Kelma Mazziero
Há mais de cinco anos atrás, estava vindo do centro da cidade para
casa, de ônibus. Era mais um dia quente em que tinha ido até o Hospital
Menino Jesus para ver uma bebê que estava em estado crítico de saúde:
problemas respiratórios, efeitos colaterais de remédios, exames ainda
por fazer. Naquele mês eu havia estado nesse mesmo hospital diariamente
e, em especial aquele dia, estava cansada e triste, com meu filho mais
velho sentado no colo durante o longo trajeto de volta para casa.
Num dado momento uma senhora entrou no ônibus e se sentou ao nosso lado.
Simpática, nos cumprimentou, mas eu estava de pouca prosa, cara
fechada, triste mesmo. Vivia uma situação de limite emocional e aquele
dia estava próxima da desistência. Ela tentou falar uma vez, tentou
duas, mas eu não me rendia, não queria prosa. Ela não desistiu.
Continuou tentando, até que começou a falar com meu filho, perguntando
dele e eu respondendo entre dentes num gesto mimado e egocêntrico,
típico de quem vive suas dores com apego e posse. Desse jeito, ela
começou a falar de filhos, perguntou mil coisas até que eu disse estar
voltando do Hospital numa tentativa de dar um basta naquele papo todo.
Deveria saber que ela não iria parar, porque como se nada tivesse
acontecido, de um jeito sorridente e doce manteve suas perguntas e, num
dado momento, questionou o que eu fazia naquele calor com meu filho num
hospital público em plena sexta-feira. Rendida disse que estava indo
diariamente lá porque ali estava internada a bebê que eu possivelmente
adotaria como filha. Por um momento ela silenciou, olhou pra frente,
pensou. Abaixou a cabeça e então pensei ter vencido a batalha pelo
silêncio. Segundos depois ela olhou bem nos meus olhos e começou a me
contar a sua história.
Ela tinha alguns filhos, mas por algum
motivo, havia surgido em sua vida mais um. E esse filho não era
biológico, havia sido deixado por pai e mãe e se não ficasse com ela,
teria que ir para um abrigo. Começamos a ouvir, eu e meu filho,
entretidos com todos os detalhes que ela contava. Sempre calma, serena,
simpática. Percebendo minha angústia, ela me disse que tudo iria dar
certo, para que eu tivesse mais confiança. Concordei sentindo até um
pequeno alívio no peito, entendendo como uma “bronca” do Universo que
poderia estar dizendo através daquela idosa para que eu saísse um pouco
de dentro dos meus problemas e olhasse o mundo lá fora onde tinha
bastante coisa acontecendo também. Chegando perto do meu ponto de
descida, ônibus lotado, ela pediu ao motorista para que eu descesse pela
frente com meu filho e passamos meu bilhete único de mão em mão até
chegar no cobrador, que cobrou e devolveu o bilhete pelo mesmo caminho.
Me sentindo uma grande sortuda por tê-la encontrado e também por ser
acolhida daquela maneira por tanta gente que mal me conhecia, pouco
antes de me levantar, ouvi seu conselho:
“Minha filha, quando meu
menino chegou peguei aquela criança no colo e mostrei a Deus dizendo
que, se ele havia me dado aquela bênção e colocado aquele bebê em meu
caminho, que por favor me ajudasse a criar. Faça isso com sua bebê.
Assim que ela estiver em seus braços, apresente-a a Deus e diga que, se
ele a colocou ali, que te ajude a criar. E ele ajudará. Pode confiar”.
Descemos do ônibus, eu e meu filho (que tinha nove anos à época)
emocionados e ali ficamos dando tchau para a senhorinha que sorria de
dentro do ônibus.
Chame você de Deus. Chame de Oxalá, de Universo,
de Vida, de Destino, de Divino, de Deusa, do que quiser. Não importa. A
maneira como você se relaciona com o inexplicável é íntima e exclusiva,
não diz respeito a ninguém. Mas, ainda que chame do seu jeito, jamais
abra mão de ouvir e perceber os Seus sinais. Não faça como eu fiz
naquele dia, em que me fechei em meus problemas e estava aborrecidíssima
porque simplesmente as coisas não estavam saindo como eu queria ou
imaginava ou esperava para mim. Nem sempre o Destino sabe o que a gente
quer, porque nem pra ele a gente conta… a gente fica esperando o
Universo adivinhar. E como ele não adivinha (ou não é para acontecer) a
gente se magoa, se ressente e fica ali curtindo um problema com todo o
nosso empenho.
Nem tudo é matéria na vida. Nem tudo é prático ou
realizável. Nossas emoções são sutis, nossas expectativas são instáveis
e, com tudo isso, nossa confiança adquire ares distintos conforme a fase
que enfrentamos. Considere que algumas coisas tem um tempo de
acontecer. Considere a importância de pedir, solicitar, sinalizar o que
precisa. Considere também a possibilidade de ouvir a resposta sem fazer
pirraça. Nossa mania de controle pode nos levar à beira da loucura se
não pararmos e entendermos que algumas coisas não dependem só da gente.
O que posso te dizer é que eu fiz, sim, o que aquela senhorinha me
sugeriu. E também posso te dizer que funcionou: taí minha filha que hoje
está com mais de 5 anos – forte como rocha – que não me deixa mentir. E
confidencio aqui que tem dia que ao olhar o sorriso constante dela e a
alegria de viver inabalável, me lembro daquela criatura simpática
falando comigo dentro do ônibus num dia quente, contrastando com o frio
escuro que se alojava dentro de mim.
Deixe a Vida falar com você.
Ouça o Destino colocando suas pedras e repare os novos rumos que ele
traça. Confiar e se entregar, pedir ajuda, abrir os olhos e os ouvidos
pode ser o único caminho para compreender a maioria dos acontecimentos.
http://adocaodoladodeca.wordpress.com/2014/02/