segunda-feira, 21 de novembro de 2011

RECURSO ESPECIAL Nº 1.177.636 - RJ (2010/0017190-9)

Inteiro teor do acórdão proferido no julgamento do Recurso Especial nº 1177636 interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, o qual foi provido por maioria de votos, entendendo os Ministros do STJ que é incabível a atuação da Defensoria Pública como curador especial de crianças e adolescentes, nas hipóteses em que estes não forem partes.

Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.177.636 - RJ (2010/0017190-9)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
RECORRIDO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO
ADVOGADO : FABRÍCIO EL JAICK RAPOZO - DEFENSOR PÚBLICO
INTERES. : B D DE S C F
INTERES. : V A DA S F
VOTO-VISTA (VENCEDOR)
O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI:
1.- Trata-se de definir se, em processo ajuizado pelo Conselho Tutelar contra genitores de menores sob a alegação de abuso sexual, deve atuar, além do Ministério Público, na qualidade de “custos legis”, também a Defensoria Pública, obrigatoriamente, com fundamento no art. 9º, I, do Cód. de Proc. Civil, e art. 148, § ún., letra “f”, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
2.- Peço licença para divergir do entendimento da E. Relatora, pese, embora, o imenso respeito que ora reitero, e reafirmada a maior consideração pela importantíssima instituição da Defensoria Pública.
3.- Nenhum dos artigos de lei invocados estabelece a obrigatoriedade de intervenção geral da Defensoria nos processos em que incapazes, não sejam partes, ainda que haja alegações de fatos graves contra seus genitores, reservada, evidentemente, a possibilidade da tomada de medidas processuais pela Defensoria.
4.- Estão envolvidos na questão os artigos de lei que dispõem da forma seguinte:
CPC, Art. 9º, I:
“Art. 9º. O juiz dará curador especial:
“I – ao incapaz, se não tiver representante legal, ou se os interesses deste colidirem com os daquele”.
ECA, Art. 148, § ún, letra “f”, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069, de 13.7.1990), por sua vez, dispõe que “Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para:
(...)
“Parágrafo único. Quando se tratar de criança ou adolescente nas hipóteses do art. 98, é também competente a Justiça da Infância e da Juventude para o fim de:
(...)
“f) designar curador especial em casos de apresentação de queixa ou representação, ou de outros procedimentos judiciais ou extrajudiciais em que haja interesse de criança ou adolescente”
ECA, art. 98, referido no artigo anterior:
“Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta lei forem ameaçados ou violados:
“I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
“II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
“III – em razão de sua conduta”.
4.- A intervenção obrigatória da Defensoria não resulta de nenhum dos citados dispositivos legais (art. 9º, I, do Cód. de Proc. Civil, e art. 148, § ún., letra “f”, do Estatuto da Criança e do Adolescente).
a) Art. 9º, I, do Cód. de Proc. Civil.- Esse dispositivo insere-se no Capítulo I do Título II do Cód. de Proc. Civil, isto é, dirige-se especificamente à capacidade processual das partes e dos procuradores, de modo que forçosa a conclusão de que só se dará, obrigatoriamente, Curador Especial, ao incapaz que detiver a condição de parte, não a todo e qualquer menor que se encontre envolvido no processo sem ser parte, ainda que se aleguem fatos graves a colocá-lo em risco.
A Curadoria Especial exerce-se apenas em prol da parte, visando a suprir-lhe a incapacidade na manifestação de vontade em Juízo. Não é exercida para a proteção de quem se coloque na posição de destinatário da decisão judicial.

