domingo, 22 de fevereiro de 2015

Se Estatuto da Família for aprovado, STF o declarará inconstitucional

Processo Familiar

Circulou na imprensa a notícia de que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), criou no dia 10 de fevereiro, uma comissão especial para acelerar um projeto que reconhece como família apenas os núcleos sociais formados pela união de um homem e de uma mulher. É o Estatuto da Família de autoria do Deputado Anderson Ferreira (PR-PE).
O projeto, em seu artigo 2º, afirma que “define-se entidade familiar como núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio do casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes” (clique aqui para ler a íntegra).
Os demais dispositivos cuidam de políticas públicas e de diretrizes para a sua concretização.
Qual a razão da proposição ter tido repercussão na imprensa? A razão de ser são as declarações que acompanham o projeto em questão.
Frases como a do deputado Ronaldo Fonseca (Pros-DF) causam perplexidade aos estudiosos do Direito “faz necessário diferenciar família das relações de mero afeto, convívio e mútua assistência; sejam essas últimas relações entre pessoas de mesmo sexo ou de sexos diferentes, havendo ou não prática sexual entre essas pessoas”.
E conclui sua peroração: “É importante asseverar que apenas da família, união de um homem com uma mulher, há a presunção do exercício desse relevante papel social que a faz ser base da sociedade” (clique aqui para ler notícia sobre o assunto).
Há no discurso uma clara visão utilitarista: a família de pessoas do mesmo sexo não cumpre sua função última, “ser base da sociedade”. Haveria duas famílias: as úteis e as inúteis para a base da sociedade. É argumento que já legitimou atrocidades em passado não tão remoto.
Já disse, nesse espaço, Giselle Groeninga, que “as marginalizações de algumas famílias acompanham a tentativa em impor valores que, no mais das vezes, são estranhos à própria finalidade da família. E exemplos não faltam das tentativas em (in)justamente negar o direito a se ser em família, e em se ter uma família que não se submeta aos valores prevalentes”.
E não é só. Parece que o debate a ser travado no Congresso, ou o discurso a ser imposto pelos parlamentares, ignora que o tema já está amadurecido em termos jurídicos com as decisões do Supremo Tribunal Federal a respeito do conceito de família no Brasil.
Em maio de 2011, na decisão da ADPF 132/RJ e da ADI 4.2771, o Supremo Tribunal Federal admitiu a união estável entre pessoas do mesmo sexo, com todos os efeitos da união estável heterossexual. O princípio norteador das decisões é o respeito às diferenças e vedação à discriminação em razão de sua etnia, religião ou orientação sexual.
Antes mesmo de se prosseguir no debate, deve-se lembrar que, quando em outubro de 2011 o Superior Tribunal de Justiça admitiu o casamento (sim, o casamento por meio de habilitação perante o Registro Civil), as razões foram impactantes e precisas:
Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a maioria, mediante seus representantes eleitos, não poderia mesmo ‘democraticamente’ decretar a perda de direitos civis da minoria pela qual eventualmente nutre alguma aversão. Nesse cenário, em regra é o Poder Judiciário - e não o Legislativo - que exerce um papel contramajoritário e protetivo de especialíssima importância, exatamente por não ser compromissado com as maiorias votantes, mas apenas com a lei e com a Constituição, sempre em vista a proteção dos direitos humanos fundamentais, sejam eles das minorias, sejam das maiorias” (REsp 1183378/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/10/2011, DJe 01/02/2012)
Assim, esperar que os representantes da maioria defendam os interesses de minorias é algo pouco comum, não usual, pois afinal precisam dessa maioria para manter sua hegemonia e poder.
Não custa lembrar que o Brasil tem pouca tradição histórica nos assuntos relacionados aos direitos humanos e às minorias.
