sexta-feira, 6 de março de 2015

Primeira adoção demorou seis anos

Toni Reis e David Harrad contam sobre a luta de 25 anos

Símbolo da união homoafetiva no Brasil, militantes do movimento LGBT comemoram em família - Bodas de  Prata.


David (esquerda da foto) e Toni, com o filho adotado e os outros dois que atualmente estão no período de convivência e guarda provisória (foto: Franklin de Freitas)




Símbolos da luta pelos direitos homoafetivos no Paraná e no Brasil, o casal Toni Reis e David Harrad vão completar 25 anos de união no próximo dia 29 de março. Pelas redes sociais, eles já fazem o convite para festejar a data marcante, e em família, já que os dois são pais adotivos de dois meninos e uma menina. Apesar da comemoração, eles relembram o quanto difícil foi chegar até este momento.
A história do casal começou a ser escrita em março de 1990, na Inglaterra. Toni havia acabado de se formar em Letras pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Vítima de preconceito e discriminação durante a faculdade por conta de sua sexualidade, o paranaense, natural de Coronel Vivida, resolveu conhecer outros lugares após terminar o curso.
“Eu cheguei à conclusão que o preconceito e a discriminação em relação à homossexualidade era uma questão cultural, e então resolvi conhecer outras culturas. Fiz um plano para morar dois anos na Europa, passando seis meses em quatro países: Espanha, Itália, Inglaterra e França”, conta o fundador do Grupo Dignidade.
Um ano após começar a viagem, o paranaense desembarcou na Inglaterra, mais precisamente em Londres. Certa noite quando ia para casa, desceu do metrô na estação de Highgate, na região norte da cidade. Um homem que havia descido no mesmo local chamou sua atenção. Era David Harrad, um inglês nascido na pequena cidade de Bollington.


“Eu o seguia, ele percebeu e parou para conversar. Eu lembro que disse que era italiano, pois achava que existia muito preconceito a respeito dos brasileiros e não queria estragar aquele momento. Conversamos, embora com dificuldades — eu quase não falava inglês e ele não falava italiano, apenas francês. Fomos andando a pé até minha casa e marcamos um encontro para dali uma semana. Nos encontramos novamente e então começamos a namorar”, recorda.
Não demorou para que o namoro virasse casamento. Ainda em Londres, David chegou um dia na casa do Toni e anunciou que ali estava para ficar. Foram jantar em um restaurante brasileiro com amigos, onde trocaram alianças.
Em novembro de 1991, o casal deixou Londres para morar no Brasil. Em Curitiba, fundaram o Grupo Dignidade, em 1992. Ao mesmo tempo em que lutavam pelo direito dos homossexuais, também iniciavam a guerra para ficarem juntos. “O David veio ao Brasil como turista. Quando o primeiro visto estava por vencer, procuramos a Polícia Federal (PF) para saber como fazer para o David poder ficar no Brasil. As opções para conseguir um visto permanente eram três: investir US$ 300 mil em um empreendimento comercial, ter um filho com uma brasileira ou casar com uma brasileira. Não eram opções viáveis”, conta Toni.
O inglês ainda conseguiu renovar o visto de turista uma vez. Depois viajou de novo para a Inglaterra e voltou, novamente como turista. “Depois de um tempo, ficou irregular. Não havia outro jeito”, diz Toni. Em 1996, dois agentes da PF bateram na porta do casal. “Houve uma denúncia sobre a estada irregular do David no Brasil. Ele foi autuado e teve o prazo de oito dias para sair do país. Sentimos que estávamos sendo discriminados. Se fosse um casal de homem e mulher, sendo um deles estrangeiro, teriam direito de pedir o visto de permanência.”


Para permanecerem juntos, o casal teve de lutar (e muito). O caso acabou ganhando destaque e até mesmo o programa dominical Fantástico fez uma matéria sobre a situação. Para ajudar o filho, a mãe de Toni, que ainda morava no interior do Paraná, ofereceu-se para se casar com David. A notícia, então, ganhou repercussão internacional e mexeu com o governo brasileiro.
“Vários deputados federais, inclusive a Marta Suplicy, articularam com o governo uma solução para o David poder ficar, pelo menos com visto temporário. Ele prestaria consultoria na área que já vinha trabalhando voluntariamente no Grupo Dignidade, na questão da prevenção da AIDS com gays.”
O drama, porém, demorou para chegar ao fim. A cada dois anos, David enfrentava o sufoco na hora de renovar o visto temporário. Em 2002, já não tinha mais como renovar. O casal, então, fez uma denúncia ao Conselho Nacional de Combate à Discriminação. O resultado foi uma nova resolução do Conselho Nacional de Imigração permitindo a concessão de visto permanente a companheiro (a) estrangeiro (a), independente do sexo. Em 2005, quase 14 anos depois de vir morar no Brasil, David finalmente recebeu seu visto de permanência.

http://www.bemparana.com.br/noticia/373999/toni-reis-e-david-harrad-contam-sobre-a-luta-de-25-anos

Primeira adoção demorou seis anos

Se uma luta chegava ao fim, outra começava a ser travada. “Por volta do ano 2000, quando já estávamos juntos há 10 anos, começamos a conversar sobre a possibilidade de adoção de filhos. Não foi uma decisão apressada, levamos em torno de quatro anos até decidir que gostaríamos de adotar. Conversamos, inclusive, com a mãe do Toni várias vezes sobre isso antes do falecimento dela, em 2003. Em agosto de 2005, após a emissão do meu visto de permanência, demos entrada com um pedido de adoção conjunta. Pelo que sabemos, fomos o primeiro casal gay a solicitar adoção conjunta na nossa Vara da Infância e Juventude”, relata David.
Como não haviam precedentes, o juiz e sua equipe demoraram quase três anos para dar um parecer sobre o pedido. E a decisão era de que o casal poderia adotar somente meninas e que tiessem mais de 10 anos de idade. “Recorremos da decisão por acharmos discriminatória. Em 2009, o Tribunal de Justiça do Paraná entendeu unanimemente que não deveria haver qualquer restrição. Em maio de 2011, seis anos após entrarmos com o pedido de adoção, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, de forma unânime, que a união estável homoafetiva se equipara com a união estável heterossexual. Assim, pudemos adotar nosso primeiro filho.”
No mesmo ano, graças à decisão do STF, o casal conseguiu formalizar a união no cartório, tornando-se o primeiro casal no Paraná e o segundo no Brasil a formalizar a união. Desde então, a família só cresceu. Além de Alysson, de 14 anos, o casal está no período de convivência e com a guarda provisória de mais duas crianças: Jéssica, de 11 anos, e Felipe, 9. “A relação familiar vai bem. Assim como qualquer outra família com vários filhos, tem momentos de desentendimento, mas o diálogo e o consenso são bons remediadores”, finalizam os dois.

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