“Não vou conseguir ser mãe”, pensou Dilce de Marchi quando recebeu os exames que apontavam para sua baixa ovulação e problemas no fluxo de espermatozoides do marido. Aos 34 anos, ela sabia que sua fertilidade diminuíra a partir dos 30 e que após os 35 as chances de engravidar eram irrisórias. A única alternativa seria iniciar um tratamento ao lado do esposo, Antônio Luiz Pitan, para lançar à sorte o desejo do casal. Com angústia, a auxiliar administrativa de olhos verdes e cabelos cor de mel, chorou em sua cama e até tomou os primeiros remédios, mas era consciente da improbabilidade do tratamento vingar.
Era ano de 2007 quando Dilce viu o sonho da maternidade ser frustrado. Mas dez anos depois, ela abre feliz a porta da casa abarrotada de brinquedos no bairro Esplanada e conta sua história enquanto o pequeno Bruno de Marchi Pitan, de 8 anos, joga bolita no chão.
Dilce nunca engravidou, mas isso não a impediu de ser mãe. Tão logo iniciou os tratamentos, parou, e ao lado do marido, disse que pediu aos céus que guiasse seus passos. Na época, a adoção se tornava uma alternativa, mas com pouco conhecimento de caso não foi à Vara da Infância e Juventude no primeiro momento.
“Então eu tive um sonho”, e de pronto Dilce mareja os olhos ao lembrar de algo que carrega como presságio para as coisas que se sucederam. “Nele eu via um berço ao lado da minha cama e uma criança com um sorriso lindo tentava sair dele para vir até mim. Ele me chamava de mãe e eu o chamava de Bruno. Mas acordei e no primeiro momento pensei que poderia dizer respeito à outra pessoa. Quando contei a uma amiga ela disse: ‘Não, Dilce, é o seu filho, ele te chamava de mãe’.”
Poucos meses depois, e sem esquecer do sonho que tivera, Dilce foi apresentada a uma mulher que estava grávida, mas que não queria assumir a maternidade. A ideia era de que quando a criança nascesse, Dilce e o marido assumissem, recebendo a guarda.
O casal consentiu, mas procurou os meios legais para isso.
Em setembro do mesmo ano, ambos foram pela primeira vez à Vara da Infância e Juventude, no Fórum de Chapecó, onde receberam a informação que o processo não poderia seguir dessa forma. “Eu falei o nome da mulher, passei os dados e eles disseram que a iriam acompanhar. Já para o meu caso, pediram que eu levasse alguns documentos e realizasse o cadastro para entrar na fila de interessados em adoção. Na hora de escolher o perfil, eu e meu marido não colocamos nenhum empecilho: nem para idade ou doença. Eu pensava: se eu estivesse grávida e tivesse um filho com doença, eu não iria descartá-lo por isso. Queríamos tanto, que o que viesse iríamos aceitar como um presente”.
Longa espera
Após terem o cadastro aprovado, iniciou a longa espera, tempo em que alguns colocavam abaixo o sonho do casal. “Eu estou há quatros anos na fila e nada”, disse Dilce sobre o que ouviu de uma pessoa.
Mas em um caso breve, um ano e quatro meses, em janeiro de 2009, depois de entrarem no cadastro de interessados, o juiz telefonou ao casal e os chamou ao Fórum: havia um menino, mas a situação era delicada.
Recém-nascido, o pequeno fora abandonado no hospital pela mãe, que fugiu. Ela era usuária de drogas e precisava de atendimento. Sem a possibilidade de que a criança vivesse com a mãe biológica, ela se manteve no hospital, mas os médicos a diagnosticaram com citomegalovírus, o que dava uma sentença para a motoridade do menor nos anos vindouros.
A doença, que pode ter manifestações clínicas diferentes de pessoa para pessoa, pode gerar mal-estar, febre baixa e até doenças graves que comprometem o aparelho digestivo, sistema nervoso central e retina. Além de que o citomegalovírus nunca abandona o organismo da pessoa infectada, permanecendo em estado latente e a qualquer baixa na imunidade do hospedeiro pode reativar a infecção.
Segundo os médicos informaram à família, até os quatro anos de idade a criança teria uma vida comum, mas depois desse período os sintomas da doença poderiam se manifestar severamente.
Mesmo diante disso e da sentença de que a criança precisaria de acompanhamento médico regular, Dilce e Pitan não recuaram.
Presságio
No primeiro momento em que puderam visitar o menino saíram mais do que convictos de que aquele era o filho que aguardavam.
“Quando cheguei no hospital perguntei às enfermeiras se ele já tinha um nome. Porque elas faziam uma brincadeira entre si e davam o nome às crianças enquanto ficavam internadas. Então me disseram que uma enfermeira o tinha chamado de Bruno. Quando me contaram eu comecei a chorar muito, pois no sonho que eu tive esse era o nome da criança. Mais do que nunca tive a certeza de que era um presente de Deus. Depois disso foi tudo muito rápido. Eu não era mãe e de repente eu era. Foi da noite pro dia. Corremos comprar as coisas, arrumamos o quarto e o recebemos. Desde o início foi um amor que eu não sei explicar em palavras”, conta chorando.
A própria doença foi aniquilada com o tempo e um exame em Chapecó atestou que a criança já não teria o problema no decorrer da vida.
Dilce relata cada detalhe da história com uma lembrança de alguém que viveu no ontem todos os fatos. Mas para ela é inesquecível e ver Bruno na sua casa é motivo de gabar-se até das pequenas coisas.
Desde que ele foi morar com a família, não escondeu do menor que era adotado. A forma que encontrou de falar isso foi por meio de uma história recontada todas as noites antes de dormir sobre uma vaca, sem leite, que precisou entregar o seu filhinho para uma outra vaca, que queria muito um bezerrinho e tinha condições de criar. “Um dia Bruno entendeu a história e perguntou pra mim: ‘Mãe, eu sou o filhinho da vaca, né?’ Eu disse que sim. Nossa relação não é diferente por isso. Algumas pessoas dizem que não seriam capazes de amar alguém que não geraram, mas o amor está em nós e é impossível não amar alguém que você convive, que você deseja”.
Grupo auxilia famílias
Após a adoção, Dilce e o marido passaram a participar do Grupo de Estudos e Apoio a Adoção de Chapecó – Criança Feliz, Família Feliz (GEAA Chapecó), onde compartilham sua experiência e auxiliam outros casais e interessados que desejam adotar uma criança.
O grupo existe desde 2004 e foi criado pela necessidade de se debater a adoção, motivado pelos pais adotivos e pelos interessados, segundo explica o presidente da entidade, Andrei Moreira Neves.
As reuniões acontecem sempre na segunda segunda-feira de todo mês, às 19h30, no salão da reitor
ia da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e é aberta ao público. Hoje, Neves calcula que participam cerca de 20 a 40 pessoas e os debates incluem demandas dos interessados e também na quebra de tabus que envolvem a adoção.
Um dos temas tratados para trabalhar ao que Neves chama de “gestação do coração” é a adoção de adolescentes, de crianças portadoras de necessidades especiais e de raça diferente.
“A adoção tardia é uma coisa que estudamos bastante porque é um perfil de crianças que existe no município [são 14, segundo o setor de Serviço Social e Psicologia do Fórum de Chapecó] e as pessoas precisam entender esse fenômeno para que mudem sua ideia de adotar uma criança bebê e pegar uma criança mais velha. Porque filho é igual da mesma forma”, explica.
Em relação às crianças portadoras de necessidades especiais, Neves identifica que a restrição vem pelo “medo” e “insegurança” dos interessados, por achar que cuidar de uma criança nessa situação seja difícil. Ele reconhece que há fatores diferentes e que a família precisa estar segura da decisão bem como ter uma boa base, mas que com informações é possível fazer uma adoção saudável.
Já no que diz respeito à raça, Neves é otimista e vê um crescimento maior na busca por crianças pardas e negras, normalmente vítimas de preconceito e por isso deixadas aquém. “As pessoas estão perdendo o preconceito, mas alguns ainda têm medo do preconceito social, e isso é muito forte, principalmente quando os pais são brancos e adotam uma criança negra. A própria sociedade não aceita e para alguns interessados isso é uma barreira”.
De acordo com dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), existem no Brasil 39.935 pessoas interessadas em realizar uma adoção. Dessas, 45,16% são indiferentes à raça; 19,28% aceitam apenas crianças brancas; 0,88% apenas negras; 0,1% apenas amarelos; 4,29% apenas pardos; e 0,05% apenas indígenas.
Do total que aceita mais de uma raça, 92,33% dos interessados cadastrados adotariam brancos; 50,44% adotariam negros; 52,8%, amarelos; 78,42%, pardos; e 49,03%, indígenas.
Para Neves, os dados são bons e mostram um fluxo positivo para a quebra do preconceito em colocar na família uma pessoa de raça diferente. Mas o principal problema e que junto do grupo luta para mudar é a efetivação da entrega legal. “Abandono é crime, mas entregar a criança ao Fórum não. A entrega legal é possível. No abandono, às vezes a mãe engravida e deixa no hospital, então é preciso que o poder público intervenha até que seja efetivada a destituição do poder legal, o que leva um tempo. É preciso que sempre pensemos o melhor para as crianças”, sentencia, sabendo que o melhor é que cada uma tenha um destino feliz como o de Bruno, que há oito anos teve a vida transformada por uma adoção.
Original disponível em: http://vozdooeste.com.br/2017/06/15/sonho-da-familia-completa-se-torna-real-apos-adocao/
Reproduzido por: Lucas H.
Era ano de 2007 quando Dilce viu o sonho da maternidade ser frustrado. Mas dez anos depois, ela abre feliz a porta da casa abarrotada de brinquedos no bairro Esplanada e conta sua história enquanto o pequeno Bruno de Marchi Pitan, de 8 anos, joga bolita no chão.
Dilce nunca engravidou, mas isso não a impediu de ser mãe. Tão logo iniciou os tratamentos, parou, e ao lado do marido, disse que pediu aos céus que guiasse seus passos. Na época, a adoção se tornava uma alternativa, mas com pouco conhecimento de caso não foi à Vara da Infância e Juventude no primeiro momento.
“Então eu tive um sonho”, e de pronto Dilce mareja os olhos ao lembrar de algo que carrega como presságio para as coisas que se sucederam. “Nele eu via um berço ao lado da minha cama e uma criança com um sorriso lindo tentava sair dele para vir até mim. Ele me chamava de mãe e eu o chamava de Bruno. Mas acordei e no primeiro momento pensei que poderia dizer respeito à outra pessoa. Quando contei a uma amiga ela disse: ‘Não, Dilce, é o seu filho, ele te chamava de mãe’.”
Poucos meses depois, e sem esquecer do sonho que tivera, Dilce foi apresentada a uma mulher que estava grávida, mas que não queria assumir a maternidade. A ideia era de que quando a criança nascesse, Dilce e o marido assumissem, recebendo a guarda.
O casal consentiu, mas procurou os meios legais para isso.
Em setembro do mesmo ano, ambos foram pela primeira vez à Vara da Infância e Juventude, no Fórum de Chapecó, onde receberam a informação que o processo não poderia seguir dessa forma. “Eu falei o nome da mulher, passei os dados e eles disseram que a iriam acompanhar. Já para o meu caso, pediram que eu levasse alguns documentos e realizasse o cadastro para entrar na fila de interessados em adoção. Na hora de escolher o perfil, eu e meu marido não colocamos nenhum empecilho: nem para idade ou doença. Eu pensava: se eu estivesse grávida e tivesse um filho com doença, eu não iria descartá-lo por isso. Queríamos tanto, que o que viesse iríamos aceitar como um presente”.
Longa espera
Após terem o cadastro aprovado, iniciou a longa espera, tempo em que alguns colocavam abaixo o sonho do casal. “Eu estou há quatros anos na fila e nada”, disse Dilce sobre o que ouviu de uma pessoa.
Mas em um caso breve, um ano e quatro meses, em janeiro de 2009, depois de entrarem no cadastro de interessados, o juiz telefonou ao casal e os chamou ao Fórum: havia um menino, mas a situação era delicada.
Recém-nascido, o pequeno fora abandonado no hospital pela mãe, que fugiu. Ela era usuária de drogas e precisava de atendimento. Sem a possibilidade de que a criança vivesse com a mãe biológica, ela se manteve no hospital, mas os médicos a diagnosticaram com citomegalovírus, o que dava uma sentença para a motoridade do menor nos anos vindouros.
A doença, que pode ter manifestações clínicas diferentes de pessoa para pessoa, pode gerar mal-estar, febre baixa e até doenças graves que comprometem o aparelho digestivo, sistema nervoso central e retina. Além de que o citomegalovírus nunca abandona o organismo da pessoa infectada, permanecendo em estado latente e a qualquer baixa na imunidade do hospedeiro pode reativar a infecção.
Segundo os médicos informaram à família, até os quatro anos de idade a criança teria uma vida comum, mas depois desse período os sintomas da doença poderiam se manifestar severamente.
Mesmo diante disso e da sentença de que a criança precisaria de acompanhamento médico regular, Dilce e Pitan não recuaram.
Presságio
No primeiro momento em que puderam visitar o menino saíram mais do que convictos de que aquele era o filho que aguardavam.
“Quando cheguei no hospital perguntei às enfermeiras se ele já tinha um nome. Porque elas faziam uma brincadeira entre si e davam o nome às crianças enquanto ficavam internadas. Então me disseram que uma enfermeira o tinha chamado de Bruno. Quando me contaram eu comecei a chorar muito, pois no sonho que eu tive esse era o nome da criança. Mais do que nunca tive a certeza de que era um presente de Deus. Depois disso foi tudo muito rápido. Eu não era mãe e de repente eu era. Foi da noite pro dia. Corremos comprar as coisas, arrumamos o quarto e o recebemos. Desde o início foi um amor que eu não sei explicar em palavras”, conta chorando.
