quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

FILHOS DE ADOÇÃO - Alessandra Rosa Carrijo, 29 anos, enfermeira

Por Liliane Oraggio Cocchiaro e Carla Leirner



''Se eu não tivesse sido adotada, não teria as oportunidades que tive''

''Não sei quase nada do que aconteceu comigo antes dos dois anos de idade. Só sei que nasci em Florianópolis, em 1975. Até ser adotada, fiquei com uma senhora humilde chamada Dulce*, que morava em São Paulo. Mas ninguém sabe dizer como fui parar na casa dela.

Meus pais adotivos eram vizinhos de Dulce. Sempre que minha mãe passava em frente à casa dela, me via no quintal, brincava comigo e, de vez em quando, passávamos horas juntas. Esses períodos foram se tornando cada vez maiores e o afeto cresceu entre nós.

Meus pais estavam casados há pouco tempo e não tinham tentado ter filhos ainda. Tanto que minha irmã só nasceu nove anos depois. Minha mãe conta que, desde a primeira vez que me viu, sentiu muita afinidade e o desejo de ficar comigo.

as Dulce não queria abrir mão da minha guarda. Depois de alguns meses, meus pais conseguiram convencê-la de que podiam ficar comigo. Tinham melhores condições financeiras, eram jovens e gostavam muito de mim. Ela cedeu, o processo judicial da adoção foi concluído com sucesso. Quando eu tinha 4 anos, meus pais saíram de São Paulo para morar em Mato Grosso.

''Perdoei a rejeição quando compreendi que minha mãe biológica queria para mim um destino melhor do que o dela''
Nunca ninguém anunciou que eu era adotada. Desde pequena, me lembro da minha mãe falando para eu rezar para 'o papai e a mamãe que estavam no céu'. Foi a maneira que ela encontrou para dizer que eu tinha uma outra família. O fato de meus pais adotivos contarem a verdade desde o comecinho foi muito importante. Imagino que seria um susto enorme saber da adoção quando fosse mais velha. Outra coisa que ajudou muito a viver essa situação com naturalidade foi o fato de sermos parecidos fisicamente. Ninguém diz que não sou filha legítima. Sou muito parecida com minha irmã e com meus avós.

Todos esses pontos a favor e todo acolhimento que recebi não evitaram incômodos, principalmente na adolescência. Tinha no pensamento uma pergunta fixa: por pior que pudesse ser a situação financeira de minha mãe, como ela teve coragem de me deixar? Me sentia muito rejeitada, tinha vergonha de falar que era adotada e, apesar de nunca ter sofrido preconceito, cresci mantendo esse assunto em segredo.

Aos 17 anos, saí do Mato Grosso para fazer faculdade de enfermagem no Paraná. No meu curso, trabalhei em locais muitos pobres e encontrei mulheres que tiveram meia dúzia de filhos e não tinham a menor condição de criá-los. Isso me fez entender, e perdoar, minha mãe biológica. Compreendi que ela não quis ficar comigo porque queria que eu tivesse uma vida melhor e a chance de ter um destino diferente do dela. Aos poucos, as mágoas do passado se dissiparam. Hoje, vejo a adoção como um ato de amor e não de rejeição, e falo do assunto abertamente. Em 2000, voltei para São Paulo para fazer pós-graduação. Estou muito tranqüila, sou independente, tenho namorado. No futuro, penso em casar, ter filhos e em adotar.

Tenho sentido vontade de recuperar cada pedaço do meu passado. O que aconteceu comigo até os 2 anos? Como vim parar em São Paulo? Será que minha mãe biológica está viva? Ainda não dei o primeiro passo em busca dessas respostas porque quero amadurecer essa idéia antes de começar. Essa procura não significa que não ame meus pais. Ao contrário, devo tudo a eles e tenho certeza de que estarão junto comigo nessa procura. Acho que todo filho adotivo tem necessidade, e direito, de saber mais sobre suas origens e sua história. Isso dá mais segurança para seguir em frente.''

FOTO: ROGÉRIO CAVALCANTI/REALIZAÇÃO E PRODUÇÃO VALÉRIA MASSI CABELO E MAQUIAGEM: KIKO DE LIMA/AGRADECIMENTOS: TORO RESTAURANTE
*OS NOMES FORAM TROCADOS PARA PROTEGER A PRIVACIDADE DAS PESSOAS CITADAS PELOS ENTREVISTADOS

Fonte: http://revistamarieclaire.globo.com/Marieclaire/0,6993,EML952933-1740-5,00.html

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