segunda-feira, 19 de outubro de 2015

TJMG LANÇA LIVRO CONTANDO HISTÓRIAS DE VIDA DE EX-INTERNOS DA FEBÉM (reprodução)

16/10/15
Rafaela Mansur
Relatos emocionantes
Livro "Conte Sua História: A vida de crianças e adolescentes institucionalizados em Minas Gerais", que serão distribuídos para desembargadores, juízes de direito e demais autoridades
Para quem escuta a história da auxiliar administrativa Luciana Márcia Fortunato, 44, pode parecer difícil entender como ela conseguiu superar todos os problemas e viver com o sorriso estampado no rosto hoje.
Ela passou mais de 10 anos na Fundação do Bem-Estar do Menor (Febem) e frequentou dois colégios internos antes de se desligar da institucionalização, que a acolheu quando a família não teve condições de fazer o mesmo, mas nunca reclamou da situação.
"A institucionalização foi muito importante, era o que tinha para mim e ainda bem que teve, eu fui salva", contou. A história de Luciana e de outras 22 pessoas que viveram alguma parte da vida em uma instituição de acolhimento foram contadas em um livro lançado nesta sexta-feira pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).
LIVRO RETRATA HISTÓRIAS DE CIDADES DE MG
A mãe de Luciana morreu quando ela tinha dois anos e deixou a menina com a madrinha, que cuidou dela o máximo que pôde. Com oito filhos e dificuldade para criar todos, ela levou a afilhada, então com 7 anos, para a Febem.
De lá, a menina passou por dois colégios internos, em Campanha, no Sul de Minas, e Uberaba, no Triângulo Mineiro, até que, ao passar o fim de semana na casa de uma madrinha na capital, com 13 anos, descobriu um tumor na coluna que a deixou deficiente.
Ela, então, voltou para a Febem, de onde saiu apenas aos 23. "O que eu lembro era a privação de algumas coisas. Você não é tratado como um indivíduo específico, você é um indivíduo no meio de outros. Em uma família de três filhos, os pais conseguem identificar as características de um e de outro, mas lá eram um ou dois funcionários para 60 meninos. Certas individualidades que todo mundo precisa ter a gente não tinha", relembrou.
Dentro da instituição, ela começou a trabalhar, fez concurso interno e há 25 anos é funcionária do Estado. Além disso, lá dentro ela começou a jogar basquete e chegou a participar das Paraolimpíadas de Atlanta, em 1996. "Minha vida foi essa, não tenho pai nem mãe, fui criada pelas instituições. Eu escolhi viver a vida como todo mundo e está tudo bem comigo", disse.
O destino feliz de Luciana nem sempre é repetido por crianças e adolescentes que, sem a oportunidade de permanecer com a família, passam por instituições de acolhimento. Entre as 23 histórias contadas no livro, três foram escritas de dentro do sistema prisional.
"Muitas vezes a gente acha que institucionalizar uma criança está resolvendo o problema, o que pode ser que aconteça naquele momento, mas inicia-se um processo de muito sofrimento e muita dor, porque ninguém consegue amadurecer e se tornar um adulto produtivo se não tiver afeto e carinho, seja da família biológica ou substituta", afirmou o desembargador e coordenador da Infância e Juventude, Wagner Wilson Ferreira.
Segundo ele, mais de 4 mil crianças e adolescentes estão internadas em instituições de acolhimento hoje, devido principalmente a situações de abandonou ou violência. "A gente vê uma incoerência, porque na violência, principalmente a sexual, o agressor, quando punido, aguarda o julgamento em liberdade, enquanto a criança paga por ter sido vítima e fica presa nas instituições", pontuou.
Apesar de a lei determinar que o tempo máximo de institucionalização seja de dois anos, ele afirma que é comum pessoas que entraram recém-nascidas nos abrigos deixarem esses locais após a maioridade. "É um descaso da sociedade e das autoridades, que não podemos permitir que aconteça".
No livro, há relatos de dor e perdas, assim como de superação dos personagens, que foram identificados por nomes fictícios. A publicação começou a ser elaborada em maio deste ano e conta com histórias de homens e mulheres, entre 18 e 65 anos, escritas por assistentes sociais, jornalistas, pedagogos e psicólogos.
Para Rônei Nascimento Junior, 19, um dos personagens mais novos do livro, as lembranças da época da institucionalização ainda estão frescas.
Ele foi deixado pela mãe aos cuidados dos avós aos três meses de idade e, quando completou 11 anos, depois de aprontar em casa, voltou a morar com a mãe. "A gente nunca foi chegado um ao outro, eu já tinha dois irmãos e um padrasto e não deu certo, comecei a fugir de casa", contou.
Em uma das fugas, ele foi parar a pé em Ravena, em Sabará, na região metropolitana, onde encontrou alguém que levou ao Conselho Tutelar na capital. Depois de abandonar o primeiro abrigo, ele decidiu permanecer no segundo, onde ficou dos 12 aos 18 anos, completados no ano passado.
"Fiz cursos de computação e cabeleireiro, me arrumaram emprego e escola, criei muito vínculo com as pessoas, sou muito grato ao período que passei lá", disse. Hoje ele voltou a morar com a mãe, mas tem outros planos para o futuro. "Pretendo daqui para frente viver minha vida, com 19 anos já tenho que seguir minha estrada, construir minha história, minha família", afirmou.
VIOLÊNCIA E ABUSO
Casos de violência física, abuso sexual, negligência e abandono são algumas das principais causas que levam à institucionalização de crianças e adolescentes que, conforme explica a assistente social judicial que atua na Vara Cível da Infância e Juventude de Belo Horizonte, Silvana Martins, é uma medida protetiva.
"Não é a medida mais adequada, mas em determinadas situações se faz necessária, para resguardar, inclusive, a integridade física", afirma.
Depois que as crianças são acolhidas, são realizados planos de intervenção, a fim de levar a família a compreender o que levou a criança ao acolhimento e reorganizar o núcleo familiar de forma a receber os pequenos de volta.
Se as tentativas não funcionarem, as crianças são encaminhadas ao processo de adoção. "Toda criança tem direito a estar inserida em uma família, prioritariamente na família original, mas se essa família não consegue ser protetiva em relação à criança, ela tem direito de estar em outra família", afirmou.
Segundo ela, no ano passado, 108 crianças com idades entre 0 e 18 meses foram acolhidas. Destas, 73 foram encaminhadas para famílias substitutas, visto que a maioria era filha de mães dependentes químicas, com trajetória de rua.
"É muito difícil reverter uma situação em pouco tempo da institucionalização, e a criança não pode ficar à mercê do tempo do adulto, esperando esse movimento deles, que às vezes é muito demorado", explicou Silvana.
De acordo com ela, a possibilidade de adoção vai se tornando mais distante à medida que as crianças vão ficando mais velhas. "Até os 10 anos, no máximo, a gente ainda tem conseguido família nacional, depois vai para família internacional e, de 12 anos apra cima, fica muito difícil conseguir uma adoção internacional, então esses meninos ficam fadados à institucionalização até completar a maioridade", ressaltou.
LIVRO TEM MIL EXEMPLARES
Foram publicados mil exemplares do livro "Conte Sua História: A vida de crianças e adolescentes institucionalizados em Minas Gerais", que serão distribuídos para desembargadores, juízes de direito e demais autoridades que lidam com a questão da infância e da juventude. A publicação pode ser solicitada pelo e-mailcontesuahistoria@tjmg.jus.br.
CIDADES - TJMG - AV. RAJA GABAGLIA - LUXEMBURGO . LACAMENTO DO LIVRO " CONTE SUA HISTORIA " A vida de criancas e adolescentes institucionalizado em MG . FOTOS: JOAO GODINHO / O TEMPO / 16.10.2015 




Reproduzido por: Lucas H.


Nenhum comentário: