segunda-feira, 12 de março de 2018

ONG Aldeias Infantis SOS deixa de oferecer acolhimento e investe em cursos (Reprodução)

11/03/2018


RIO — Desde a década de 1980, um programa social voltado para o desenvolvimento psicossocial de crianças e adolescentes em estado de vulnerabilidade teve no acolhimento de centenas de jovens sua principal forma de atuação. No entanto, desde o fim do ano passado, a unidade da ONG Aldeias Infantis SOS instalada em uma área de 12 hectares, em meio às montanhas e florestas do Itanhangá, deixou para trás o seu modelo tradicional, aplicado no mundo inteiro e conhecido por se basear na presença das chamadas mães sociais (mulheres voluntárias que cuidam em tempo integral dos jovens assistidos). No Rio de Janeiro, a entidade, que faz parte de uma organização internacional presente em mais de 130 países, investe agora somente em oficinas gratuitas de dança, música e teatro, assim como em aulas de língua portuguesa e matemática (para alunos entre 4 e 14 anos) e em cursos de capacitação.


Embora as vagas estejam disponíveis para pessoas de qualquer lugar da cidade, a maior parte das atividades vem sendo preenchida por moradores do Morro do Banco, comunidade vizinha à sede da Aldeias no Itanhangá. As atividades oferecidas fazem parte do Serviço de Fortalecimento de Vínculo, que procura consolidar relações familiares e comunitárias.


— Nosso público-alvo continuam sendo famílias que tenham adolescentes detidos no sistema socioeducativo ou adultos presos ou internados em hospitais psiquiátricos e aquelas com forte risco de perder laços, ou seja, em que existe risco de a criança ir para a rua ou para um abrigo por falta de recursos ou por haver violência — explica José Carlos de Moraes, coordenador-geral da Aldeias Infantis SOS no Rio. — Mesmo sem o acolhimento integral, é essencial continuar o trabalho, para evitar o rompimento de vínculos entre crianças e adolescentes e suas famílias de origem.

Um dos cursos oferecidos, o de empoderamento digital, para capacitação de jovens e adultos entre 15 e 24 anos, pretende instigar os alunos a relacionar a informática com questões sociais.
— Abordamos como as redes sociais podem influenciar uma melhor conduta, promovendo igualdade através da internet. E falamos de temas como bullying e ciberbullying — explica Carlos Augusto do Nascimento, professor do curso, destacando que o foco não é a parte prática. — Não queremos profissionais que saibam apenas apertar parafusos, mas que saibam lidar com problemas da sociedade e sejam capazes de mudar esta realidade.

Moradora do Morro do Banco, Marina Fernanda da Silva, de 17 anos, cursa o 2º ano do ensino médio e está fazendo o curso. Ela acredita que as aulas a ajudarão a entrar no mercado de trabalho e colaborar com o sustento da casa que divide com a avó, a irmã e um tio.

— Disseram que algumas empresas talvez busquem funcionários entre os alunos. No período da manhã, eu estava sem fazer nada em casa. Aqui, posso me qualificar. É uma oportunidade — diz.
Nesta nova fase, parentes dos jovens assistidos também estão inseridos no programa. Visando à geração de renda e ao aumento da autoestima de todos os membros do núcleo familiar, desde a semana passada vem sendo oferecida no local uma oficina de corte e costura para pais e mães, com duração de cinco meses. Um comitê formado pelos responsáveis contribui para o planejamento das ações.

Quando a ONG deixou de oferecer o acolhimento, em novembro do ano passado, cerca de 16 jovens ainda moravam na aldeia — ou seja, nas 11 casas da propriedade do Itanhangá, que se assemelham a pequenos chalés. A organização garante que houve um planejamento prévio, de cerca de seis meses, com o objetivo de diminuir o impacto da saída destes jovens do acolhimento.

— Dos 16 jovens, três retornaram para suas famílias, outros três foram adotados por outras famílias e dez foram transferidos para instituições de acolhimento — detalha Moraes, que é cientista social.
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A Aldeias Infantis SOS tem outra unidade na Taquara, na Estrada da Boiuna, fechada desde 2013, quando parte do terreno ficou no meio do traçado da via expressa Transolímpica. A entidade foi indenizada pela prefeitura.

PROGRAMA PODE SER RETOMADO

A Aldeias Infantis SOS foi criada na Áustria, com o objetivo inicial de acolher crianças órfãs, durante a Segunda Guerra Mundial. Até novembro do ano passado, os acolhimentos nas chamadas Casas Lares do Itanhangá eram financiados sobretudo pelo braço internacional da entidade, que ainda envia recursos, mas de menor valor. A manutenção do serviço para 2018 e 2019, da forma como funcionava até então, acabou ficando condicionada à possibilidade de realização de uma parceria com a prefeitura, o que não aconteceu.

Manter uma casa com dez crianças e adolescentes consumia cerca de R$ 35 mil por mês, segundo dados da organização, valor gasto com equipe técnica, mães sociais e estrutura. As atividades oferecidas atualmente para os jovens, no contraturno escolar, e as oficinas de corte e costura para os responsáveis representam despesas de R$ 20 mil mensais, custeadas com verbas da associação SOS Kinderdorf International, federação de todas as Aldeias do mundo, e doações de empresas e pessoas físicas brasileiras.

— Enquanto estes jovens estavam conosco no programa de acolhimento, a Aldeias Infantis SOS era responsável por providenciar tudo o que uma família deve oferecer a uma criança, como saúde, lazer e acesso à educação. Sem o acolhimento, podemos apoiar mais famílias, e reduzir mais situações de violência, em vez de trabalhar apenas com um grupo que necessita de muito recurso. A Aldeias não está fechando no Rio, está ampliando os serviços — discursa José Carlos de Moraes, que não poupa críticas à falta de apoio financeiro de setores privados e, principalmente, da prefeitura. — É obrigação do poder público garantir o acolhimento. Atualmente, sem recursos garantidos a longo prazo, não há como manter os acolhimentos ou fazer um trabalho mais qualificado. A Aldeias está presente em 14 estados e no Distrito Federal. Na grande maioria desses lugares, há apoio das prefeituras. No Rio, não.

O fim do acolhimento, porém, não é definitivo, diz o coordenador da ONG no Rio: sua retomada vai depender do estabelecimento de parcerias. A proposta é voltar a oferecê-lo no segundo semestre, ou em 2019.

Por enquanto, o projeto é expandir os cursos, reativando a sede da Taquara, em abril, com atividades para moradores de oito comunidades do entorno da Estrada da Boiuna.
Seja como for o atendimento, a principal preocupação da equipe da Aldeias Infantis SOS é não vitimizar os beneficiários dos programas e capacitá-los para que se tornem independentes com o tempo.

— Nunca encaramos quem atendemos como um problema ou como coitados altamente infelizes. Atendemos pessoas com direitos que por “n” situações não foram garantidos pelo modelo de sociedade que temos. Nós as apoiamos para que, daqui a algum tempo, não precisem mais de nós — resume o coordenador da ONG.

AUXÍLIO DE OUTRAS ONGS

Para manter o trabalho social, instituições como a Aldeias Infantis SOS costumam ter também a colaboração de outras organizações não governamentais. O Instituto Dadivar, por exemplo, é o responsável pelo financiamento do curso de empoderamento digital, oferecido atualmente no Itanhangá (na Taquara, a previsão é que comece a ser oferecido em junho). A entidade foi fundada pelos jovens Lucas Fox e Enzo Celulari com o objetivo de fomentar a cultura da doação, especialmente entre os grandes influenciadores do país.

A partir de uma campanha realizada em junho passado com a ajuda de Cláudia Raia, mãe de Enzo, o Dadivar arrecadou R$ 10 mil. Parte do valor custeou o curso; e o restante foi destinado a um projeto no Retiro dos Artistas. Quem fizesse doações concorreria a um almoço com a atriz. O sorteio dava direito ainda a uma aula de dança com ela, que também é exímia dançarina, e a uma visita aos bastidores do musical que estava encenando na época.


A iniciativa resultou de uma parceria do Dadivar com a ONG Recode, voltada para a inclusão digital. Segundo Fox, de 20 anos, a ideia é replicar a ideia para financiar projetos em Aldeias Infantis de outros estados.
— Queremos rever a lógica tradicional. Muita gente espera até o fim da vida para fazer algo que seja um legado social. Pretendemos fazer isso agora e colher os frutos ao longo das nossas vidas — diz Fox.

Original disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/bairros/ong-aldeias-infantis-sos-deixa-de-oferecer-acolhimento-investe-em-cursos-1-22475061#ixzz59YJX3i6j


Reproduzido por: Lucas H.




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