quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Depois de 5 anos, 2017 chega como fim da luta por uma filha e o começo de outra (Reprodução)

01/01/2017

Uma história de novela, que quase levou a protagonista para a prisão. Nossa personagem de 2017 é uma mulher que lutou durante cinco anos para ser mãe. Depois de escolher o caminho da adoção ilegal, bateu o pé até ver seu nome na certidão de nascimento da filha.

Não podemos identificar nem mãe e nem filha, mas se pudéssemos, usaríamos uma bela fotografia para dar olhinhos ao sorriso da menina de 5 anos. Espuleta e tagarela, ela sabe que a casa é sua e quer mostrar desde os passarinhos no quintal, até o quarto e os cachorros nos fundos.

Na sala de casa, um quadro na parede revela para quem chega que a menininha é bailarina. E é no sofá que ouvimos o desabafo de uma mãe, que vê um ano de oportunidades para viver a plena maternidade sem medo de que alguém lhe tire o que hoje a justiça já reconhece por direito.

"Eu sempre quis adotar, sempre, desde criança. Minha mãe trabalhava no fórum e uma vez deixaram uma criança lá em casa, porque não tinha abrigo", recorda a lembrança da infância. Hoje ela é técnica agropecuária e tem 38 anos.

Ao vir para Campo Grande, se casou e tentou engravidar. Não conseguiu e decidiu junto do marido ingressar na justiça, com o pedido de adoção. Só que o casamento 'desandou' e ela esperou para adotar quando chegasse a hora.

"Me separei, mudei de casa e agora que baixou a poeira, eu falei: vou adotar sozinha. Financiei essa casa, pintei todo o quarto de rosa, escolhi o nome", narra a mãe.

Nas palavras dela, a gente começa a entender um pouco da adoção paralela a qual a justiça luta contra. "Quando você pensa em adotar, começa a aparecer. Apareceu uma mulher que queria dar a criança, só que quando nasceu, ela desistiu. Depois apareceu outra lá em Fátima do Sul, também desistiu...", conta.

Um tempo depois, no frigorífico onde a mãe trabalha, uma nova história chegou. De uma recém-nascida, de 27 dias, que a mãe era dependente química e queria dar a criança. A avó da menina não podia acolher as duas e foi quem intermediou o processo. 

"Eu já tinha tudo montado e quando ela me procurou, não pensei duas vezes. Fui até a casa desta senhora num domingo, ela não estava. Mas a menina era cuidada por outra de 11 anos, estava toda enrolada em cobertores e tomava leite de saquinho". A cena vem à cabeça como se tivesse acontecendo agora, diante dos olhos dela. 

O coração já era o de mãe. Ela se comoveu e acompanhou de perto até a avó voltar para casa, dias depois. Ao tentar pegar a criança de novo, nossa personagem soube que a mãe tinha levado a filha embora quando ninguém quis dar dinheiro para ela bancar o vício.

"Cheguei até onde ela estava morando, era uma vilinha de dependentes químicos. Aí me contaram que ela estava fazendo programa com um cara que tentou matá-la e ao fugir, ela jogou a criança. Entregaram para um morador que levou até a boca de fumo e entregou o bebê a troco da dívida da mãe", recorda desesperada.

A técnica em agropecuária não pensou duas vezes e bateu na boca de fumo. Ninguém queria levá-la até lá. A menininha só amanheceu, acredita a mãe adotiva, porque um cachorro dormiu junto dela e a vizinhança dos arredores da boca, viu a cena. No local, a avó da criança entregou a neta como se fosse um objeto "tó", narra.

"Ela não tinha 40cm, não pesava nem 1,9kg", recorda das medidas. O estado da criança era de chorar. O umbigo que ainda não tinha caído estava infeccionado, as roupinhas sujas e a fralda sem trocar. 
No dia seguinte, ela e a avó da criança levaram o bebê até o Hospital Regional, onde ela tinha nascido, para tomar as vacinas. No local, enquanto a mulher conversa com os médicos, a avó contou todo enredo para a assistente social, que acionou o Conselho Tutelar.

"Eu já cheguei lá chorando. Me perguntavam o que você é dela? Você comprou essa criança? Eu dizia que só queria ajudar. Meu mundo caiu", conta. "Se tirassem ela de mim, quem morria era eu", lembra. 

Na hora, foi uma tia que aceitou dizer ao Conselho Tutelar que ficaria com a criança. De volta à casa, em três dias a mãe biológica bateu à porta, espancada e sangrando. "Eu a acolhi e perguntei se ela queria a filha de volta, que eu dava tudo do enxoval. Mas ela disse não, se eu pegar, eu mato".

Nos três primeiros meses, a menininha ia e vinha do hospital por cólicas, crises de abstinência e sequelas da prematuridade. Teve refluxo, anemia, pneumonia até chegar a uma convulsão. "Aí ela entrou em choque no CTI. Quiseram me tirar de lá e aquele dia eu peguei na mãozinha dela e disse que nunca mais ia soltar. O médico falou: você não é a mãe. E eu retruquei: e quem é a mãe dela então? Quem cuida dela?"

Depois de seis meses do nascimento, a técnica ganhou a guarda provisória. Teve de entrar com advogado e conseguir formalizar o consentimento da família. "Eu podia ser presa. Eles podiam me prender, tenho consciência do que eu fiz, burlei a lei. Mas não acho que fiz errado, qual é o ser humano que chega perto de uma história dessa, tem sangue frio e pensa: vou chamar a polícia? Eu só queria aquela criança para mim", desabafa.

Por dentro, a mãe dizia para si mesma que brigaria em segunda, terceira, quarta, quinta instância se fosse o caso. "Não abro mão dela", dizia a quem se atrevesse a questionar. Passados quatro anos, a mãe biológica bateu à porta novamente. A justiça havia mandado os documentos para que a guarda ficasse em definitivo para a técnica agropecuária. 

"Ela falou: eu não quero a menina, mas do meu nome você não tira e tentou negociar comigo", conta. Diante da negativa da mulher, a mãe biológica disse que não assinaria e pegaria a filha de volta. "Foi um sofrimento para mim. Este é o preço da adoção ilegal e eu sabia que poderia correr esse risco", admite. 

Ano retrasado, as duas se encontraram no corredor da Vara da Infância e Juventude, no Fórum da Capital. A mãe biológica não olhou para a menina e chegou com três outros filhos mais novos. "Foi a meia hora que eu não desejo para ninguém. Até então ela falava que ia pedir ela de volta. Quando eu entrei, disseram: a mãe biológica abriu mão. Pode ir embora mãe e em janeiro saiu a nova certidão dela". 

No papel, a menina é filha desde 2016. No coração, desde 2011, quando as duas se encontraram pela primeira vez. "Quando chegou a certidão de nascimento no meu nome, ela até estabilizou a saúde. O que eu quero para 2017? Adotar outra criança, já fiz o curso e vou dar entrada agora. Ela quer um irmãozinho", encerra a mãe.

No meio de todo este enredo, a menininha explica, em gestos, o que é ser filha adotiva. "Do coração". 



Reproduzido por: Lucas H.





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