segunda-feira, 5 de junho de 2017

Orgulho em adotar mesmo nos casos complexos (Reprodução)

02 DE JUNHO DE 2017

Três irmãos com 3, 5 e 6 anos quando foram adotados; um casal com uma casa cheia de repente e com problemas para os quais não estava preparado a 100%. Onze anos depois, Beatriz Simão, a mãe, fala de uma boa integração. O maior problema foi o seu divórcio, o que tem provocado reações negativas dos filhos com medo de novo abandono.

Daniel e Sílvia Mira adotaram, em momentos diferentes, dois rapazes, de 10 e 9 anos, que, por vezes, testam os pais com o receio de voltarem à instituição. Ou seja, o passado está sempre presente. Mas nem por um momento se arrependem da adoção e, também, não levantam o dedo acusatório quando um processo é interrompido.

"É muito difícil, é injusto, estar à procura da culpa. Nem sempre o problema é da avaliação da Segurança Social, nem sempre é dos pais ou tem que ver com a criança. É um processo multifatorial e complexo", diz Daniel. Sílvia exemplifica: "No caso que conhecemos, a interrupção da adoção foi boa para a criança. As técnicas perceberam que a família era desestruturada e foi melhor interromper uma situação que estava a tornar-se negativa. Quatro meses depois, foi novamente integrada."

Conclui o Daniel: "As pessoas inscrevem-se para a adoção e são chamadas cinco, seis e mais anos
depois. Essa família pode ter mudado, deixado de ter condições, o que tem de ser bem avaliado."

Vêm as justificações a propósito de um pedido de explicações do Bloco de Esquerda ao governo sobre a adoção em Portugal, concluindo-se que aumentou o número de processos de adoção que voltaram para trás, 43 entre 1 de agosto de 2015 e 31 de agosto de 2016, noticiou ontem o jornal Público. No ano de 2015 foram 26 e, em 2014, 34. O Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) refere que em relação àquelas crianças o "projeto de vida de adoção foi interrompido e regressaram à instituição ou família de acolhimento durante o período de pré-adoção". A maioria tem 3 ou menos anos.
Não explica o motivo por que os processos foram interrompidos, nem se foram os candidatos à adoção que devolveram as crianças ou se as técnicas consideraram não estarem reunidas as condições. O MTSSS apenas respondeu ao DN que tudo funciona bem. "Os serviços são cada vez de maior qualidade e, em relação aos casos de adoção com insucesso, tem sido feito um esforço de análise no sentido de melhoria contínua, e que se insere num âmbito mais vasto de estudo das problemáticas atuais das famílias." Remete para o relatório CASA (Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens), a ser divulgado este mês, que não costuma analisar estes casos.
Explicações que o BE considera insuficientes. O partido entregou o requerimento em setembro, uma vez que o regime jurídico da adoção tinha sido alterado há um ano. A resposta só agora chegou e não descansou Sandra Cunha, a deputada que fez o pedido. "Como não há relatórios, não podemos aferir se houve um aumento, decréscimo ou manutenção deste número de insucessos do processo de adoção. De qualquer forma, 43 crianças no espaço de um ano é demasiado e indicia algo errado. Os problemas podem estar do lado dos candidatos, mas estarão também na avaliação das candidaturas, da seleção e no processo de matching (correspondência) entre candidatos e as crianças com projeto de adotabilidade. Ou ainda, e muito importante, na preparação das crianças."

Daniel, 39 anos, gestor de recursos humanos formado em Psicologia Clínica, e Sílvia, 42, Design, adotaram duas crianças, casos vulgarmente classificados de adoção tardia. "Conhecíamos a realidade da adoção em Portugal, sabíamos que não há grande resposta para as crianças a partir dos 7 anos, e pretendíamos fazer o nosso projeto de adoção a partir dessas idades", diz o pai. O resultado, confessa com humor Sílvia, é terem um adolescente de 14 anos, o mais velho, e serem pais só há quatro anos e meio. O mais novo tem 11 anos e foi adotado há dois. Garantem que, ao contrário do senso comum, estas não são adoções mais difíceis. "A nossa experiência e a investigação mostram que, embora tragam um historial maior, têm também mais competências, além de um desejo enorme em serem adotados."

Sublinham ter acompanhamento da Santa Casa da Misericórdia, a instituição que liderou o processo, sempre que o desejassem. Não foi muitas vezes preciso. "Mas lembro-me de uma pergunta do meu filho para a qual não tive resposta e liguei para o psicólogo. Eram 20.00, ele já tinha saído e esteve meia hora ao telefone." O resto, assegura o casal, tem corrido muito bem, com os pais e entre irmãos. O pior são os medos de novos abandonos, daí a necessidade que os filhos sentem em os testar.

Os mesmos medos têm os filhos de Beatriz, 47 anos, gestora de projetos. Duas raparigas e um rapaz, agora com 14, 16 e 17 anos respetivamente. "Separámo-nos há sete anos e não tem havido muito contacto com o pai. E naqueles momentos mais complicados, dizem: "Fomos abandonados uma vez e, agora, estamos a ser abandonados pelo pai." Isto, depois do casal ter aceitado há 11 anos adotar três irmãos, uma revolução na família.

Quanto ao período de pré-adoção, aqueles pais dizem não se tratar de período experimental. O manual da Segurança Social fala período de "avaliação próxima". "Faz toda diferença, não se pode devolver tal como quando nasce uma criança não se devolve. Pode haver um abandono, negligência, não é devolução", sublinha Daniel.

A Beatriz soube que podia em abril. "Enviamos fotos, da casa e da família. Combinámos que iríamos estar com eles em agosto. No primeiro dia, correram para nós a chamar "mamã e papá". Fomos passear e ao cinema. No segundo dia, já traziam a mochila para ficarem a noite connosco e não voltaram à instituição. Como costumo dizer: "Tinham de ser estes."" Com Joana Capucho


Reproduzido por: Lucas H.


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