jessica.antunes@jornaldebrasilia.com.br
Há cinco famílias habilitadas para cada criança cadastrada para adoção no DF. Em um mundo ideal, nenhuma delas precisaria ficar por anos em instituições de acolhimento. A realidade, todavia, está longe disso. Mais de 80% dos que esperam por um lar têm mais de seis anos. Quanto mais velhos, mais remotas as chances de criarem laços parentais antes da vida adulta. É o que o JBr. mostra hoje, na segunda reportagem de série sobre adoção.
Segundo dados do Cadastro de Adoção levantados pela Vara da Infância e da Juventude (VIJ), 93 jovens entre seis e 18 anos estão na fila – apenas quatro têm menos de três anos. Eles são 84% do total de 110, e têm grande possibilidade de chegar à maioridade em orfanatos. A situação pode piorar se há irmãos ou diagnóstico de doenças. Segundo a Justiça, a maioria dos pais só está disposta a receber filhos saudáveis ou com problemas leves de saúde, e aceita apenas um.
Ana (nome fictício) tem 17 anos e carrega no colo a primeira filha, de um mês. Ambas moram na Casa Transitória de Brasília, em Taguatinga. Ali, dos 20 acolhidos, 12 aguardam adoção. Ana chegou com dois irmãos em 2008. Faltavam cuidados dos pais e não havia quem se responsabilizasse por eles. Um irmão foi morar com uma tia, e o segundo cresce em outra instituição.
A menina, desconfiada, não gosta de falar do passado. Diz que chora ao se lembrar e resume o sentimento à falta de carinho. Ela cresceu no casarão de quatro andares, quartos com beliches, desenhos nas paredes e nos guarda-roupas e banheiros compartilhados. Prestes a completar 18 anos, deve morar com o pai da criança.
“Me lembro das pessoas que chegaram, que nos deixaram. Eu mesma não queria ser adotada. Não queria outra família, acho melhor ficar aqui, onde já conhecia todo mundo. Me apegar a outros seria difícil… Mas também não queria voltar para a minha família”.
Ana hesita em falar do futuro. “Qualquer coisa para mim está bom, quero é ganhar dinheiro. Vou trabalhar, estudar, criar uma família. Não sei”, assumiu. Ela não fala com a mãe, de quem sente mágoa.
As tentativas de manter o laço familiar são esgotadas antes do cadastro para adoção. Às instituições de acolhimento são encaminhados por decisão judicial vítimas abandono, negligência e, especialmente, abuso e exploração.
Coordenadora do Lar São José (Ceilândia), Ana Lúcia diz que seis anos de idade costuma ser o limite para adoção, além da preferência por brancos. “Não é o perfil que temos. Em geral são grupos de irmãos acima de dez anos”, explica. Assistente social da Casa Transitória, Natália Alves lamenta: “O sistema é cruel e o adolescente sai adulto”.
Nas instituições, a construção da autonomia é prioridade. São ofertados cursos, por exemplo. Sem elo familiar, há casos de envolvimento com criminalidade.
Vítimas de abusos e de agressões
O jeito descontraído e bem-humorado de Maria (nome fictício) contagia. Aos 17 anos, diz que seu modo em nada lembra a menina de um ano atrás, quando chegou ao Lar São José, em Ceilândia. Ela mesma pediu para ir, após ser assediada e quase abusada pelo padrasto, e ter conflitos com a madrasta. Isso depois de mudar-se da casa da mãe, que, dependente financeiramente, preferiu ficar com o marido. “Eu sempre tive medo de me adaptar, mas tinha ainda mais medo de voltar para casa”, revela.
Quando mostrou à mãe o vídeo que provava a tentativa de estupro, a mulher a teria agarrado pelos cabelos e a jogado na rua. “Tenho essa marca (no braço), que já me fez chorar muito. Ela rasgou minha pele com unhas enormes… Hoje vejo como experiência”, recorda.
Maria divide uma das cinco casas da vila com oito acolhidos. Dos 67 que vivem ali, apenas cinco estão cadastrados para adoção. Maria nunca quis. Nem voltar para casa. “Vivo melhor aqui”, justifica.
O que ela almeja é independência. Focada no futuro como intérprete e tradutora, estuda cinco idiomas e planeja aprender a Língua Brasileira de Sinais (Libras). “Quero viver a minha vida sem depender de ninguém”, resume.
Acolhido desde bebê com dois irmãos – um gêmeo e um mais novo -, um jovem completou 18 anos na instituição. De início, o motivo era o envolvimento do pai com drogas. Eles chegaram a sair da primeira entidade e, aos dois anos, apanhavam da mulher que os criava. De volta ao acolhimento, aos dez anos, tiveram uma família interessada, canadense. Não deu certo.
O rapaz nunca mais viu a mãe. Reencontrou o pai uma vez, há dois anos. O irmão gêmeo já mora sozinho e o mais novo segue acolhido.
Original disponível em: http://www.jornaldebrasilia.com.br/cidades/criancas-para-adocao-ficam-boa-parte-da-vida-a-espera-do-lar-que-nao-vai-chegar/
Reproduzido por: Lucas H.
Nenhum comentário:
Postar um comentário