quarta-feira, 19 de agosto de 2015

ADOTAR OU “PEGAR PRÁ CRIAR”? - Reprodução


18.08.2015
Paulo Wanzeller
Hoje alguém, que não tem lá tanta intimidade comigo, me perguntou serenamente: - como vai a sua filha? Eu respondi: - bem obrigado, está na escola ... Em seguida dispara: - uma amiga minha também “pegou uma criança para criar” coitada! Não tem muita condição financeira ... sempre vou por lá e ajudo, mas ...
Mentalmente contei até 5, segurei a respiração e afirmei: - mas olha..., adotar não é “pegar prá criar” ... Sem que eu terminasse a minha fala meu interlocutor conclui: - sei disso ... é que ela é pobrezinha e “esse pessoal” não faz a coisa como “a gente”.... Me incluiu onde eu mesmo não sei se quero estar incluído.
Há neste diálogo um preconceito tão sutil que acredito que nem ele (o agente) saiba das próprias fantasias ou dos pré conceitos que lhes foram legados.
Adotar não é “pegar prá criar”!
A frase é tão infeliz que soa mal e fica pior ainda quando dita no contexto de uma relação afetiva. Traduz a ideia que alguns fazem da adoção. Para “eles” adotar é criar de qualquer jeito, sem afeto, sem carinho, sem amor, sem cuidado, sem relação filial alguma, sem maternar e sem paternar. Cria-se um cão; um gato; uma tartaruga. Um filho se tem no coração para sempre, educa-se, forma-se, ama-se, muito além de prover-lhe o alimento.
Muitos dirão, mas eu amo meu cachorro como um filho! Tudo bem. Nem se discute a relação; cada um despende suas energias e seu amor da forma que lhe apraz, mas seguramente se perguntarem ao dono do cão: - estás criando? Ele naturalmente responderá que sim, ao contrário de um pai ou mãe adotivos ou não; se acaso interpelados com a mesma pergunta não deixarão de sentir-se desconfortáveis, com certeza terminarão por afirmar que criam o filho contextualizando a relação afetiva que os unem.
Preconceito? Ignorância? Senso comum? Desinformação? Não sei, o fato é que quaisquer comentários desalinhados, grosseiros, desnecessários, inconvenientes, ainda não me tiram totalmente do sério a ponto de responder de modo a deixar-me vulnerável ao que foi dito. Controle emocional é tudo nestas horas.
Alguns são maldosos sim, sarcásticos e até perversos, estes é preferível “cortar o mal pela raiz”, mantendo-os longe de nossas vidas, pelo menos o quanto for possível. Mas existem os que não fazem tais comentários por maldade pura, são pessoas que nem sempre tiveram contato com famílias adotivas, ou carregam conceitos apreendidos de forma deturpada e acabam por cometer indelicadezas sem, no entanto se aperceber do fato, podem ser educadas, paciência é uma virtude que se impõe nestas horas.
Famílias são famílias, cada vez mais são formadas a partir da adoção, é tanto que os afetos não estão resumidos àquelas formadas a partir da tradicional concepção homem e mulher; as famílias homoafetivas estão aí provando o contrário; as famílias multiparentais já se mostram possíveis e não são mais uma novidade tão distante, mesmo assim ainda existam os que se permitem permanecer ignorantes ou presos aos preconceitos fundamentalistas, há muito que aprender, quem não se dispuser ao novo, naturalmente ficará naquela “velha opinião formada sobre tudo”, infelizmente.
Minha filha é a maior conquista da minha vida, a minha melhor parte e a minha melhor porção, de mim ela terá o que tenho de mais sublime, minha essência, meu afeto e meu mais profundo amor, aprendemos juntos todos os dias, guiamos os passos um do outro pelo melhor e mais lindo caminho da vida, existe relação mais profunda e verdadeira?

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