Um coração sem tamanho
Abigail do Rosário, a “grande mãe de Santa Catarina”, já tinha três filhos quando decidiu receber em sua família outras crianças que ninguém queria
HUMBERTO MAIA JUNIOR, JOINVILLE (SC)
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PORTAS ABERTAS
Abigail, na escada do ônibus que leva parte de seus 57 filhos – 54 deles adotivos. Ela não pensava em adotar até ver uma criança abandonada. “Não consegui ficar em paz”, afirma (Foto: Eduardo Zappia/ÉPOCA)
Abigail do Rosário, de 55 anos, é mãe de 57 filhos. Sim, 57. Ela e o marido, Carlos do Rosário, dizem que nunca imaginaram chegar a uma família tão grande. Apenas, sem coragem de dizer não, aceitaram pouco a pouco novos integrantes depois que seus três filhos biológicos já estavam crescidos. Assim vieram Sofia, Temize, Cidinha, Max, Jeremias, Rebeca, Josias e tantos outros nomes que fazem parte do grupo de 54 filhos adotados pelo casal. Somente a carroceria do caminhão de Carlos tem espaço para receber aqueles adesivos, tão na moda, que representam a família do motorista. “Quando os policiais me param na estrada, sempre me perguntam se é verdade que tenho tantos filhos”, diz Rosário, de 56 anos.
Muitos dos filhos adotivos são portadores da síndrome de Down ou de doenças, como encefalite e hidroencefalia. Outros são filhos de pais com problemas mentais ou dependentes de drogas. “Aceito os reprovados no ‘controle de qualidade’”, diz Abigail, sem medo de ser acusada de politicamente incorreta. “Ela é a grande mãe de Santa Catarina”, afirma Nádia Regina Machado, assistente social em Joinville, Santa Catarina, que intermediou várias adoções do casal.
Os processos para a chegada dos novos filhos começaram em 1986. Natural de Joinville, Abigail morava em Campinas, São Paulo, e planejava terminar o segundo grau, enquanto o marido concluiria a faculdade de teologia. De férias em Joinville, ela visitou uma amiga que adotara Marina, de 6 anos, e pretendia devolvê-la ao orfanato. “Não consegui ficar em paz até conversar com meu marido sobre a adoção. Ele me deu total apoio”, diz. Marina foi a primeira daqueles que Abigail chamou de “filhos do coração”. Quando voltou ao orfanato para entregar o relatório de adoção, ouviu uma menina de 8 anos, Suzana, chamá-la de “mãe”. Acabou levando a garota para casa. Na terceira visita ao orfanato, meses depois, adotou as irmãs biológicas Marciane e Marilene. Abigail e Carlos ganharam fama, e juízes de varas da infância e assistentes sociais passaram a procurá-los quando lida-vam com casos complexos de adoção.
Atualmente, 38 filhos vivem com eles. Três crianças, portadoras de Down, morreram. Outros, crescidos, saíram de casa para formar suas próprias famílias. É o caso de Joana, de 30 anos, que tem três filhos biológicos e, há seis anos, repetiu o gesto da mãe ao adotar uma criança.
Tudo é superlativo na casa de Abigail. Em vez de geladeira, há um frigorífico, e as refeições são servidas em duas mesas, com 40 cadeiras. Às 6h30, ela entra nos oito quartos e acorda as crianças. Em 15 minutos, é servido o café da manhã – são 100 pãezinhos e 13 litros de leite. Há tanta louça para lavar que a ajudante, Andresa Martins, leva mais de duas horas para concluir a tarefa. O almo-ço é servido ao meio-dia: 3 quilos de arroz, 1 de feijão e 4 de carne. Quem estuda de manhã chega para o almoço, e quem estuda à tarde se apressa para ir embora após a refeição. Às 17h30, as duas turmas se encontram. Em qualquer lugar para onde se olhe há um grupo de jovens e crianças – uns assistem à TV e outros brincam no quintal. Os filhos com deficiência são vestidos e limpos pelos irmãos. A limpeza da casa é feita pelos filhos mais velhos, segundo uma tabela afixada na cozinha. O único desafio sem solução é separação das meias, que se perdem a cada lavagem. “Todo mês tenho de comprar mais”, diz Abigail. Às 22 horas, diariamente, é decretado o sucesso de uma missão quase impossível: todos estão na cama.
“Mãe Abigail” sabe de cor a data de nascimento e as características marcantes de seus 57 filhos. A queridinha hoje é Sofia, a caçu-la, que, na presença da reportagem de ÉPOCA, ficou enciumada. Chorou, abraçou a mãe e dormiu. Algumas horas depois, o cami-nhoneiro Carlos voltou para casa após dez dias viajando. Ele é a fonte formal de renda do casal. Mas foi a generosidade alheia que financiou a reforma da casa e o ônibus de 40 lugares que transporta a família. Apegado à fé em Deus, o casal pensa em adotar mais crianças. Abigail lembra que, diferentemente das biológicas, mães adotivas não têm limite de idade. “Não se faz laqueadura no coração.”
Fonte: http://revistaepoca.globo.com/vida/noticia/2011/12/um-coracao-sem-tamanho.html
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