A própria doença foi aniquilada com o tempo e um exame em Chapecó atestou que a criança já não teria o problema no decorrer da vida.
Dilce relata cada detalhe da história com uma lembrança de alguém que viveu no ontem todos os fatos. Mas para ela é inesquecível e ver Bruno na sua casa é motivo de gabar-se até das pequenas coisas.
Desde que ele foi morar com a família, não escondeu do menor que era adotado. A forma que encontrou de falar isso foi por meio de uma história recontada todas as noites antes de dormir sobre uma vaca, sem leite, que precisou entregar o seu filhinho para uma outra vaca, que queria muito um bezerrinho e tinha condições de criar. “Um dia Bruno entendeu a história e perguntou pra mim: ‘Mãe, eu sou o filhinho da vaca, né?’ Eu disse que sim. Nossa relação não é diferente por isso. Algumas pessoas dizem que não seriam capazes de amar alguém que não geraram, mas o amor está em nós e é impossível não amar alguém que você convive, que você deseja”.
Grupo auxilia famílias
Após a adoção, Dilce e o marido passaram a participar do Grupo de Estudos e Apoio a Adoção de Chapecó – Criança Feliz, Família Feliz (GEAA Chapecó), onde compartilham sua experiência e auxiliam outros casais e interessados que desejam adotar uma criança.
O grupo existe desde 2004 e foi criado pela necessidade de se debater a adoção, motivado pelos pais adotivos e pelos interessados, segundo explica o presidente da entidade, Andrei Moreira Neves.
As reuniões acontecem sempre na segunda segunda-feira de todo mês, às 19h30, no salão da reitor
ia da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e é aberta ao público. Hoje, Neves calcula que participam cerca de 20 a 40 pessoas e os debates incluem demandas dos interessados e também na quebra de tabus que envolvem a adoção.
Um dos temas tratados para trabalhar ao que Neves chama de “gestação do coração” é a adoção de adolescentes, de crianças portadoras de necessidades especiais e de raça diferente.
“A adoção tardia é uma coisa que estudamos bastante porque é um perfil de crianças que existe no município [são 14, segundo o setor de Serviço Social e Psicologia do Fórum de Chapecó] e as pessoas precisam entender esse fenômeno para que mudem sua ideia de adotar uma criança bebê e pegar uma criança mais velha. Porque filho é igual da mesma forma”, explica.
Em relação às crianças portadoras de necessidades especiais, Neves identifica que a restrição vem pelo “medo” e “insegurança” dos interessados, por achar que cuidar de uma criança nessa situação seja difícil. Ele reconhece que há fatores diferentes e que a família precisa estar segura da decisão bem como ter uma boa base, mas que com informações é possível fazer uma adoção saudável.
Já no que diz respeito à raça, Neves é otimista e vê um crescimento maior na busca por crianças pardas e negras, normalmente vítimas de preconceito e por isso deixadas aquém. “As pessoas estão perdendo o preconceito, mas alguns ainda têm medo do preconceito social, e isso é muito forte, principalmente quando os pais são brancos e adotam uma criança negra. A própria sociedade não aceita e para alguns interessados isso é uma barreira”.
De acordo com dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), existem no Brasil 39.935 pessoas interessadas em realizar uma adoção. Dessas, 45,16% são indiferentes à raça; 19,28% aceitam apenas crianças brancas; 0,88% apenas negras; 0,1% apenas amarelos; 4,29% apenas pardos; e 0,05% apenas indígenas.
Do total que aceita mais de uma raça, 92,33% dos interessados cadastrados adotariam brancos; 50,44% adotariam negros; 52,8%, amarelos; 78,42%, pardos; e 49,03%, indígenas.
Para Neves, os dados são bons e mostram um fluxo positivo para a quebra do preconceito em colocar na família uma pessoa de raça diferente. Mas o principal problema e que junto do grupo luta para mudar é a efetivação da entrega legal. “Abandono é crime, mas entregar a criança ao Fórum não. A entrega legal é possível. No abandono, às vezes a mãe engravida e deixa no hospital, então é preciso que o poder público intervenha até que seja efetivada a destituição do poder legal, o que leva um tempo. É preciso que sempre pensemos o melhor para as crianças”, sentencia, sabendo que o melhor é que cada uma tenha um destino feliz como o de Bruno, que há oito anos teve a vida transformada por uma adoção.
Original disponível em: http://vozdooeste.com.br/2017/06/15/sonho-da-familia-completa-se-torna-real-apos-adocao/
Reproduzido por: Lucas H.
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