Comecemos pela diferença em razão de sua etnia. Sabe-se que o Brasil foi um dos últimos países a colocar fim à escravidão e só o fez, em 1888, por intensa pressão dos ingleses (pressão essa que incluía afundar os navios negreiros). Aliás, o preço histórico da Princesa Isabel ter sido atuante na luta contra a escravidão (a Princesa assinou a lei Áurea enquanto seu pai, o Imperador D. Pedro II, viajava) foi a perda da coroa e o exílio da família real no ano seguinte. Um dos motes dos Liberais contra a Monarquia foi exatamente a assinatura da lei em questão.
Quanto à diferença de gênero e a proteção da mulher, temos, novamente, um “caso de descaso” pelas autoridades braisleiras. O Brasil foi “forçado” a reconhecer, por lei, a vulnerabilidade das mulheres e a necessidade de sua proteção com a edição da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06). A tragédia vivida pela biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, violentamente agredida por seu marido, o que lhe causou paraplegia, foi mote para que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA) acatasse uma denúncia contra o Brasil que acabou condenado por negligência e omissão quanto à violência doméstica.
O teor do Relatório 54/01 que cuidou da denúncia prestada por Maria da Penha impressiona: “dado que essa violação contra Maria da Penha é parte de um padrão geral de negligência e falta de efetividade do Estado para processar e condenar os agressores, a Comissão considera que não só é violada a obrigação de processar e condenar, como também a de prevenir essas práticas degradantes”.
Curiosa foi a participação do Estado brasileiro nesse processo perante a Comissão Interamericana: “o Estado brasileiro não apresentou à Comissão resposta alguma com respeito à admissibilidade ou ao mérito da petição, apesar das solicitações formuladas pela Comissão ao Estado em 19 de outubro de 1998, em 4 de agosto de 1999 e em 7 de agosto de 2000”. Em suma, o Brasil se omitiu completamente quanto ao tema.
Por fim, em termos de discriminação em razão da orientação sexual, temos, no Brasil, exemplo único no mundo. É verdade que, grosso modo, podemos dividir os países em dois blocos: aqueles que respeitam e reconhecem a família homoafetiva (Américas, Europa e Oceania) e os que não a admitem ou criminalizam as práticas homossexuais (África e Ásia).
Entre os países que reconhecem as famílias homoafetivas e as protegem, a extensão dessa proteção varia, mas, de qualquer forma, a proteção nasce por força de lei. Portugal, por exemplo, que admite o casamento homoafetivo por força da alteração do Código Civil em 2010, não admite a adoção conjunta.
No Brasil, não houve mudanças no Código Civil para se admitir a família homoafetiva que foi construída com base nas decisões do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e algumas leis esparsas.
Aliás, o casamento homoafetivo é regulamento pela Resolução 175 do CNJ, que, em 14 de maio de 2013, de maneira singela e objetiva, determinou a todos os registros civis que habilitassem os casais de mesmo sexo para o casamento civil. Dispõe a Resolução em questão que:
Artigo 1º: É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.
Não há um artigo no Código Civil que admita a família homoafetiva, mas também não há um artigo que a exclua da proteção legal. E, efetivamente, a Constituição não limita as formas de constituição de família como fazia o antigo Código Civil de 1916, logo, o artigo 226 apenas indica, exemplifica, as formas de família protegidas pelas Constituição. Abole-se o sistema de exclusividade do casamento, como forma de constituição de família, em favor da adoção de um modelo plural.
Assim sendo, em linhas conclusivas, o que acontecerá se o Estatuto da Família for aprovado?
A resposta é simples: nascerá uma lei inconstitucional e que não produzirá nenhum efeito jurídico.
É por isso que, paradoxalmente, penso que, talvez, seria melhor a aprovação deste odioso estatuto. E o raciocínio é feito de maneira utilitária. Com a aprovação, o Supremo Tribunal Federal declarará sua inconstitucionalidade com relação à categorização de família.
Então, o desiderato estará atingido. Será o fim do discurso eleitoreiro de alguns políticos, seja esse discurso decorrente de indisfarçável ignorância, seja esse discurso dolosamente engendrado para se angariar votos.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Projeto de lei visa dar preferência a processos de adoção conjunta de irmãos e de crianças negras

20/02/2015 Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM com informações da Agência Câmara Notícias
Garantir celeridade na tramitação de processos de adoção de crianças negras, de menores com mais de quatro anos ou de irmãos que sejam adotados pela mesma família ou por famílias diferentes é o intuito do Projeto de Lei (PL 8051/14), do deputado Marco Feliciano (PSC-SP). A proposta, que segue em análise pela Câmara dos Deputados, altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8.069/90), que atualmente assegura prioridade apenas na adoção de criança ou adolescente com deficiência ou doença crônica.
O deputado lembrou que um dos maiores obstáculos do sistema de adoções é o fato de a maioria das crianças e adolescentes à espera de um lar não apresentarem as características esperadas pelas famílias inscritas no cadastro. Outro problema que ocasiona a demora nos processos, segundo Feliciano, seria o elevado número de famílias cadastradas, se comparado ao de crianças e adolescentes disponíveis para adoção.
De acordo com pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), menos de 5% das crianças inscritas no Cadastro Nacional de Adoção têm entre zero e três anos de idade, e 77% delas já passaram dos 10 anos. Conforme o projeto, outro objetivo será evitar a separação de irmãos que, conforme o autor, nestes casos representam 75% do universo de crianças inscritas para adoção. A proposta será analisada em caráter conclusivo pelas comissões de Seguridade Social e Família e de Constituição, Justiça e Cidadania.
Prioridade absoluta – Para a advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM, tal qual a lei nº 12.955, que estabelece prioridade de tramitação aos processos de adoção em que a criança ou o adolescente tenha deficiência ou doença crônica, esta proposta é benéfica, ao dar visibilidade à realidade que vivemos no Brasil. “Contudo, a prioridade não deve ser somente para crianças ou adolescentes negros, ou com doenças crônicas, uma vez que o artigo 227 da Constituição Federal traz o princípio da prioridade absoluta, ao determinar que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Tal princípio também se encontra espelhado no artigo 4º da Lei do ECA”, explica.
A advogada aponta que, dessa forma, a prioridade absoluta existe para a tramitação dos processos dedicados à infância e à juventude, “mas isso em tese e não de fato, pois temos plena consciência de que a realidade é outra”, afirma. Segundo Silvana do Monte, a prioridade absoluta deve ser espelhada por varas com competência única em infância e juventude e com força de trabalho adequada às necessidades da população, ou seja, com psicólogos e assistentes sociais em número suficiente para atender as demandas.
Quanto à questão da adoção de crianças por parte de casais homoafetivos, a advogada expõe a necessidade de que o Legislativo ponha em prática a laicidade do Estado. Silvana esclarece que as questões que perpassam as investidas contra a adoção homoafetiva mantêm base na religião e no preconceito, que devem estar absolutamente afastadas daqueles que fazem as leis de um país. “Existe, também, uma inversão na interpretação da adoção. A adoção não objetiva atender aos adotantes, e sim às crianças alijadas do direito à convivência familiar. É para essas crianças que se buscam famílias, evitando que se tornem filhas do Estado e que sejam jogadas na rua aos 18 anos. As famílias se revestem de todas as formas: pessoa solteira, casada, em união estável, homoafetiva, heteroafetiva, dentre outras. Desde que os adotantes comprovem estarem aptos ao exercício da parentalidade responsável, não importa a orientação sexual, e sim a capacidade de cuidar, amar, respeitar”, argumenta.
Silvana do Monte observa que é necessário, ainda, que se mostre ao Legislativo que crianças negras, grupos de irmãos e crianças maiores são adotadas por casais homoafetivos que, via de regra, demonstram menos preconceito na consecução da parentalidade.

http://www.ibdfam.org.br/noticias/5551/Projeto+de+lei+visa+dar+prefer%C3%AAncia+a+processos+de+ado%C3%A7%C3%A3o+conjunta+de+irm%C3%A3os+e+de+crian%C3%A7as+negras#.VOiifXgyJmA.facebook