Há 4 horas
Quando Jenna Cook voltou para a China, aos 20 anos, à procura de seus pais biológicos, ela sabia que seria uma missão quase impossível. O que ela não esperava era encontrar dezenas de famílias que desejavam desesperadamente que ela fosse sua filha.
De acordo com a política do filho único, que durou quase quatro décadas e chegou ao fim em 2015, casais que tinham mais de um filho na China eram punidos com severas multas. Mas também era - e continua sendo - ilegal abandonar crianças indesejadas.
Poucos dias depois de o bebê ser encontrado, o país aprovou uma lei autorizando a adoção internacional. No fim de junho, Xia Huasi foi adotada por Margaret Cook, uma professora de escola primária americana. Ela ganhou um novo nome, Jenna, e foi levada para Massachusetts, nos Estados Unidos.
Jenna fez parte da primeira leva de cerca de 200 bebês chineses adotados por famílias americanas. Outros casos se sucederam - cerca de 80.000 crianças, sendo a maioria do sexo feminino, foram morar nos Estados Unidos, enquanto 40.000 seguiram para Holanda, Espanha e Reino Unido.
Ela sempre soube que tinha sido adotada.
"Nós falávamos sobre adoção assim como discutíamos o que teria para o jantar. Nunca vi isso como algo extraordinário", conta a jovem.
Mas, de vez em quando, ela se perguntava sobre suas origens.
"Olhando para o seu próprio umbigo, você pensa consigo mesmo: 'Eu costumava estar ligada a outro ser humano, ao corpo em que fui gerada, mas quem é essa pessoa? Ela realmente existe? Tudo parece tão abstrato. Às vezes parece que você simplesmente apareceu no planeta".
"A maioria das pessoas cresce nas famílias em que nasceu e nunca pensa sobre isso. Já para quem foi adotado existe sempre a possibilidade de outra vida", acrescenta.
Quando era adolescente, Jenna foi uma das quatro crianças chinesas a participar do aclamado documentário Somewhere Between, de 2011. A diretora Linda Goldstein Knowlton, que também tinha adotado um bebê na China, resolveu documentar a vida dessas jovens.
O nome do filme foi inspirado em algo que Jenna disse: "Acho que nunca poderia me considerar totalmente chinesa ou totalmente americana - vou estar sempre no meio do caminho".
A jovem de 15 anos que aparece no documentário é uma estudante dedicada e com excelentes notas. É bem-sucedida e amada, mas vive assombrada por uma eterna dúvida. Por que seus pais a abandonaram? Ela teria feito algo errado?
Quando tinha 20 anos e estudava na Universidade de Yale, Jenna ganhou uma bolsa para viajar para a China e começar sua própria busca. Em parte, se tratava de uma atividade acadêmica - ela esperava que a pesquisa pudesse ajudar alguns dos 80.000 chineses que, assim como ela, foram adotados nos Estados Unidos. Mas é claro que também era algo profundamente pessoal. Por isso, pediu que a mãe adotiva, Margaret, a acompanhasse.
Jenna imprimiu folhetos com fotos suas em diferentes idades e as poucas informações que tinha sobre as circunstâncias em que foi encontrada. Ela distribuiu o material nas ruas de Wuhan e ouviu diversos relatos.
"Eu tive um vizinho que tinha uma filha numa situação parecida". "Um primo abandonou o filho, mas não lembro se foi em 92 ou 93".
Jenna ficou fascinada. "Fiquei bastante surpresa com o fato de que as pessoas estavam de fato prestando atenção em mim. Vi que sou apenas uma história em meio a uma enorme migração de crianças da China", diz.
"Era como se eu fosse apenas uma gota de chuva no oceano".
Uma semana após sua chegada, um jornal local publicou um artigo sobre sua busca. Era curto e estava escondido na página cinco, mas a chamada comovente chamava a atenção: "Pai, Mãe: Espero de verdade que eu possa abraçá-los. Obrigada por me colocarem nesse mundo".
A repercussão foi enorme. Nas semanas seguintes à publicação do artigo, em 25 de maio de 2012, a busca de Jenna viralizou. Centenas de mensagens começaram a chegar via redes sociais.
