27.01.2017
Como surgiu a Associação Bem-me-Queres? Há 10 anos, numa altura em que quase não existia informação e apoio aos interessados em adotar. Os candidatos dirigiam-se à Segurança Social, como ainda acontece, mas o que os serviços faziam era apenas a avaliação dos candidatos. Nem sequer havia programa de formação, o que levava os interessados a procurarem alguém que já tivesse adotado, como era o meu caso, que tinha adotado dois irmãos, rapazes recentemente. E amigos ou amigos de amigos procuravam-nos e a nossa casa começou a tornar-se uma espécie de espaço informativo...
Hoje que idades têm?
20 e 17 anos.
O que a levou a adotar?
Não quero aprofundar o lado pessoal. O importante é que tantos pais adotivos, tal como eu, precisavam de um espaço que fosse um ponto de encontro para partilhar as suas dificuldades e angústias. Os nossos anseios e receios não são iguais aos das famílias biológicas e é difícil encontrar alguém em situação semelhante. Ainda hoje, não é frequente na mesma escola encontrar uma família por adoção, onde os nossos filhos tenham situações comuns. Os outros miúdos, quando sabem que o colega é adotado, bombardeiam com perguntas, fazendo-o sentir diferente...
Quais as perguntas mais frequentes?
Sabes que a mãe que te vem buscar não é a tua mãe verdadeira? Sabes quem é a verdadeira? Ficam com uma enorme curiosidade, o que é natural. E professores e auxiliares muitas vezes não sabem lidar da melhor forma com o assunto. Neste momento, temos pronto a arrancar um programa, feito em parceria com a Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto, para ajudar as escolas e professores interessados a abordar a questão sem constrangimentos, como por exemplo quando pedem aos alunos para fazer a árvore genealógica da família.
Este é o III Encontro Nacional de Famílias Adotivas e Candidatos à Adoção. Há muitos participantes?
Cerca de 700 e vêm de todo o país. Participam interessados em adotar, como famílias com filhos adotivos, técnicos da Segurança Social e das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), além de estudantes desta área. E filhos adotivos já adultos e crianças, que estão envolvidos em programas lúdicos enquanto os pais estão nas conferências e workshops. Conhecem-se uns aos outros, é um momento importante para eles....
Por não se sentirem únicos?
Exatamente. Ficam surpreendidos quando percebem que afinal há tantas outras crianças adotadas.
A abertura será feita por Armando Leandro, presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção de Crianças e Jovens...
Sempre foi uma pessoa que acarinhou a adoção e apoiou esta associação por saber que este projeto de vida é uma salvação para muitas crianças.
Que questões são abordadas nestes encontros?
Questões relacionadas com as várias fases da adoção e a preparação da criança, um assunto a que só recentemente é dada a devida atenção. Quando surgiu a Bem-Me-Queres, os futuros pais eram apresentados como amigos. As crianças não eram preparadas para terem uns pais. Iam para casa da família e aquele pai ou mãe eram uns amigos. E tinham de ser os pais a transformar-se de amigos em pais, sem também terem qualquer tipo de preparação. Hoje já há um programa de ajuda em várias instituições e acompanhamento psicólogo.
A maioria das crianças aceita bem?
A maioria está ávida de ter carinho de um adulto a 100%. É uma necessidade básica mal se nasce ter a dedicação quase em exclusivo de um adulto. É dessa forma que as crianças melhor se desenvolvem neuropsicologicamente e os adotados não são exceção. São crianças que trazem aquilo a que chamamos “mochila de desafetos” e de cortes afetivos que, em alguns casos, as tornam receosas de voltarem a criar laços. Mas a grande maioria continua completamente disponível. Daí que a preparação seja feita em função da idade e do contexto vivido pela criança.
A “Adoção em Mudança” é o tema da primeira intervenção. Porquê?
Saiu legislação nova em setembro de 2015, existindo hoje, por exemplo, um Conselho Nacional para a adoção, a quem cabe autorização final após uma primeira fase a nível distrital. Outra alteração é algumas fases do processo poderem ser efetuadas por entidades privadas e não da Segurança Social.
Que tipo de entidades?
IPSS e entidades sem fins lucrativos, como a nossa, a primeira a ter autorização para mediação internacional, ou a associação Meninos do Mundo, em Lisboa.
A partir de que idade é que uma criança pode ser colocada para adoção?
Seis semanas, por entrega voluntária da mãe. Há um período de seis semanas de guarda para prevenir que a mãe faça depressão pós-parto e se arrependa. Só depois pode ser declarada essa vontade em tribunal. Para os mais velhos, o limite de adoção são os 14 anos.
Qual é o tempo de espera médio até à adoção efetiva?
Se houver candidatos, o processo é rápido.
E há mais candidatos do que crianças para adoção?
Muitos mais candidatos, cerca de dois mil para uma lista de quase 400 crianças. Os que esperam mais tempo são os mais crescidos, grupos de irmãos ou crianças com necessidades especiais. Os períodos de espera maior são antes de a adoção ser decretada. Por exemplo, crianças com dois anos que são sinalizadas pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens por omissão de cuidados, maus-tratos ou negligência, só podem vir a ser adotadas em alguns casos anos depois, porque não se consegue entrar em acordo com a família. O processo segue para tribunal, que faz uma série de diligências até contactar a família biológica e verificar se a família tem capacidade de recuperação. Ou se há interesse e condições por parte da família alargada.
Estes passos burocráticos demoram demasiado?
Demoram, mas possivelmente é inevitável num país como o nosso, de poucos recursos para agilizar os processos. São situações delicadas de corte radical com a família biológica.
Como é noutros países comunitários?
Não consigo dizer. Os países mais desenvolvidos nem sequer têm centros de acolhimento, como é o caso dos países nórdicos. Têm famílias de acolhimento, que mesmo que não seja uma família para a vida, permite que a criança cresça num ambiente familiar.
Os candidatos a pais continuam a preferir crianças mais novas?
A maioria pede crianças até aos três, quatros anos. Há várias razões, a primeira das quais é o sonho de ter um filho ainda bebé, as mães sobretudo. Depois acham que é mais fácil criar laços em tenra idade, acompanhar a entrada do filho escola, incutir valores quando a tal ‘mochila’ ainda é menos pesada. Sendo que isto vale o que vale porque cada caso é um caso. Mas também já se assiste a candidatos que preferem crianças maiores. Sentem-se mais seguros...
Deve-se sempre dizer à criança que não é filho biológico? Há alguma recomendação nesse sentido?
A maior parte dos investigadores que estudam esta área são praticamente unânimes que a condição de adotado deve ser falada em família ao longo da vida da criança. A criança tem direito a conhecer a sua identidade e é certo que todos vão fazer essa busca. No congresso internacional de adoção, Jesús Palacios, investigador referenciado na área da adoção em Espanha, defendeu que todos os adotados, mesmo que acabem por não procurar a família biológica, fazem em algum momento das suas vidas essa busca às origens.
E qual deve ser a atitude dos pais adotivos?
É estar ao lado deles, respeitar tanto quanto possível a sua vontade. Quando os nossos filhos adolescente, adotivos ou não, querem muito conhecer algo, a não ser que seja alguma coisa que lhes faça muito mal, devemos ajudar a que satisfaçam a curiosidade. Mas tudo isto também depende muito da idade. É na adolescência que cresce a curiosidade em fazer essa busca identitária. É a fase mais complicada, até porque podem ser confrontados com realidades que não estão à espera ou que idealizaram na infância. Questionam se os pais biológicos os tratariam melhor, fariam mais vontades, seriam mais ricos... Todas as fantasias naturais.
Há muitos casos de rejeição ou incompatibilidade por parte dos pais adotivos?
É uma percentagem baixa. Há um período de adaptação em que a criança vai para a família e decorridos seis meses é que o tribunal decreta a adoção definitiva. Os assistentes sociais acompanham a criança nesses seis meses e ouvem a família antes de elaborar um relatório para o tribunal. Há alguns casos em que a adoção não prossegue. Noutros, são os próprios pais a assumirem que as coisas não estão a correr bem.
A vossa associação acompanha casos de intermediação internacional?
A nível nacional, só agora a nova legislação irá permitir que haja intermediação feita por IPSS. No nosso caso, só intermediámos casos de adoção com a Bulgária. Quando formámos a Bem-Me-Queres, apresentámos candidatura para mediar adoções com vários países, tivemos autorização cá, mas só tivemos a recetividade do governo búlgaro. Há três crianças búlgaras em Portugal cuja adoção foi intermediada por nós. Tivemos de ter lá psicólogos e advogados a tratar do processo todo, através de uma associação homóloga, que faculta ainda tradutores e ajuda no processo burocrático e judicial. Somos a única entidade em Portugal a fazer isso. Neste momento já nos candidatámos para fazer intermediação nacional e estamos a aguardar autorização.
Qual é o universo de crianças institucionalizadas?
Institucionalizadas são 11 mil. Por ano, fazem-se em média 400 adoções de um universo de mais de 700 decretadas para adoção. Ou seja, são quase 400 as crianças nessa situação que não encontraram pais. Umas entram, outras saem do sistema, a maioria no primeiro ano após ser decidida a adoção pelos tribunais, mas em média são quase 400 à espera de serem adotadas.
Qual a razão da resistência à adoção de irmãos? De ordem financeira?
Se perguntar a qualquer casal se prefere ter um filho ou gémeos, a maioria quer um de cada vez. A adoção de dois ou mais irmãos, com idades diferentes, obriga a uma maior preparação por parte das famílias e mais recursos, claro. É uma situação muito mais stressante. Não sendo uma norma, há uma preocupação dos técnicos em não separar irmãos, principalmente nos casos em que existem ligações afetivas. Evita-se ao máximo para não criar mais roturas.
A maioria dos candidatos são casais sem filhos?
Sim, embora haja uma tendência para a adoção de famílias já com filhos biológicos. E também cada vez mais candidatos singulares...
Mas privilegiam-se ou não os casais heterossexuais?
Não, até porque não é esse o espírito da legislação. As equipas tentam encontrar os melhores pais, pai ou mãe, para determinada criança.
Já referiu que ainda há preconceito...
O grande fator que leva à adoção é a infertilidade, como aliás sempre foi. No passado, também se adotava por questões de sucessão. Mas há uma mudança de mentalidades e o preconceito em relação à adoção é cada vez menor, embora haja ainda pessoas que não consideram os adotivos tão filhos como os biológicos. Sim, há quem ainda valorize mais o sangue, a genética. Ainda há quem questione: “Mas não gostavas de ter um filho mesmo teu?”. É nesse tipo de perguntas que se percebe que ainda há um certo tabu em relação à adoção, por não perceberem que criar uma criança é tê-la como nossa, mesmo. Noutros casos, nota-se uma espécie de preconceito positivo em relação às mães/pais adotivos: “Ah, já tens um lugar no céu”, dizem-nos.
Os casos mediáticos de famílias alargadas, como o de Angelina Jolie/ Brad Pitt, ajuda a quebrar tabus?
É uma situação que pode ser inspiradora por terem filhos biológicos e adotivos. Embora o facto de ser uma vedeta possa ser olhado como uma moda, não uma motivação genuína, e levar a fenómenos de imitação. Mas se for essa a motivação, as equipas multidisciplinares percebem na avaliação dos candidatos.
A cor da pele ainda pesa?
Cada vezes menos, mas ainda há países que não fazem adoções transraciais. Pelo menos até há muito tempo, em Inglaterra não se faziam, não por preconceito racista mas por consideram que a cor da pele, como as semelhanças físicas, podem ser um fator importante no vínculo afetivo. E há de facto candidatos que valorizam a semelhança física por ser mais um fator que pode a ajudar a criar laços. A adoção é um processo muito pessoal, de toque, de afinidades. Por isso digo aos candidatos a pais que devem ser muito sinceros com eles próprios. Digo-lhes sempre: não se ultrapassem. Amadureçam ideias e falem com a família. Mas é maravilhoso ver que há cada vez mais candidatos prontos para adotar filhos de diferentes raças e origens, comprometendo-se a respeitar as diferenças culturais.
Em Portugal ainda se valoriza muito o retorno à família biológica?
Menos. Desde que se prova que a família biológica não tem capacidade para criar os filhos, essa pressão é menor, privilegiando-se o interesse da criança.
Original disponível em: http://expresso.sapo.pt/sociedade/2017-01-27-Ah-ja-tens-um-lugar-no-ceu-uma-entrevista-fundamental-sobre-adocao
Reproduzido por: Lucas H.
Como surgiu a Associação Bem-me-Queres? Há 10 anos, numa altura em que quase não existia informação e apoio aos interessados em adotar. Os candidatos dirigiam-se à Segurança Social, como ainda acontece, mas o que os serviços faziam era apenas a avaliação dos candidatos. Nem sequer havia programa de formação, o que levava os interessados a procurarem alguém que já tivesse adotado, como era o meu caso, que tinha adotado dois irmãos, rapazes recentemente. E amigos ou amigos de amigos procuravam-nos e a nossa casa começou a tornar-se uma espécie de espaço informativo...
Hoje que idades têm?
20 e 17 anos.
O que a levou a adotar?
Não quero aprofundar o lado pessoal. O importante é que tantos pais adotivos, tal como eu, precisavam de um espaço que fosse um ponto de encontro para partilhar as suas dificuldades e angústias. Os nossos anseios e receios não são iguais aos das famílias biológicas e é difícil encontrar alguém em situação semelhante. Ainda hoje, não é frequente na mesma escola encontrar uma família por adoção, onde os nossos filhos tenham situações comuns. Os outros miúdos, quando sabem que o colega é adotado, bombardeiam com perguntas, fazendo-o sentir diferente...
Quais as perguntas mais frequentes?
Sabes que a mãe que te vem buscar não é a tua mãe verdadeira? Sabes quem é a verdadeira? Ficam com uma enorme curiosidade, o que é natural. E professores e auxiliares muitas vezes não sabem lidar da melhor forma com o assunto. Neste momento, temos pronto a arrancar um programa, feito em parceria com a Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto, para ajudar as escolas e professores interessados a abordar a questão sem constrangimentos, como por exemplo quando pedem aos alunos para fazer a árvore genealógica da família.
Este é o III Encontro Nacional de Famílias Adotivas e Candidatos à Adoção. Há muitos participantes?
Cerca de 700 e vêm de todo o país. Participam interessados em adotar, como famílias com filhos adotivos, técnicos da Segurança Social e das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), além de estudantes desta área. E filhos adotivos já adultos e crianças, que estão envolvidos em programas lúdicos enquanto os pais estão nas conferências e workshops. Conhecem-se uns aos outros, é um momento importante para eles....
Por não se sentirem únicos?
Exatamente. Ficam surpreendidos quando percebem que afinal há tantas outras crianças adotadas.
A abertura será feita por Armando Leandro, presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção de Crianças e Jovens...
Sempre foi uma pessoa que acarinhou a adoção e apoiou esta associação por saber que este projeto de vida é uma salvação para muitas crianças.
Que questões são abordadas nestes encontros?
Questões relacionadas com as várias fases da adoção e a preparação da criança, um assunto a que só recentemente é dada a devida atenção. Quando surgiu a Bem-Me-Queres, os futuros pais eram apresentados como amigos. As crianças não eram preparadas para terem uns pais. Iam para casa da família e aquele pai ou mãe eram uns amigos. E tinham de ser os pais a transformar-se de amigos em pais, sem também terem qualquer tipo de preparação. Hoje já há um programa de ajuda em várias instituições e acompanhamento psicólogo.
A maioria das crianças aceita bem?
A maioria está ávida de ter carinho de um adulto a 100%. É uma necessidade básica mal se nasce ter a dedicação quase em exclusivo de um adulto. É dessa forma que as crianças melhor se desenvolvem neuropsicologicamente e os adotados não são exceção. São crianças que trazem aquilo a que chamamos “mochila de desafetos” e de cortes afetivos que, em alguns casos, as tornam receosas de voltarem a criar laços. Mas a grande maioria continua completamente disponível. Daí que a preparação seja feita em função da idade e do contexto vivido pela criança.
A “Adoção em Mudança” é o tema da primeira intervenção. Porquê?
Saiu legislação nova em setembro de 2015, existindo hoje, por exemplo, um Conselho Nacional para a adoção, a quem cabe autorização final após uma primeira fase a nível distrital. Outra alteração é algumas fases do processo poderem ser efetuadas por entidades privadas e não da Segurança Social.
Que tipo de entidades?
IPSS e entidades sem fins lucrativos, como a nossa, a primeira a ter autorização para mediação internacional, ou a associação Meninos do Mundo, em Lisboa.
A partir de que idade é que uma criança pode ser colocada para adoção?
Seis semanas, por entrega voluntária da mãe. Há um período de seis semanas de guarda para prevenir que a mãe faça depressão pós-parto e se arrependa. Só depois pode ser declarada essa vontade em tribunal. Para os mais velhos, o limite de adoção são os 14 anos.
Qual é o tempo de espera médio até à adoção efetiva?
Se houver candidatos, o processo é rápido.
E há mais candidatos do que crianças para adoção?
Muitos mais candidatos, cerca de dois mil para uma lista de quase 400 crianças. Os que esperam mais tempo são os mais crescidos, grupos de irmãos ou crianças com necessidades especiais. Os períodos de espera maior são antes de a adoção ser decretada. Por exemplo, crianças com dois anos que são sinalizadas pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens por omissão de cuidados, maus-tratos ou negligência, só podem vir a ser adotadas em alguns casos anos depois, porque não se consegue entrar em acordo com a família. O processo segue para tribunal, que faz uma série de diligências até contactar a família biológica e verificar se a família tem capacidade de recuperação. Ou se há interesse e condições por parte da família alargada.
Estes passos burocráticos demoram demasiado?
Demoram, mas possivelmente é inevitável num país como o nosso, de poucos recursos para agilizar os processos. São situações delicadas de corte radical com a família biológica.
Como é noutros países comunitários?
Não consigo dizer. Os países mais desenvolvidos nem sequer têm centros de acolhimento, como é o caso dos países nórdicos. Têm famílias de acolhimento, que mesmo que não seja uma família para a vida, permite que a criança cresça num ambiente familiar.
Os candidatos a pais continuam a preferir crianças mais novas?
A maioria pede crianças até aos três, quatros anos. Há várias razões, a primeira das quais é o sonho de ter um filho ainda bebé, as mães sobretudo. Depois acham que é mais fácil criar laços em tenra idade, acompanhar a entrada do filho escola, incutir valores quando a tal ‘mochila’ ainda é menos pesada. Sendo que isto vale o que vale porque cada caso é um caso. Mas também já se assiste a candidatos que preferem crianças maiores. Sentem-se mais seguros...
Deve-se sempre dizer à criança que não é filho biológico? Há alguma recomendação nesse sentido?
A maior parte dos investigadores que estudam esta área são praticamente unânimes que a condição de adotado deve ser falada em família ao longo da vida da criança. A criança tem direito a conhecer a sua identidade e é certo que todos vão fazer essa busca. No congresso internacional de adoção, Jesús Palacios, investigador referenciado na área da adoção em Espanha, defendeu que todos os adotados, mesmo que acabem por não procurar a família biológica, fazem em algum momento das suas vidas essa busca às origens.
E qual deve ser a atitude dos pais adotivos?
É estar ao lado deles, respeitar tanto quanto possível a sua vontade. Quando os nossos filhos adolescente, adotivos ou não, querem muito conhecer algo, a não ser que seja alguma coisa que lhes faça muito mal, devemos ajudar a que satisfaçam a curiosidade. Mas tudo isto também depende muito da idade. É na adolescência que cresce a curiosidade em fazer essa busca identitária. É a fase mais complicada, até porque podem ser confrontados com realidades que não estão à espera ou que idealizaram na infância. Questionam se os pais biológicos os tratariam melhor, fariam mais vontades, seriam mais ricos... Todas as fantasias naturais.
Há muitos casos de rejeição ou incompatibilidade por parte dos pais adotivos?
É uma percentagem baixa. Há um período de adaptação em que a criança vai para a família e decorridos seis meses é que o tribunal decreta a adoção definitiva. Os assistentes sociais acompanham a criança nesses seis meses e ouvem a família antes de elaborar um relatório para o tribunal. Há alguns casos em que a adoção não prossegue. Noutros, são os próprios pais a assumirem que as coisas não estão a correr bem.
A vossa associação acompanha casos de intermediação internacional?
A nível nacional, só agora a nova legislação irá permitir que haja intermediação feita por IPSS. No nosso caso, só intermediámos casos de adoção com a Bulgária. Quando formámos a Bem-Me-Queres, apresentámos candidatura para mediar adoções com vários países, tivemos autorização cá, mas só tivemos a recetividade do governo búlgaro. Há três crianças búlgaras em Portugal cuja adoção foi intermediada por nós. Tivemos de ter lá psicólogos e advogados a tratar do processo todo, através de uma associação homóloga, que faculta ainda tradutores e ajuda no processo burocrático e judicial. Somos a única entidade em Portugal a fazer isso. Neste momento já nos candidatámos para fazer intermediação nacional e estamos a aguardar autorização.
Qual é o universo de crianças institucionalizadas?
Institucionalizadas são 11 mil. Por ano, fazem-se em média 400 adoções de um universo de mais de 700 decretadas para adoção. Ou seja, são quase 400 as crianças nessa situação que não encontraram pais. Umas entram, outras saem do sistema, a maioria no primeiro ano após ser decidida a adoção pelos tribunais, mas em média são quase 400 à espera de serem adotadas.
Qual a razão da resistência à adoção de irmãos? De ordem financeira?
Se perguntar a qualquer casal se prefere ter um filho ou gémeos, a maioria quer um de cada vez. A adoção de dois ou mais irmãos, com idades diferentes, obriga a uma maior preparação por parte das famílias e mais recursos, claro. É uma situação muito mais stressante. Não sendo uma norma, há uma preocupação dos técnicos em não separar irmãos, principalmente nos casos em que existem ligações afetivas. Evita-se ao máximo para não criar mais roturas.
A maioria dos candidatos são casais sem filhos?
Sim, embora haja uma tendência para a adoção de famílias já com filhos biológicos. E também cada vez mais candidatos singulares...
Mas privilegiam-se ou não os casais heterossexuais?
Não, até porque não é esse o espírito da legislação. As equipas tentam encontrar os melhores pais, pai ou mãe, para determinada criança.
Já referiu que ainda há preconceito...
O grande fator que leva à adoção é a infertilidade, como aliás sempre foi. No passado, também se adotava por questões de sucessão. Mas há uma mudança de mentalidades e o preconceito em relação à adoção é cada vez menor, embora haja ainda pessoas que não consideram os adotivos tão filhos como os biológicos. Sim, há quem ainda valorize mais o sangue, a genética. Ainda há quem questione: “Mas não gostavas de ter um filho mesmo teu?”. É nesse tipo de perguntas que se percebe que ainda há um certo tabu em relação à adoção, por não perceberem que criar uma criança é tê-la como nossa, mesmo. Noutros casos, nota-se uma espécie de preconceito positivo em relação às mães/pais adotivos: “Ah, já tens um lugar no céu”, dizem-nos.
Os casos mediáticos de famílias alargadas, como o de Angelina Jolie/ Brad Pitt, ajuda a quebrar tabus?
É uma situação que pode ser inspiradora por terem filhos biológicos e adotivos. Embora o facto de ser uma vedeta possa ser olhado como uma moda, não uma motivação genuína, e levar a fenómenos de imitação. Mas se for essa a motivação, as equipas multidisciplinares percebem na avaliação dos candidatos.
A cor da pele ainda pesa?
Cada vezes menos, mas ainda há países que não fazem adoções transraciais. Pelo menos até há muito tempo, em Inglaterra não se faziam, não por preconceito racista mas por consideram que a cor da pele, como as semelhanças físicas, podem ser um fator importante no vínculo afetivo. E há de facto candidatos que valorizam a semelhança física por ser mais um fator que pode a ajudar a criar laços. A adoção é um processo muito pessoal, de toque, de afinidades. Por isso digo aos candidatos a pais que devem ser muito sinceros com eles próprios. Digo-lhes sempre: não se ultrapassem. Amadureçam ideias e falem com a família. Mas é maravilhoso ver que há cada vez mais candidatos prontos para adotar filhos de diferentes raças e origens, comprometendo-se a respeitar as diferenças culturais.
Em Portugal ainda se valoriza muito o retorno à família biológica?
Menos. Desde que se prova que a família biológica não tem capacidade para criar os filhos, essa pressão é menor, privilegiando-se o interesse da criança.
Original disponível em: http://expresso.sapo.pt/sociedade/2017-01-27-Ah-ja-tens-um-lugar-no-ceu-uma-entrevista-fundamental-sobre-adocao
Reproduzido por: Lucas H.
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