terça-feira, 1 de abril de 2014

COM O DESTINO DE MÃOS DADAS


Kelma Mazziero
Há mais de cinco anos atrás, estava vindo do centro da cidade para casa, de ônibus. Era mais um dia quente em que tinha ido até o Hospital Menino Jesus para ver uma bebê que estava em estado crítico de saúde: problemas respiratórios, efeitos colaterais de remédios, exames ainda por fazer. Naquele mês eu havia estado nesse mesmo hospital diariamente e, em especial aquele dia, estava cansada e triste, com meu filho mais velho sentado no colo durante o longo trajeto de volta para casa.
Num dado momento uma senhora entrou no ônibus e se sentou ao nosso lado. Simpática, nos cumprimentou, mas eu estava de pouca prosa, cara fechada, triste mesmo. Vivia uma situação de limite emocional e aquele dia estava próxima da desistência. Ela tentou falar uma vez, tentou duas, mas eu não me rendia, não queria prosa. Ela não desistiu. Continuou tentando, até que começou a falar com meu filho, perguntando dele e eu respondendo entre dentes num gesto mimado e egocêntrico, típico de quem vive suas dores com apego e posse. Desse jeito, ela começou a falar de filhos, perguntou mil coisas até que eu disse estar voltando do Hospital numa tentativa de dar um basta naquele papo todo. Deveria saber que ela não iria parar, porque como se nada tivesse acontecido, de um jeito sorridente e doce manteve suas perguntas e, num dado momento, questionou o que eu fazia naquele calor com meu filho num hospital público em plena sexta-feira. Rendida disse que estava indo diariamente lá porque ali estava internada a bebê que eu possivelmente adotaria como filha. Por um momento ela silenciou, olhou pra frente, pensou. Abaixou a cabeça e então pensei ter vencido a batalha pelo silêncio. Segundos depois ela olhou bem nos meus olhos e começou a me contar a sua história.
Ela tinha alguns filhos, mas por algum motivo, havia surgido em sua vida mais um. E esse filho não era biológico, havia sido deixado por pai e mãe e se não ficasse com ela, teria que ir para um abrigo. Começamos a ouvir, eu e meu filho, entretidos com todos os detalhes que ela contava. Sempre calma, serena, simpática. Percebendo minha angústia, ela me disse que tudo iria dar certo, para que eu tivesse mais confiança. Concordei sentindo até um pequeno alívio no peito, entendendo como uma “bronca” do Universo que poderia estar dizendo através daquela idosa para que eu saísse um pouco de dentro dos meus problemas e olhasse o mundo lá fora onde tinha bastante coisa acontecendo também. Chegando perto do meu ponto de descida, ônibus lotado, ela pediu ao motorista para que eu descesse pela frente com meu filho e passamos meu bilhete único de mão em mão até chegar no cobrador, que cobrou e devolveu o bilhete pelo mesmo caminho. Me sentindo uma grande sortuda por tê-la encontrado e também por ser acolhida daquela maneira por tanta gente que mal me conhecia, pouco antes de me levantar, ouvi seu conselho:
“Minha filha, quando meu menino chegou peguei aquela criança no colo e mostrei a Deus dizendo que, se ele havia me dado aquela bênção e colocado aquele bebê em meu caminho, que por favor me ajudasse a criar. Faça isso com sua bebê. Assim que ela estiver em seus braços, apresente-a a Deus e diga que, se ele a colocou ali, que te ajude a criar. E ele ajudará. Pode confiar”. Descemos do ônibus, eu e meu filho (que tinha nove anos à época) emocionados e ali ficamos dando tchau para a senhorinha que sorria de dentro do ônibus.
Chame você de Deus. Chame de Oxalá, de Universo, de Vida, de Destino, de Divino, de Deusa, do que quiser. Não importa. A maneira como você se relaciona com o inexplicável é íntima e exclusiva, não diz respeito a ninguém. Mas, ainda que chame do seu jeito, jamais abra mão de ouvir e perceber os Seus sinais. Não faça como eu fiz naquele dia, em que me fechei em meus problemas e estava aborrecidíssima porque simplesmente as coisas não estavam saindo como eu queria ou imaginava ou esperava para mim. Nem sempre o Destino sabe o que a gente quer, porque nem pra ele a gente conta… a gente fica esperando o Universo adivinhar. E como ele não adivinha (ou não é para acontecer) a gente se magoa, se ressente e fica ali curtindo um problema com todo o nosso empenho.
Nem tudo é matéria na vida. Nem tudo é prático ou realizável. Nossas emoções são sutis, nossas expectativas são instáveis e, com tudo isso, nossa confiança adquire ares distintos conforme a fase que enfrentamos. Considere que algumas coisas tem um tempo de acontecer. Considere a importância de pedir, solicitar, sinalizar o que precisa. Considere também a possibilidade de ouvir a resposta sem fazer pirraça. Nossa mania de controle pode nos levar à beira da loucura se não pararmos e entendermos que algumas coisas não dependem só da gente.
O que posso te dizer é que eu fiz, sim, o que aquela senhorinha me sugeriu. E também posso te dizer que funcionou: taí minha filha que hoje está com mais de 5 anos – forte como rocha – que não me deixa mentir. E confidencio aqui que tem dia que ao olhar o sorriso constante dela e a alegria de viver inabalável, me lembro daquela criatura simpática falando comigo dentro do ônibus num dia quente, contrastando com o frio escuro que se alojava dentro de mim.
Deixe a Vida falar com você. Ouça o Destino colocando suas pedras e repare os novos rumos que ele traça. Confiar e se entregar, pedir ajuda, abrir os olhos e os ouvidos pode ser o único caminho para compreender a maioria dos acontecimentos.
http://adocaodoladodeca.wordpress.com/2014/02/

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