quarta-feira, 9 de abril de 2014

BUSCA POR PERFIL ESPECÍFICO MANTÉM LONGA A FILA DE ESPERA NOS ABRIGOS - Bloco 2


07/04/2014
Se há cinco mil crianças esperando pela adoção e 30 mil pessoas ou casais na fila para adotar, por que o processo demora tanto? A resposta está na demanda dos candidatos a pais. A grande maioria quer meninos e meninas brancas de até cinco anos de idade – contrastando com a realidade dos abrigos. No capítulo de hoje da Reportagem Especial sobre Adoção, conheça a angústia das famílias que esperam, na fila, pela oportunidade de ter um filho. A repórter é Ginny Morais.
Adriana é um nome fictício, mas a história dessa mulher é real. Ela tinha 19 anos, não estudava, trabalhava como diarista. Fez sexo sem camisinha com o namorado e engravidou.
“Quando eu descobri, fiquei desesperada.”
O desespero aumentou quando o namorado ficou sabendo da gravidez e desapareceu.
“Eu era nova. Não tinha muita experiência de vida. Não tinha condições, morava na casa dos outros. Não tinha ninguém para me ajudar. Não achava ninguém para me dar conselho bom, ao contrário, só gente dizendo que era melhor tirar. Aí eu falei: ‘não, para fazer isso eu prefiro dar’.”
E foi isso que Adriana fez. Entregou o filho para a adoção. Passados 12 anos, Adriana tem convicção de que tomou a decisão certa.
“Em algum momento se arrependeu? Não, eu vi que ele ia ficar tranquilo. Ele teria sofrido muito.”
Se de um lado tem mulheres que não querem ficar com os filhos que geraram, de outro, existe uma fila enorme de quem deseja ser pai ou mãe. São mais de 30 mil pessoas em todo o país. Entre elas, Mariana Duarte, de 30 anos, que tem esse sonho desde criança.
“Sou casada há seis anos. Há dois anos começamos a tentar engravidar e a gente não estava tendo sucesso. Combinamos que estava na hora de entrar na fila de adoção.”
Mariana foi até o fórum da cidade onde mora, em São José, Santa Catarina. Foi informada da documentação que precisava entregar para dar início à adoção. Em janeiro do ano passado, há mais de um ano, entregou tudo. E o processo parou aí.
“Disseram que a média de espera é de quatro anos. Na hora, fiquei bastante assustada. Eu sabia que tinha bastante burocracia, mas não imaginei que fosse levar tanto tempo. Eles nem entraram em contato comigo. Isso me deixa muito chateada, porque eles não estão me avaliando em nada. Sei que é muito burocrático, que acaba atrasando a nossa felicidade, a nossa vontade de ser pais e crianças precisando e sei que a gente tem toda capacidade emocional, financeira de poder criar uma criança. É uma história muito angustiante porque você não tem o que fazer.”
A ESPERA
A dois mil quilômetros dali, em Cuiabá, Mato Grosso, a demora se repete. Keka Werneck, de 43 anos, entregou toda a documentação e até já fez o curso obrigatório para pretendentes à adoção no meio do ano passado. Foi aí que a coisa empacou. Também antes de entrar na fila.
“Quando se está gravida, você tem os nove meses para te orientar no seu planejamento para receber uma nova pessoa. Na adoção, não. Você fica à mercê desse trâmite jurídico, que no geral demora muito. A gente vai ficando agoniado. esperamos que este ano o processo ande mais rápido, não só por nós, mas pela criança que esta em algum lugar - não sei onde ela está, quem ela é, mas vai vir para complementar nossa vida.”
Segundo o Conselho Nacional de Justiça, as adoções levam em média um ano. O que faz o processo demorar mais que isso é a incompatibilidade entre o que os candidatos a pais querem e a realidade das crianças disponíveis para adoção. É o que explica o juiz responsável pelo Cadastro Nacional de Adoção, Gabriel Matos.
Essas exigências são comuns porque os candidatos a pais esperam na adoção “o filho ideal” e também têm medo, segundo a deputada Rose de Freitas, do PMDB do Espírito Santo.Na prática, funciona assim: das 30 mil famílias que querem adotar, mais de 24 mil querem só uma criança. Só que três em cada quatro crianças na fila de adoção têm irmãos. 95 em cada 100 pessoas querem adotar crianças com no máximo cinco anos (28,5 de 30 mil), mas só 450 das 5.500 disponíveis para adoção têm essa idade.
Isso sem contar que mais de 1.200 crianças têm alguma doença, o que geralmente faz com que ela seja rejeitada.
E ainda existem candidatos que só aceitam meninas ou só aceitam crianças brancas. Em cada três pretendentes a pais, um tem essa preferência.
“O que os pais temem? Que as crianças tragam um monte de problemas psicológicos que eles não consigam resolver. Mas tem o suporte social, psicologia e assistência social.”
A notícia boa é que a quantidade de pessoas que se importam com a cor ou o sexo da criança vem diminuindo nos últimos anos. Também vem aumentando a aceitação por crianças mais velhas. Isso mostra uma mudança cultural, segundo Paulo Santos, vice-presidente da Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção, mas é preciso que os pais diminuam ainda mais as exigências.
“A adoção é muito rápida quando se busca a criança que está disponível para adoção. Talvez essa seja a grande verdade que precisa ser divulgada.”
Deusdedit Rosa Filho, de Brasília, é um bom exemplo disso. Não teve que esperar em nenhuma das cinco adoções que fez, nem por uma bebê.
“A Erica estava com meses, muito doente, muito feia; já tinha sido rejeitada por outras famílias. Eu olhei para a minha esposa, ela me olhou e decidimos encarar. A gente tinha uma sensação que ela não chegaria a um ano de vida por causa de tanta doença. Entrava em crise de abstinência e outras coisinhas mais. Mas por incrível que pareça, quando ela completou exato um ano, acabou tudo, tudo, tudo. Hoje é linda, maravilhosa. Hoje você olhando não diz que ela passou por tudo isso.”
No total, Deusdedit teve oito filhos com a ex-mulher: três biológicos e cinco adotados.
“A gente queria filhos, a gente tinha amor para dar, encarar tudo e todos, que aparecesse. Eu tenho todos esses filhos, eu me sinto bem, me sinto pai. A gente não tinha grana para dar e vender, tinha um carro só, alguns lugares dava duas viagens, não viajava para casa de parentes, como é que chegava lá com 10 pessoas? a gente tinha dificuldades, lógico, mas a gente tinha uma vida boa.”
Hoje, os filhos mais novos estão com 19 anos. E Deusdedit já tem dois netos.
No próximo capítulo: como é feita a adoção internacional, considerada o último recurso do processo
Agência de Notícias do Acre / Flickr
Busca pelo "filho ideal" dificulta adoção de crianas que esperam na fila
Marcello Casal/Arquivo/Agência Brasil
Falta de condições e de apoio leva mães a entregarem filhos para adoção
Da Rádio Câmara, de Brasília, Ginny Morais
http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/REPORTAGEM-ESPECIAL/465423-BUSCA-POR-PERFIL-ESPECIFICO-MANTEM-LONGA-A-FILA-DE-ESPERA-NOS-ABRIGOS-BLOCO-2.html

Nenhum comentário: