quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

FILHOS DE ADOÇÃO - Cléia Maria Pires Nogueira, 41 anos, empresária

Por Liliane Oraggio Cocchiaro e Carla Leirner


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''Meus pais adotivos foram morar no interior e nunca mais vi minha mãe biológica''

''Vivi com minha mãe até os quatro anos. Ela veio de Minas Gerais para São Paulo com apenas 16 anos e arrumou emprego de doméstica. Durante o período em que trabalhava em uma casa de classe média, engravidou e eu nasci. Logo decidiu arrumar outro trabalho e a família que a empregava quis ficar comigo, pois achava que ela não teria condições de me criar. A casa era estruturada, minha nova mãe passava dos 50 anos e o caçula dos sete filhos já tinha 14 anos. Minha mãe deixou o emprego, mas até os 6 anos vinha me visitar toda semana. Tenho lembranças muito vagas desse tempo.

Um dia, de repente e sem me explicarem nada, meus pais adotivos decidiram mudar para o interior de São Paulo e não deixaram o novo endereço para minha mãe biológica. Ninguém mais falou do assunto e nunca mais a vi. Dois anos depois de mudar de cidade, voltamos para São Paulo e fomos morar em outra casa. Sem referências, minha mãe não tinha mais como me encontrar.

Desde muito cedo soube que era adotada. Quando aprendi a escrever, assinava Cléia Maria Pires (Nogueira Emprestado). Era uma referência à família que me acolheu. Aos 8 anos, fui adotada oficialmente, e tirei a palavra 'Emprestado' do sobrenome.

''Tive tudo do bom e do melhor, mas a falta de amor e as dúvidas sobre o meu passado me marcaram para sempre''
Mesmo sabendo da minha origem, essa questão nunca foi fácil para mim. Qualquer criança adotada, mesmo tratada com amor, carrega uma carga de rejeição, e isso é ainda mais forte quando entra numa família como a minha, onde o afeto era raro, inclusive entre eles. A única pessoa mais amorosa era meu pai. Na infância, ele me levava para passear. Tenho boas recordações dele e sofri muito quando morreu, há 15 anos. Mas mesmo ele era bastante retraído, as palavras e os momentos de carinho não aconteciam todo dia.

Reconheço que tive tudo do bom e do melhor em termos de educação, saúde e alimentação. Mas cresci sem beijo, colo e abraço. Isso acabou interferindo na minha vida amorosa. Fiz muitas escolhas erradas, porque sempre procurava nos namorados o pai que não tive, o carinho do qual fui privada. Bastava me fazer um cafuné que eu já ficava perdidamente apaixonada. Amadureci em relação a isso. Tenho namorado e ainda não penso em casar ou ter filhos.

Também pesou muito o preconceito que sofri dentro da família. Era tratada como a filha da empregada. Como meus irmãos já eram grandes quando fui adotada, eu tinha sobrinhos da mesma idade, com os quais eu não podia brincar porque minhas cunhadas não permitiam. Com as minhas irmãs era diferente, nos dávamos bem. Mas faziam questão de realçar nossas diferenças físicas com brincadeiras que eu considerava agressivas. Diziam que eu tinha bumbum e nariz de negro, zombavam do meu busto e do meu quadril grandes. Fiquei complexada, principalmente na adolescência. Ficava angustiada por ser adotada e por ser morena, diferente da família.

Hoje isso é mais ameno, mas me sinto constrangida em algumas situações, por não saber do meu passado. Um dos momentos mais embaraçosos é quando vou ao médico e não sei responder se tenho tendência a alguma doença hereditária ou casos de câncer e diabetes na família. Às vezes me pergunto: 'O que teria acontecido comigo se eu não tivesse sido adotada? Teria sobrevivido?'. Mas também me questiono se trocaria o conforto material por colo de mãe e pai. Essas são mais perguntas que continuam sem resposta.

Apesar de tudo que passei e de minha história ser marcada pela falta de amor, tenho certeza de que sou privilegiada, porque fui bem-criada, alimentada e educada. Comecei a trabalhar aos 16 anos como vendedora em uma loja, não fiz faculdade, mas montei uma pequena empresa de informática e vivo bem.''

Fonte: http://revistamarieclaire.globo.com/Marieclaire/0,6993,EML952933-1740-3,00.html

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