Para essa proteção do destinatário da decisão judicial atua, em primeiro lugar, a própria função jurisdicional, por intermédio do Juiz e, em segundo, no caso, o Ministério Público, como representante da sociedade, à qual interessa que crianças e incapazes sejam o mais possível preservados contra as ações lesivas das partes, alertando o Juízo e requerendo e promovendo diligências que os resguardem, não se podendo presumir que sobre essas figuras institucionais paire, superior, a relevante função da Defensoria, como se sem ela o órgão julgador e o representante do Ministério Público fossem incapazes de zelar por crianças e adolescentes.
b) Art. 148, § ún., letra “f”, do Estatuto da Criança e do Adolescente.- Esse dispositivo legal, combinado com o art. 4º, XVI, da Lei Complementar 80, de 12.1.1994, que prescreve normas para a organização das Defensorias Públicas nos Estados e em boa hora garante à Defensoria Pública a
legitimidade para atuar como “curador especial em casos de apresentação de queixa ou representação, ou de outros procedimentos judiciais ou extrajudiciais em que haja interesse de criança ou adolescente”, não leva à necessidade de intervenção obrigatória da Defensoria nos processos em que crianças ou adolescentes não sejam partes, mas pessoas destinatárias da proteção legal.
Essa proteção, relembre-se, dá-se, em primeiro lugar, por intermédio da atuação dos genitores ou representantes legais, dos Conselhos Tutelares, que possuem legitimidade para promover medidas administrativas ou judiciais em prol de crianças e adolescentes e, ainda, por intermédio da vigilância de “custos legis” do Ministério Público na aplicação da Lei.
Suficiente a rede protetiva dos interesses da criança e do adolescente em Juízo, não há razão para que se acrescente a obrigatória atuação da Defensoria Pública, atuação que, por mais elevados que notoriamente sejam os propósitos da Instituição, viria apenas a complexizar o desenvolvimento do processo, com o acréscimo de mais uma intervenção, e, ainda, de titular de vários privilégios processuais – como já se frisou, quanto a intimações pessoais, por forma ainda não A informação disponível não será considerada para fins de contagem de prazos
Recursais estabilizada em cada unidade, prazos privilegiados e desoneração em diligências, tudo a somar-se a esses mesmos privilégios processuais assegurados ao Ministério Público.
5.- Não se nega, evidentemente, a possibilidade de a Defensoria Pública (à notícia, por qualquer forma, inclusive comunicação do Juízo, do Ministério Público, do Conselho Tutelar ou, ainda, de conhecimento direto de ocorrência de situação que envolva a criança ou adolescente), vir a usar dos instrumentos processuais disponíveis para atuação, podendo promover ações e, mesmo, intervir como assistente de algumas das partes em casos específicos em que se legitime concretamente a atuação.
O que a Lei não autoriza é a proclamação de regra de intervenção obrigatória, sob a invocação do disposto nos arts. 9º, I, do Cód. de Proc. Civil, e 148, § ún, letra “f”, do Estatuto da Criança e do Adolescente, como foi julgado no caso.
6.- A matéria, pelo potencial catastrófico ao andamento de várias espécies de processos em que se envolvam crianças e adolescentes, é extremamente relevante, pois, se proclamada a tese de obrigatoriedade de intervenção da Defensoria toda vez em que haja alegação de ameaça ou violação de algum direito de criança ou adolescente, haverá necessidade de aludida intervenção, pena de nulidade, em qualquer espécie de processo.
Daí se segue que se imporá a obrigatória atuação da Defensoria não só em caso em que ambos os genitores são acusados de abuso, mas também em processos como os atinentes a guarda, responsabilidade, adoção, visitas, alienação parental, separação, divórcio, inventários e partilhas, ações indenizatórias, enfim, todas as ações em que se entreveja alguma consequência de moléstia, direta ou indireta que seja, a alguma criança ou adolescente.
As consequências para o andamento desses processos certamente virão contra os interesses das próprias crianças ou adolescentes, pois, como já antes se disse, gozando a Defensoria de privilégios processuais específicos da função, como o direito à intimação pessoal, prazo privilegiado, gratuidade de custeio de providências A informação disponível não será considerada para fins de contagem de prazos recursais requeridas e outros, certamente daí resultarão ônus suplementares à atividade dos demais participantes do processo – as partes, o Ministério Público, o Juízo, testemunhas e auxiliares da Justiça.
Relembre-se, mais uma vez, que já atuando o Ministério Público, com prerrogativas idênticas, certamente se somarão tempos enormes, os necessários à atuação da Defensoria, à caminhada processual, decorrentes da aparentemente singela inserção, neles, da atuação obrigatória da Defensoria Pública.
Ademais, proclamada a obrigatoriedade de integração, certamente emergirão alegações de nulidades de casos passados, alegações essas hibernadas por longo tempo, que serão vitalizadas diante do esgotamento de outros argumentos, daí se antevendo a imposição de duração de processos apenas limitada ao atingimento da maioridade de crianças e adolescentes envolvidos.
7.- Pelo exposto, rogando, mais uma vez, a maxima venia à E. Ministra Relatora, bem como reafirmando o maior respeito pela relevante atuação institucional da Defensoria Pública, pelo meu voto dá-se provimento ao Recurso Especial, anulando-se a decisão que determinou a intervenção da Defensoria Pública, com a observação de que, entendendo necessário, o Juízo, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, determinará a extração de peças e envio à Defensoria Pública, para, na modalidade de atuação processual que entender apropriada, tomar as providências, cíveis ou criminais, que veja adequadas à proteção dos menores.
Ministro SIDNEI BENETI

Nenhum comentário: