quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Pais e filhos na era do DNA

Pais e filhos na era do DNA
Como o teste de paternidade mudou a vida de quem
descobriu não ser o pai biológico de seus filhos
Tanto Eduardo quanto Marcos têm seus direitos respaldados pela lei. De acordo com o novo Código Civil, artigo 1.593, a paternidade sócio-afetiva é mais reconhecida que a paternidade biológica, segundo a advogada Priscila Corrêa da Fonseca. Ela acrescenta: "A filiação hoje se desligou da origem biológica, e se assenta mais no afeto, que se deve sobrepor à origem biológica. Filho é quem você cria".
Para a advogada gaúcha Marilene Guimarães, "é crueldade a mãe esquecer os vínculos afetivos com o pai que ela apresentou ao filho como sendo seu. A mãe que age dessa forma não se dá conta, em sua atitude egoísta, do mal que faz a seu filho. Pactuar com isso é causar maus-tratos à criança.

O Poder Judiciário, como um pai maior, com certeza saberá manter a visitação do pai sócio-afetivo dentro dos mesmos critérios que asseguram as visitas aos pais biológicos". Nos dois casos, de Marcos Campos e Eduardo Zaide, ambas as advogadas acreditam que eles tenham sido desrespeitados em sua "dignidade humana". A legislação hoje chega, em alguns casos, a dar ao pai afetivo o direito de impedir que o nome do pai biológico conste na certidão.
O Rio Grande do Sul é o Estado brasileiro que avançou mais nessa questão. Tribunais gaúchos já criaram jurisprudência, ao determinar que um registro do nascimento deve atentar mais para a verdade afetiva do que para a verdade biológica. Todo indivíduo tem o direito de saber de onde veio, até mesmo por motivos médicos, de doenças genéticas. Mas o homem que acompanhou a gestação, que assistiu ao parto, que cortou o cordão umbilical, que deu os primeiros cuidados e que é reconhecido pela criança e pela sociedade como pai teria, segundo o parecer de vários juízes e advogados, primazia sobre o que apenas cedeu o esperma sem sequer desejar ou planejar a paternidade. Esse "privilégio" fica bem claro em famílias que adotam uma criança. Caso, depois de dois anos, os pais biológicos queiram a criança de volta, dificilmente a terão, porque se subentende que os pais de fato e de direito são os que escolheram e cuidaram desse bebê como pais nos primeiros anos de sua vida.

Dois casos recentes ocorridos fora do circuito das celebridades ilustram isso. O paulista M.G. namorou uma moça, terminou e reatou. Ela descobriu que estava grávida havia um mês de outra pessoa e contou para M.G. Ele assumiu tudo, casou com ela, e, quando o filho nasceu, o casal o registrou como filho de M.G. Três anos depois, o casamento acabou. A mulher quis ver-se livre dele como pai da criança, e chegou até a procurar o pai biológico. "Mas eu já tinha a certeza afetiva de que era pai dele. Não poderia ficar sem meu filho. Entrei com ação de regularização de visitas. Hoje, ele tem 7 anos, e toda terça pernoita comigo, passa férias de janeiro e julho, fins de semana alternados, feriados alternados. Eu não sou um pai descartável."

Outro caso é de A.L., que trabalha com expressão corporal. Era casada, separou-se, teve um namoro rápido do qual engravidou. Mas o amor mais forte era pelo ex-marido. Eles reataram, os três adultos envolvidos conheciam a situação. A criança nasceu, foi registrada pelo pai biológico, mas quem acompanhou a gestação, o parto, cortou o cordão umbilical e dividiu tudo com a mãe foi o pai afetivo. A.L. e o marido se separaram anos depois. Hoje, a menina tem 6 anos, e se sente diferente das amigas porque tem dois pais: um adora esquiar, o outro é artista. Os dois a visitam, saem com ela. "No início, cheguei a procurar uma terapeuta familiar", disse A.L., "porque queria saber o que era melhor para minha filha; se fosse melhor afastá-la do padrasto, eu teria feito isso, por mais doloroso que fosse. Mas a terapeuta foi muito clara: não a afaste do pai afetivo, isso seria um desrespeito com a vida emocional da sua filha".

Outros personagens importantes nessas histórias são o obstetra e o pediatra que acompanham o parto. Por vezes, quando se sabe o tipo sanguíneo dos pais e da criança, fica claro que existe algo errado. Qual é a obrigacão ética do obstetra hoje, numa época em que ele deixou de ser simplesmente médico da mulher e passou a ser do casal, já que o pai costuma acompanhar as consultas e praticamente engravida junto com a mulher? "Esta é uma questão muito complicada", diz Ricardo Sertã, médico especialista em reprodução. E acrescenta: "Não se pode dar uma notícia dessas e dissolver um matrimônio. Normalmente, o obstetra nem fica sabendo o sexo do bebê. Mas, se souber por um motivo médico qualquer, e o tipo não bater com o sangue do pai, o médico tem obrigação de chamar a mãe e comunicar. Por respeito ao sigilo médico, ele deverá omitir o dado do pai. Mas, caso o pai pergunte diretamente se há certeza de que o filho é dele, aí o médico, para ser ético, terá de responder a verdade. Eu não conseguiria mentir".

Com Ricardo Sertã aconteceu um caso inacreditável, envolvendo inseminação artificial. A paciente levou à clínica uma amostra de sêmen que, nove meses depois, na hora do nascimento, ficou comprovada não ser a do marido. Apavorado, o médico reexaminou toda a papelada do processo e viu que a mulher tinha assinado um termo na clínica garantindo que o esperma seria do marido. Era uma informação falsa, estava provado. Sertã foi ao quarto da paciente, fechou as portas, e perguntou se ela tinha algo a contar para ele, e a mulher confirmou que tinha levado uma amostra do amante, e não do marido. Ele jamais soube da manipulação de sua mulher. Serão felizes para sempre?

Ruth de Aquino - Revista Época
http://www.filhosadotivosdobrasil.com.br/artigos.htm#02

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