

Apadrinhamento afetivo

  • Como é hoje: também é previsto em lei que um adulto possa estabelecer um laço afetivo com uma criança ou adolescente em um abrigo, sem contudo receber sua guarda. Os detalhes e regras desse dispositivo, no entanto, não estão regulados.
  • Nova proposta: a lei determina as funções e papéis do padrinho afetivo, bem como a diferença de idade de dez anos e sanções no caso de violação das regras.

Por que a fila de espera para adoção é tão longa

Há 37 mil pretendentes a adotantes na fila e 7 mil crianças esperando por um lar em centros de acolhimento no Brasil. A matemática não explica porque um candidato pode demorar até 10 anos para encontrar uma criança - mas as exigências desse candidato, sim.
61,1%
das crianças habilitadas para adoção hoje no Brasil têm 10 anos ou mais
O psicólogo Walter Gomes de Sousa explicou ao Nexo que embora a desburocratização do processo seja importante, o principal fator limitante para que mais crianças sejam adotadas mais rapidamente é o perfil exigido pelos pretendentes.
“Geralmente, a família se habilita idealizando um perfil muito específico, difícil de ser negociado. E esse perfil é diametralmente oposto ao perfil das crianças em centros de acolhida que estão procurando por famílias”, diz ele.
Outro ponto apontado por Sousa diz respeito à prioridade que a Justiça costuma dar à família consanguínea no processo. Nas tentativas de “fazer funcionar” com os pais biológicos, a criança envelhece e a possibilidade de que ela seja adotada por uma nova família diminui.

O QUE OS PAIS QUEREM

82,2%
só querem crianças de até cinco anos
20,8%
só aceitam adotar crianças brancas
67,2%
não têm interesse em adotar crianças portadoras de alguma doença ou deficiência
68,6%
não aceitam adotar irmãos

O PERFIL DAS CRIANÇAS

77,4%
têm mais de cinco anos
66%
são pretas, pardas, amarelas ou indígenas
25,9%
têm alguma deficiência ou doença
63,2%
têm irmãos
(Fonte dos dados: CNJ/21 de outubro de 2016)


Reproduzido por: Lucas H.


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