domingo, 5 de fevereiro de 2012

Carta à Rede Globo de TV - Novela Fina Estampa

Carta que fizemos em conjunto com o grupo de discussão da ANGAAD.

À
Rede Globo de Televisão

Ao
Escritor Aguinaldo Silva
Ref.: Novela Fina Estampa

Prezados Senhores:

Breve Apresentação
Nós, ao final assinados, somos representantes e membros de grupos de apoio à adoção sediados nas cinco regiões brasileiras, componentes da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção – ANGAAD, que há mais de 18 (dezoito) anos trabalha em prol de uma nova cultura da adoção, que inverte o paradigma tradicional de se buscar uma criança para uma família, privilegiando o melhor interesse da criança, ao buscar uma família para as crianças e adolescentes alijadas do direito à convivência familiar e comunitária. E pertinente mencionar que, atualmente, temos cerca de 40 mil crianças institucionalizadas à espera de família.
O foco do nosso trabalho envolve adoções tardias (crianças acima de 5 anos de idade e adolescentes), adoções múltiplas, grupos de irmãos, crianças com necessidades especiais, portadoras de síndrome de down, autismo, paralisia cerebral, portadoras do vírus HIV, dentre outras.
Desmitificamos, através de profissionais qualificados que comparecem a nossos encontros mensais e anuais, os mitos e preconceitos em relação ao instituto da adoção ainda impregnados nas crenças sociais, a questão da hereditariedade na transmissão de patologias psiquiátricas, entre elas a esquizofrenia , assim como as questões envolvendo crianças e adolescentes soropositivos.
Com nosso trabalho, e não apenas com ele, temos conseguido alterar o perfil do habilitado à adoção que, tradicionalmente, estava direcionado para bebês saudáveis, brancos e, preferencialmente, meninas. Atualmente, muitas crianças e adolescentes, antes fadados a viver eternamente em entidades de acolhimento institucional (antigo abrigo) por estarem fora do perfil comumente desejado, estão sendo adotadas e passaram a compor famílias que convivem felizes e em harmonia com as suas escolhas.

Sobre a novela Fina Estampa:
Desde o último sábado, 28 de janeiro, nos deparamos com a revelação, no horário nobre da TV Globo, do “segredo” da personagem Tereza Cristina.
Tereza Cristina, ao longo da novela, demonstrou ser uma pessoa psicótica, maquiavélica, má, péssima mãe, mesquinha, vingativa, assassina e vários outros adjetivos nefastos que poderiam preencher meia página.
Seu grande segredo, revelado com estardalhaço pela mídia – de forma fantasiosa – refere-se ao fato de ter sido adotada por uma família milionária. Ela é filha biológica de uma empregada da família que morreu louca em um sanatório psiquiátrico. Foi adotada legalmente.
A partir da revelação do segredo o descompasso aumenta ainda mais. Criam-se questionamentos sobre o real sobrenome de Tereza Cristina, se teria ou não direito à herança dos pais (adotantes) falecidos, se seu irmão (Paulo) deveria ou não fazer exame de DNA para “desmascará-la”. Esses são apenas algumas das situações pontuais localizadas nesse verdadeiro show de horrores que passaremos a debater especificamente.

Revelação e segredo – A adoção não pode ser tratada como segredo, assim não existe a necessidade de revelação. Absurdo descobrir que a tia de Tereza Cristina, interpretada pela atriz Eva Vilma, vem chantageando a sobrinha em virtude de tal segredo. A origem biológica do filho adotivo é um componente de sua biografia, mas não será jamais o referencial maior de sua vida. O processo de criação e educação oferecidos pelos pais adotivos constituirão as suas matrizes psicológicos mais importantes.
Pessoas adotadas não são coitadinhas que foram acolhidas por um ato de piedade. São pessoas tão somente, que foram escolhidas como filhas pelo amor. A adoção é o processo de filiação fundamentado no afeto, sendo a única forma de se configurar a verdadeira paternidade e a maternidade. O fato de termos gerado crianças não nos torna pais e nem estas filhos. Todos os pais, inclusive os biológicos, precisam adotar afetivamente as suas crianças para que estas se tornem filhos.

Da origem genética – A vergonha de Tereza Cristina por ser filha de uma empregada doméstica é preconceituosa e absurda. A grande maioria das crianças e adolescentes disponibilizadas a adoção tem origem na pobreza, no abandono, na mendicância. Nenhuma dessas crianças e adolescentes deverá ter vergonha de sua origem. Tal colocação fere a dignidade da pessoa humana.

Dos questionamentos acerca do sobrenome de família – Tereza Cristina foi legalmente adotada. Seu sobrenome é da sua família adotiva, simplesmente da sua família. A inserção dessa dúvida está colocando em polvorosa inúmeras famílias formadas pela adoção que, no desespero, mesmo com toda a formação recebida, passam a povoar o imaginário com tal dúvida.

Da herança – Inquestionável que crianças e adolescentes legalmente adotados têm assegurados todos os direitos sucessórios. Totalmente descabida tal colocação ou sua menção por outros personagens do folhetim.

Dos componentes psiquiátricos e da falta de comprovação da transmissão hereditária – Muitas pesquisas científicas tem sido feitas neste sentido, entretanto, nenhum estudo em psiquiatria é categórico ao enfatizar uma influência exclusivamente genética, considerando sempre os fatores ambientais no desencadeamento ou manutenção dos transtornos. Em relação a esquizofrenia especificamente, até o momento, os estudos são também inconclusivos ao colocá-la como genética ou hereditária, embora tenhamos certeza de que a probabilidade de filhos esquizofrênicos é maior se um dos pais for esquizofrênico e muito maior se ambos o forem. Sempre se fala em "probabilidade" ressaltando-se a influência ambiental na maioria dos estudos.
Várias crianças e adolescentes adotados, uma enormidade, são filhos biológicos de alcoolistas, usuários das mais diversas drogas, dentre elas o crack, pacientes psiquiátricos, portadores do vírus HIV, dentre outros. Assim, a abordagem escolhida para a personagem Tereza Cristina faz um enorme desserviço à causa da adoção, afastando o adotante do real interesse do instituto da adoção que é a criança.
E como se tivessem sido reabertos baús que acreditávamos esquecidos e os fantasmas dos preconceitos passassem a rondar novamente o imaginário social...
Entendemos a liberdade de expressão e jamais nos colocaríamos na posição da malfadada censura, contudo, pesquisamos a novela e verificamos que já ocorreu uma modificação no enredo em função da reação do público. O casal formado por Griselda e René não foi aceito pelo público e está sendo desfeito.
Assim, por todas as razões já colocadas e por tantas outras que ainda poderíamos colocar, vimos solicitar uma reinterpretação da questão envolvendo o tema da adoção na personagem Tereza Cristina. Sabemos que existem segredos reais a serem revelados, não imaginamos como desfazer esse malefício à causa da adoção, mas, algo necessita ser feito.
Demonstramos, assim, nosso total repúdio à abordagem negativa do instituto da adoção pela Novela Fina Estampa, que induz a erros de interpretação e julgamento em relação à filiação adotiva, trazendo prejuízos e constrangimentos para inúmeros pais e filhos adotivos brasileiros.
Contamos com as suas providências para reencaminhar o tema de uma forma mais adequada.
Atenciosamente,

Silvana do Monte Moreira
Presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família
Coordenadora dos Grupos de Apoio à Adoção Ana Gonzaga I e II

10 comentários:

Lu Neves disse...

Concordo com o posicionamento de vocês sobre o assunto, pois a questão trazida à novela incutirá, sem sombra de dúvidas, má impressão sobre adoção de crianças com pais problemáticos ao telespectador. Sugiro que o autor introduza uma história de loucura que não caracterize hereditariedade na personagem Teresa Cristina, como por exemplo, que a mãe dela seja uma humilde lavradora, escondida pela filha numa cidade afastada, bem longe da capital. Toda a ganância e maldade da personagem teria sido adquirida na vida regada de riquezas com os pais adotivos. Aliás, é bem mais fácil ela ter imitado os pais adotivos do que a própria genitora, uma vez que foi criada longe desta.

Ozenilda Amorim disse...

Perfeito.

Margu Bakery disse...

Essa novela é ridícula em todas as suas formas.

Claudiene Finotti disse...

Oi Silvana!

No dia da grande revelação eu fiz várias críticas quanto ao fato dela ser adotada, filha da empregada louca ser motivo de vergonha nacional.

Acho que o segredo dela poderia ser tudo, menos isso. Quase todas as crianças adotadas vem de famílias problemáticas, ou não iriam para adoção. E muitas com histórias mais cheias de detalhes sórdidos do que aqueles contidos no roteiro da novela.

Achei de mau gosto, um desserviço prestado à sociedade e aos profissionais que conseguem dia após dia derrubarem os preconceitos sobre a adoção.

E parece que de direito entendem muito pouco, né? Deviam ter pelo menos procurado no google antes de cometerem a asneira de questionar se ela teria direito à herança da família adotante.

Achei o fim todo mundo se questionando: e agora, como será? Quer dizer que enquanto ela era megera assassina tava tudo bem, mas ter sido adotada é imperdoável.

Não gostei! Quer dizer, não gostei da novela, o texto eu adorei.

Abraços.

Claudiene Finotti

lua alessi disse...

Lu Neves diz pra gerar uma situação a parte, mostrando que 'Toda a ganância e maldade da personagem teria sido adquirida na vida regada de riquezas com os pais adotivos'.

E não é esse um preconceito também? Quer dizer: Eu achei 'u ó' o tal segredo 'empregada doida'. E embora pareça ter mais coisa, 'empregada doida' só na cabeça de alguém doido pra ser motivo de pagar chantagem ou matar pra ninguém saber. Quererem esconder no caso de ser um rei... Va lá. A 'nobreza' deve ser dada a essas coisas rs, mas porque se é rico?Ok, é constrangedor pra quem vive de aparências? É. E nem por motivos reais, são mais emocionais e sociais que, no fim, quando acaba são menores do que se passou a novela toda achando que seriam.

Novela tem um exagero que é da própria. Assim como tem gente que assiste e esquece que aquilo que está vendo é ficção e embora em algum lugar, pra alguém, também possa ser real, porque por mais doida ou boba, toda história é passível de acontecer, aquela ali é só fruto da imaginação de alguém. Pra mim, no caso de Fina Estampa, o que ouve foi que o autor já teve inspirações melhores frente ao PC. Quanta novela mexicana reprisado no SBT já não teve situação parecida?

Questionarem se o adotado tem direito a bens e tal, até onde eu sei, só parente ganancioso e mal informado.Se ela foi adotada, tem direito e pronto.Não muda nada 'descobrirem' q não tem o sangue dos ricos.Ainda mais que, diferente dos casos de DNA q a gente vê no Ratinho e em Casos de Família, a família adotiva dela sabia.

Sim, eu acredito que tenha filhos que 'saem' aos pais, mesmo sem conhecê-los. Assim como tem filhos adotivos que acabam se parecendo mais com os pais adotivos que os de sangue. Cada caso é um caso. As vezes genética, as vezes coincidência, as vezes convivência... As vezes só pra audiência :)

Jussara Barros disse...

Tenho um filho do coração que só me traz alegrias e orgulho. O amor que tenho pelos meus 4 filhos É O MESMO, e não sinto a menor diferença. Rio com o sorriso deles, choro com o choro deles da mesma forma. Causou-me muito espanto e estranheza sua carta, posto que não assisto a novela. Quando as pessoas que são formadoras de opinião se darão conta de seu papel na sociedade? Notadamente a rede globo, que tem um alcance inimaginável na mente de todo aquele que segue seus programas e folhetins. Triste. Muito triste. Parabéns pela carta. Espero que os senhores sejam atendidos. Abraços. Fiquem com Deus.

Neli Alves disse...

Parabéns. Enfim, alguém descruza os braços e toma uma atitude diante da mídia que quer nos idiotizar!!!
Parabéns, mesmo.

VIVI disse...

Nossa como a mídia em questão de segundo pode ser positiva ou negativa!
é triste,lamentável a falta de informações sobre adoção no país,lutamos tanto contra pré-conceitos e para no fim uma novelinha de horário nobre denegrir a adoção como se fosse algo hondioso! bom estou bastante chateada,pois sou MÃE ADOTIVA,tenho 25 anos,e não me arrependo de nada!! meu filho morava na rua,sim ele é negro,e sua mãe biológica usava crack,ele tem algumas séquelas infelizmente mas nada q me envergonhe,ele tem 6 anos,foi adotado com 2 aninhos,e hj ele sabe q é adotado e sabe o que é uma adoção acho muito importante que a criança cresça sabendo a verdade,para jamais perder a confiança de seus pais biológicos!
adorei seu blog!!

acpacheco.blogspot.com disse...

Já tem algum tempo que não assisto novelas. Porém, acho que foi providencial o dia em que assisti, pois a maneira preconceituosa e discriminatória com que o tema ADOÇÃO foi abordado me afetou intimamente, também como bacharel em Direito não posso compactuar com esse desserviço prestado pela TV.
Pesquisei na "rede" e achei a sua carta, postei no meu "facebook" assim mostro minha indignação pela forma leviana como o tema esta sendo abordado no "horário nobre".
Abraços, Claudia

acpacheco.blogspot.com disse...

Já tem algum tempo que não assisto novelas. Porém acho que foi providencial o dia em que assisti, fiquei indignada com a maneira preconceituosa e discriminatória com que o tema ADOÇÃO foi abordado, me afetou. Como cidadã e bacharel em Direito não posso compactuar com esse desserviço prestado pela TV. Encontrei na "rede" sua carta, que postei no "facebook". Assim, demonstro minha indignação pela forma leviana como o tema esta sendo abordado na novela.