"As reações foram polarizadas", conta. Algumas pessoas diziam: "A sua procura é fantástica, espero que você seja capaz de encontrar seus pais e que seu sonho se torne realidade". Já outros afirmavam: "Esse é um erro tão grande, você está desperdiçando seu tempo e energia". Ou ainda: "Você é tão ingrata com sua família americana, você precisa voltar para a América imediatamente".
Dentre a enxurrada de mensagens, havia respostas de pessoas que acreditavam ser os pais de Jenna. Ela chegou a uma lista de 50 famílias que diziam ter deixado um bebê na mesma rua em Wuhan, em março de 1992.
Além de ficar chocada com o número, Jenna se surpreendeu com a iniciativa dessas famílias em se manifestar. Afinal, é contra a lei abandonar uma criança - e após a publicação do artigo no jornal, a televisão chinesa começou a acompanhar de perto a sua busca.
"Essas pessoas tecnicamente cometeram um crime e estão dispostas a aparecer na televisão em rede nacional. Isso era simplesmente impensável", diz .
Jenna e a mãe combinaram de encontrar as 50 famílias. Alguns pais e mães foram sozinhos, enquanto outros levaram toda a família, inclusive os avós.
Ela abordou inicialmente os encontros sob um ponto de vista acadêmico. E disse a si mesma que estava lá para coletar histórias.
"Se eu tivesse ido a cada encontro pensando: 'Talvez seja essa (a família)', eu estaria totalmente esgotada ao fim do dia", afirma.
Jenna diz que estava preocupada com o que a família pensaria dela.
"Estava preocupada que talvez tivesse feito algo errado, e por isso que eles tinham me abandonado. Pensei que eles poderiam estar bravos comigo", revela.
A preocupação de Jenna pode ser explicada pelo preconceito que cerca a questão.
"Nos Estados Unidos, existe uma crença de que os pais chineses abandonam as crianças porque não gostam de meninas, e talvez nem sequer se lembrem delas", afirma.
Mas ela logo descobriu que não era o caso.
"Todos se lembravam de seus bebês - era algo de que eles realmente se arrependiam e nunca esqueceriam", conta.
Uma mulher levou um pedaço de pano azul e vermelho - uma relíquia que ela guardava com carinho. Era o tecido da roupa do bebê que tinha deixado.
"Ela guardou esse retalho por 20 anos, como uma lembrança da filha. E sonhava que quando a reencontrasse, a filha teria a roupinha de bebê e ela mostraria o tecido - como se fosse uma chave e a fechadura".
Infelizmente, Jenna não reconheceu o material.
"Eu só me lembro de balançar a cabeça, eu nunca tinha visto aquilo. E a pobre mãe simplesmente desabou, ela estava devastada", recorda-se.
Outro homem que conheceu, um motorista de ônibus, passara muito tempo procurando a filha. Sempre que passava pela cidade, ele voltava ao local onde havia deixado a criança e perguntava por ela. Ele tinha deixado um bilhete com a filha, para que ela crescesse sabendo seu nome.
Cada família se aproximava de Jenna como se ela fosse sua filha. Por um breve momento, eles representaram a parte que faltava um no outro. Uma mãe chegou até a pentear os cabelos de Jenna. Segundo ela, eles queriam saber se ela estava bem.
"Sua mãe adotiva é boa para você ou te magoa?" Ela te dá comida suficiente? ", questionavam.
Jenna então os tranquilizava, dizendo que estava sendo bem cuidada.
"Eles ficaram muito felizes em saber que eu não estava sofrendo esse tempo todo".
E perguntava a eles, por sua vez:
"Eu fiz algo para que você me abandonasse? Se eu fosse mais bonita ou mais comportada e chorasse menos, isso mudaria sua decisão?"
Todos a tranquilizaram.
"Os pais só se lembravam de sua bebê de forma amorosa", conta.
Uma vez que as histórias batiam, as famílias passaram a buscar semelhanças físicas com Jenna - como altura, formato de pé ou mão. Às vezes, procuravam marcas de nascimento. E, se sentiam que havia semelhanças suficientes, colhiam amostras de DNA. No total, 37 famílias optaram por fazer o exame.
Infelizmente, o resultado de todos os testes foi negativo. Um duro golpe para Jenna.
"Foi difícil encarar os resultados negativos de DNA porque eu queria muito ser filha de cada uma daquelas famílias", diz.
"Ser a pessoa que poderia ajudar a aliviar o sofrimento deles - quem não gostaria de ser essa pessoa?", completa.
Apesar disso, Jenna acredita que a experiência foi positiva.
"Antes, tinha sempre uma pequena parte de mim que sentia que havia algo que eu poderia ter feito há 20 anos para ter mudado meu destino e não ter sido abandonada pela minha família", diz ela. "Mas depois de conhecer esses pais, eu percebi que estava realmente fora do meu controle", declarou.
Como acadêmica, ela mudou completamente sua perspectiva.
"É uma experiência totalmente diferente de ler um livro de história sobre a política do filho único ou ler que os pais abandonavam seus filhos ou cometiam infanticídio", afirma.
"Conhecer pessoas que viveram essa experiência, ver seu enorme arrependimento e grande amor por aqueles bebês - é algo indescritível", completa.
Jenna passou o último verão trabalhando na China, mas reduziu o ritmo de sua procura.
"Eu adoraria ter a chance de me reunir com minha família biológica algum dia", diz ela. "Mas não posso dizer que vai acontecer".
Original disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/geral-39379870
Reproduzido por: Lucas H.
Quando tinha 20 anos e estudava na Universidade de Yale, Jenna ganhou uma bolsa para viajar para a China e começar sua própria busca. Em parte, se tratava de uma atividade acadêmica - ela esperava que a pesquisa pudesse ajudar alguns dos 80.000 chineses que, assim como ela, foram adotados nos Estados Unidos. Mas é claro que também era algo profundamente pessoal. Por isso, pediu que a mãe adotiva, Margaret, a acompanhasse.
Jenna imprimiu folhetos com fotos suas em diferentes idades e as poucas informações que tinha sobre as circunstâncias em que foi encontrada. Ela distribuiu o material nas ruas de Wuhan e ouviu diversos relatos.
"Eu tive um vizinho que tinha uma filha numa situação parecida". "Um primo abandonou o filho, mas não lembro se foi em 92 ou 93".
Jenna ficou fascinada. "Fiquei bastante surpresa com o fato de que as pessoas estavam de fato prestando atenção em mim. Vi que sou apenas uma história em meio a uma enorme migração de crianças da China", diz.
"Era como se eu fosse apenas uma gota de chuva no oceano".
Uma semana após sua chegada, um jornal local publicou um artigo sobre sua busca. Era curto e estava escondido na página cinco, mas a chamada comovente chamava a atenção: "Pai, Mãe: Espero de verdade que eu possa abraçá-los. Obrigada por me colocarem nesse mundo".
A repercussão foi enorme. Nas semanas seguintes à publicação do artigo, em 25 de maio de 2012, a busca de Jenna viralizou. Centenas de mensagens começaram a chegar via redes sociais.
"As reações foram polarizadas", conta. Algumas pessoas diziam: "A sua procura é fantástica, espero que você seja capaz de encontrar seus pais e que seu sonho se torne realidade". Já outros afirmavam: "Esse é um erro tão grande, você está desperdiçando seu tempo e energia". Ou ainda: "Você é tão ingrata com sua família americana, você precisa voltar para a América imediatamente".
Dentre a enxurrada de mensagens, havia respostas de pessoas que acreditavam ser os pais de Jenna. Ela chegou a uma lista de 50 famílias que diziam ter deixado um bebê na mesma rua em Wuhan, em março de 1992.
Além de ficar chocada com o número, Jenna se surpreendeu com a iniciativa dessas famílias em se manifestar. Afinal, é contra a lei abandonar uma criança - e após a publicação do artigo no jornal, a televisão chinesa começou a acompanhar de perto a sua busca.
"Essas pessoas tecnicamente cometeram um crime e estão dispostas a aparecer na televisão em rede nacional. Isso era simplesmente impensável", diz .
Jenna e a mãe combinaram de encontrar as 50 famílias. Alguns pais e mães foram sozinhos, enquanto outros levaram toda a família, inclusive os avós.
Ela abordou inicialmente os encontros sob um ponto de vista acadêmico. E disse a si mesma que estava lá para coletar histórias.
"Se eu tivesse ido a cada encontro pensando: 'Talvez seja essa (a família)', eu estaria totalmente esgotada ao fim do dia", afirma.
Jenna diz que estava preocupada com o que a família pensaria dela.
"Estava preocupada que talvez tivesse feito algo errado, e por isso que eles tinham me abandonado. Pensei que eles poderiam estar bravos comigo", revela.
A preocupação de Jenna pode ser explicada pelo preconceito que cerca a questão.
"Nos Estados Unidos, existe uma crença de que os pais chineses abandonam as crianças porque não gostam de meninas, e talvez nem sequer se lembrem delas", afirma.
Mas ela logo descobriu que não era o caso.
"Todos se lembravam de seus bebês - era algo de que eles realmente se arrependiam e nunca esqueceriam", conta.
Uma mulher levou um pedaço de pano azul e vermelho - uma relíquia que ela guardava com carinho. Era o tecido da roupa do bebê que tinha deixado.
"Ela guardou esse retalho por 20 anos, como uma lembrança da filha. E sonhava que quando a reencontrasse, a filha teria a roupinha de bebê e ela mostraria o tecido - como se fosse uma chave e a fechadura".
Infelizmente, Jenna não reconheceu o material.
"Eu só me lembro de balançar a cabeça, eu nunca tinha visto aquilo. E a pobre mãe simplesmente desabou, ela estava devastada", recorda-se.
Outro homem que conheceu, um motorista de ônibus, passara muito tempo procurando a filha. Sempre que passava pela cidade, ele voltava ao local onde havia deixado a criança e perguntava por ela. Ele tinha deixado um bilhete com a filha, para que ela crescesse sabendo seu nome.
Cada família se aproximava de Jenna como se ela fosse sua filha. Por um breve momento, eles representaram a parte que faltava um no outro. Uma mãe chegou até a pentear os cabelos de Jenna. Segundo ela, eles queriam saber se ela estava bem.
"Sua mãe adotiva é boa para você ou te magoa?" Ela te dá comida suficiente? ", questionavam.
Jenna então os tranquilizava, dizendo que estava sendo bem cuidada.
"Eles ficaram muito felizes em saber que eu não estava sofrendo esse tempo todo".
E perguntava a eles, por sua vez:
"Eu fiz algo para que você me abandonasse? Se eu fosse mais bonita ou mais comportada e chorasse menos, isso mudaria sua decisão?"
Todos a tranquilizaram.
"Os pais só se lembravam de sua bebê de forma amorosa", conta.
Uma vez que as histórias batiam, as famílias passaram a buscar semelhanças físicas com Jenna - como altura, formato de pé ou mão. Às vezes, procuravam marcas de nascimento. E, se sentiam que havia semelhanças suficientes, colhiam amostras de DNA. No total, 37 famílias optaram por fazer o exame.
Infelizmente, o resultado de todos os testes foi negativo. Um duro golpe para Jenna.
"Foi difícil encarar os resultados negativos de DNA porque eu queria muito ser filha de cada uma daquelas famílias", diz.
"Ser a pessoa que poderia ajudar a aliviar o sofrimento deles - quem não gostaria de ser essa pessoa?", completa.
Apesar disso, Jenna acredita que a experiência foi positiva.
"Antes, tinha sempre uma pequena parte de mim que sentia que havia algo que eu poderia ter feito há 20 anos para ter mudado meu destino e não ter sido abandonada pela minha família", diz ela. "Mas depois de conhecer esses pais, eu percebi que estava realmente fora do meu controle", declarou.
Como acadêmica, ela mudou completamente sua perspectiva.
"É uma experiência totalmente diferente de ler um livro de história sobre a política do filho único ou ler que os pais abandonavam seus filhos ou cometiam infanticídio", afirma.
"Conhecer pessoas que viveram essa experiência, ver seu enorme arrependimento e grande amor por aqueles bebês - é algo indescritível", completa.
Jenna passou o último verão trabalhando na China, mas reduziu o ritmo de sua procura.
"Eu adoraria ter a chance de me reunir com minha família biológica algum dia", diz ela. "Mas não posso dizer que vai acontecer".
Original disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/geral-39379870
Reproduzido por: Lucas H.
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